A Batalha do Peru
– Dá uma olhada aqui, rascunhei um plano…
– Boa!
– A gente chega na sua mãe às 6h, deixa os presentes na árvore, interage um pouco…
– Peraí, por que a gente vai na casa da minha mãe primeiro, e não na da sua?
– Bom, eu pensei que seria melhor assim por causa da logística, é mais perto daqui, né?
– Mas na noite de Natal não tem trânsito, amorzinho, não faz sentido isso.
– Mas não é só o trânsito, amorzinho, tem outro motivo também…
– E qual seria esse motivo, Eduardo?
– A gente precisa de qualquer jeito comer a sobremesa na casa da minha mãe, sério. Vai rolar aquela torta de nozes que não leva ovo na massa, sabe? Ela vai ficar muito chateada se a gente não estiver lá quando abrir a torta.
– Se é assim, saiba que a minha mãe vai fazer aquele musse de castanha portuguesa, que tem que descascar e amassar uma por uma. Dá o maior trabalho, não podemos fazer essa desfeita.
– Renata, vamos ser sinceros, os seus pais vão estar cochilando no sofá bem antes da meia-noite, eles odeiam jantar tarde!
– Eduardo, vamos ser sinceros, os seus priminhos vão querer abrir os presentes às 7 da noite. Não é óbvio que a gente tem que ir na casa da sua mãe antes?!
– Ok, vamos na casa da minha mãe antes, mas não se esqueça de que, quando a gente chegar, seu tio Emerson vai estar bêbado, fazendo aquela brincadeira inconveniente do pintinho molhado.
– Putz, o pintinho molhado, tinha esquecido disso…
– Pois é, já eu não tenho como esquecer, né? Lembra do que aconteceu no Natal de 2010?
– Ai, você também é fresco, hein… É só uma piada sem graça. E a sua mãe, que bebe escondida na cozinha e que, no ano passado, falou que eu não ia caber na camisola que você me deu de presente?
– Mas você há de convir que ela estava certa, né, Renata? Tanto é que você precisou trocar.
– Que grosso!
– Grosso não, ué, você estava gordinha mesmo…
– Olha só, Eduardo, é melhor a gente resolver essa pendenga logo, antes que o Natal como um todo vá pro buraco.
– Tá bom, pra encerrar a discussão: eu voto na casa da sua mãe primeiro porque eu não gosto de musse de castanha portuguesa.
– Mas você até repetiu no ano passado!
– Eu estava fingindo, tanto é que raspei o segundo pote na privada do lavabo.
– Ah é? Eu voto na casa da sua mãe primeiro porque aquela torta de nozes é uma bomba de calorias e é SECA por dentro.
– Seca não!
– É seca sim, assim como o Peru à Califórnia e aquela farofa, também seca, que mais parece a areia da Praia de Malibu.
– E aquele tender repleto de cravos que a sua tia Neide leva? O molho é sempre aguado e, como se não bastasse, eu o-dei-o cravo!
– Legal, faz o seguinte então: pede pra vagabunda da sua irmã fazer uma salada decente, ao invés de levar aquelas folhas de alface picadas com pepino, milho e kani por cima.
– Você chamou minha irmã de vagabunda?
– E do que devo chamar alguém que leva pra ceia de Natal uma salada daquela, pior do que a que vende aqui no supermercado?
– Então você também fala pra cínica da sua prima Rosana que tem que botar pelos menos umas lascas de bacalhau naquele ‘Batatalhau’ dela.
– Só se você falar pro seu primo Denis que o vinho que ele for levar tem que custar mais do que R$10…
– Olha só, Renata, eu acho melhor a gente parar por aqui. Não é possível que não exista um jeito civilizado de resolver essa questão!
– Ímpar…