Entrevista: Moacyr Scliar
G1: O que o romance acrescenta à história? E o que a história bíblica pode acrescentar à reflexão sobre questões atuais?
SCLIAR: O romance acrescenta várias coisas ao capítulo do Gênesis: uma leitura psicológica dos personagens, coisa que o narrador bíblico só raramente faz, uma ampliação da própria trama, mediante detalhes que faltam no texto bíblico. Por exemplo: o primeiro filho do patriarca morre depois de SE casar com Tamar. A Bíblia diz apenas que foi a vontade de Deus. O romance, porém, vai mais fundo neste personagem e busca, em seu drama pessoal, a causa dessa morte. Um ponto importante: como a narrativa está a cargo de personagens atuais, um pesquisador da Bíblia e sua ex-aluna, que durante muito tempo o odiou, pode-se usar a linguagem corrente, o que serve a outro propósito: mostrar que, independente dos costumes de época, o drama vivido pelo patriarca, por seus filhos e por Tamar, poderia ocorrer nos dias de hoje.
G1: A personagem Tamar é uma mulher ardilosa e misteriosa, como muitas figuras femininas da Bíblia. Fale sobre o seu papel na trama do romance e sobre a imagem da mulher no Antigo Testamento.
SCLIAR: Apesar de ser o documento de uma sociedade patriarcal, a Bíblia dá muita importância às mulheres (as matriarcas, por exemplo). Há histórias comovedoras, como aquela da amizade entre Rute e Naomi. Na minha história, Tamar é uma figura complexa, que pode ser vista como uma mulher oprimida, lutando por sua dignidade, ou como uma astuciosa defendendo seus interesses. Mas ela não é a primeira a fazer uso da astúcia: Rebeca engana o marido Isaac para assegurar a seu filho Jacó o direito de primogenitura. O Oriente Médio era um lugar pobre, onde a luta pela vida era difícil. A Astúcia era uma arma que precisava ser usada, e tanto homens como mulheres a ela recorriam.
G1: Qual a importância do humor no romance? Normalmente o Antigo Testamento é associado a uma atmosfera grave e pesada…
SCLIAR: De fato, a Bíblia não é exatamente uma narrativa bem-humorada. A palavra “riso” aparece 29 vezes no Antigo Testamento, mas em 13 vezes com conotação negativa, riso designando zombaria. O humor que aparece no romance, e que é parte do genoma do autor, é minha contribuição pessoal.
G1: Aliás, você escreveu um livro sobre o humor judaico. O que caracteriza esse humor, em linhas gerais?
SCLIAR: O humor judaico é um humor melancólico, filosófico, contido; um humor em que o humorista ri de si próprio, um humor que funciona, para um grupo humano freqüentemente perseguido, humilhado e às vezes ameaçado de extermínio, como defesa contra o desespero. Este humor judaico é relativamente recente, datando de meados do século 19, e ligado a um cenário particular: as aldeias judaicas da Europa Oriental. No império tzarista os judeus estavam confinados a pequenas e miseráveis aldeias. Não podiam ter terras, não podiam exercer muitas profissões; sobreviviam como podiam, através de atividades humildes: leiteiros, alfaiates, pequenos agricultores. O humor judaico nasceu como uma resposta às duras condições de vida, às perseguições, aos pogroms. Tem duas características: primeiro, é um humor que neutraliza uma realidade trágica, tornando-a cômica, e portanto menos ameaçadora: funciona como mecanismo de defesa. Neste sentido é um “humor do absurdo”, intelectualizado; segundo, ele procura preservar a coesão grupal, mostrando o que é especial em “nós”, em contraposição a “eles”, os não-judeus. Isso explica por que uma anedota sobre judeus, inventada por judeus, mas contada por não-judeus, não raro é considerada anti-semita. O humor judaico é um humor que induz à reflexão. Não é humor escrachado, é um humor reservado; não provoca o riso fácil, a gargalhada e sim um pensativo sorriso. Com a emigração maciça de judeus da Europa Oriental para os Estados Unidos o humor judaico foi transplantado, mas para solo fértil. Os humoristas judeus, populares não só na comunidade judaica como entre o público em geral, tornaram-se profissionais, muitos deles famosos por seus livros, artigos jornalísticos, peças teatrais, filmes ou cartuns: aí está Woody Allen para comprová-lo. Além disso, o humor judaico criou personagens característicos, como é o caso da mãe judia, uma figura superprotetora e sobretudo alimentadora. Tinha de sê-lo: a grande ameaça então era a tuberculose e a grande proteção contra a tuberculose era a comida. Mas a situação do judaísmo mudou. Já não se trata de comunidades pobres, sujeitas à perseguição ou ao extermínio. Com isso desapareceram os personagens típicos do humor judaico. As mães judias já não alimentadoras – ao contrário, estão atentas para a obesidade – e, graças à psicanálise, entendem a relação com os filhos e com as próprias mães. O humor judaico foi mudando. As comédias dos irmãos Marx, por exemplo, quase nada tem a ver com judaísmo. E o mesmo se pode dizer do humor de Sacha Baron Cohen. Isso tudo evidencia uma mudança de cenário cultural. É ruim para o humor, esta mudança? Talvez. Mas melhor, muito melhor, para as pessoas.
G1: Quando se pensa na Bíblia como fonte para a literatura, a primeira obra que vem à mente é a de Thomas Mann sobre José, aliás irmão de Judá. Que outros autores e obras relacionados com a Bíblia você considera relevantes?
SCLIAR: Li a obra de Mann, mas fui muito mais influenciado pelas parábolas de Franz Kafka, que deu a esse gênero uma dimensão inesperada.
G1: Freud também foi buscar no Antigo Testamento inspiração para diversos textos e idéias. Em que medida a psicanálise influencia a sua literatura?
SCLIAR: De fato, Freud dedica boa parte de O chiste e sua relação com o inconsciente à análise de historietas com personagens judeus. Diz o criador da psicanálise: “Situação especialmente favorável para o chiste aparece quando a crítica se dirige contra a própria pessoa como membro de um grupo. Esta condição de autocrítica explica que, da cultura popular judaica tenha resultado um grande número de excelentes chistes”. Como muitos de minha geração (e também pelo fato de ser formado em Medicina) passei pelo divã de vários analistas, coisa que me beneficiou muito, sobretudo porque aprendi a não
transformar a ficção em “acting out”, em válvula de escape para rancores e frustrações, coisa que nunca dá certo.
G1: Você é filho de imigrantes judeus. Em que sentido(s) o judaísmo afeta a sua literatura, ou determina os rumos da sua ficção, sua relação com os leitores? Fale sobre a sua relação com identidade judaica. Como analisa a perda gradativa das raízes e tradições judaicas, à medida que as gerações vão se sucedendo?
SCLIAR: Vejo o judaísmo como uma magnífica cultura, consolidada através dos milênios e das vivências nos mais diversos cenários, o que lhe dá uma riqueza incomum, expressa sobretudo no texto: desde os tempos bíblicos o judaísmo cultiva uma verdadeira veneração pela palavra escrita – não é de admirar que tantos escritores tenham origem judaica. Agora, de fato, o judaísmo mudou, e isSo é inevitável. Não sou dos que ficam lamentando o passado, aquela coisa do “antigamente era melhor”. Mudou porque tinha de mudar, e novos caminhos sem dúvida surgirão desta mudança.
G1: Qual é sua relação com a religião e com Deus?
SCLIAR: Não sou religioso, não sou crente. Respeito as pessoas que crêem, mas está bem claro para mim que é outro tipo de vivência.
8 janeiro, 2009 as 6:53 pm
A CNBB CONDENA O ESPIRITISMO?
Se a Bíblia é a “palavra de Deus”, se a mesma “condena o Espiritismo”, se a Igreja Católica, é a “única representante de Cristo na Terra”, se o “papa” é “infalível”. Porque então com todos estes recursos, para a defesa da igreja, seus bispos optaram pelo assassinato do bispo Dom Aldo Di Cillo Pagotto?
O texto abaixo foi extraído da palestra, “Reflexos da Divulgação do Espiritismo”, de Alamar Régis Carvalho. Esta palestra está gravada em fita, e encontra-se à disposição do público na biblioteca da Federação Espírita do Estado de São Paulo.
O Bispo Católico Dom Aldo Di Cillo Pagotto, arcebispo do Nordeste, deu uma entrevista ao programa Espiritismo Via Satélite. Programa este apresentado pelo senhor Alamar Régis Carvalho. Durante a entrevista, Dom Aldo disse li Paulo e Estevão, (obra psicografada por Chico Xavier) quem não leu não sabe o que está perdendo. Estive com Chico Xavier e me vi diante de um autentico santo. Durante um encontro da CNBB, em Santa Catarina, um bispo pediu satisfação a Dom Aldo, sobre a referida entrevista. Os ânimos se exaltaram, então os bispos disseram: Nós tiramos a reencarnação da bíblia, precisamos rever esta tese. Nós tiramos a mediunidade da bíblia, precisamos rever esta tese. Entusiasmado com o fato o Senhor Alamar promoveu com o auxílio da USE, União das Sociedades Espíritas, O 1° Encontro Espírita do Estado de São Paulo ENCOESP. Encontro este que seria realizado, em Janeiro de 2001 no Anhemi. Este encontro teria a participação dos bispos da Igreja Católica brasileira, bispos estes que: Pretendiam fazer, uma reforma no Cristianismo, a partir do Brasil, e apresentar ao mundo o Espiritismo com sendo o Cristianismo redivivo. O senhor Alamar disse inclusive, que os espíritas que fossem ao encontro, ficariam surpresos, pois o Anhembi estaria lotado de bispos católicos. Estavam convidados para serem os palestrantes, Dom Aldo Di Cillo Pagotto, o padre José Linhares Pontes, que é ou era deputado federal pelo Ceará, e o pastor protestante Nehemias Marien. Só Dom Aldo Pagotto não compareceu, o motivo foi que, trinta por cento dos bispos católicos brasileiros, disseram: Se for para acabar com a Igreja Católica, vai ter sangue no Anhembi. Ameaçando assim, assassinar a tiros de metralhadora, Dom Aldo Di Cillo Pagotto, caso este fosse ao evento. Houve uma reunião de emergência, pensaram em chamar a polícia, e avisar a imprensa. Foi decidido então que a idéia precisava amadurecer, para posteriormente então os bispos entrarem com toda a força, para fazerem a reforma no cristianismo. Dom Aldo recuou, e o evento não aconteceu da forma como havia sido previsto. Alamar Régis Carvalho é hoje, dono da Rede Visão.
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8 janeiro, 2009 as 8:46 pm
SCLIAR: De fato, a Bíblia não é exatamente uma narrativa bem-humorada. A palavra “riso” aparece 29 vezes no Antigo Testamento, mas em 13 vezes com conotação negativa, riso designando zombaria. O humor que aparece no romance, e que é parte do genoma do autor, é minha contribuição pessoal.
Muito boa essa entrevista. Parabéns, aos dois: Luciano e Scliar.
10 janeiro, 2009 as 11:13 am
Ah, as intrigas passionais. Tema infindável…
12 janeiro, 2009 as 6:40 pm
Trigo
Adorei a entrevista de Moacyr Scliar e lembrei de um livro ” O Evangelho Segundo Maria” de um escritor chamado Armando Avena. Esse livro está esgotado, não sei porque, e faz, a semelhança de Scliar uma releitura da Biblia. Nada dessas baboseiras, mas ele dá a palavra a mulher que conta a história de Jesus de um modo completamente diferente.
Aliás esse autor publicou recentemente pela editora versal do Rio de Janeiro um livro chamado Recôncavo que também é surpreendente.
Trata do primeiro escritor brasileiro a receber o prêmio Nobel, mas trata também de uma cidade na Bahia, chamada Cachoeira, que é tão misteriosa quanto a Comala de Juan Rulfo. Ness cidade existe há mais de 200 anos a Irmandade da Boa Morte, seita de senhoras escravas que atrai pessoas do mundo inteiro no dia da sua procissão da Senhora da Boa Morte, que homenageia a mãe de Jesus e o orixa Nanã. E não é sincretismo, elas cultuam os dois em dupla pertença. Avena mistura Estocolmo com essa cidade mágica.
O livro é sensacional. Vale conferir.
Beatriz
13 abril, 2009 as 1:33 pm
Caramba, eu to só procurando: “Personagens ilustres judeus e suas contribuições para a humanidade” e não acho naaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaada!
:@