A vida como ela é

qua, 12/02/14
por Bruno Medina |

Ainda que nem sempre nos demos conta, todos os dias o mundo a nossa volta nos convida a contemplar as evidências da passagem dos anos, a partir da reflexão a respeito de hábitos e objetos que caíram em desuso ou então que se extinguiram de maneira natural. Foi assim, por exemplo, com a antes onipresente máquina de escrever, até que perdesse seu reinado de décadas como utensílio indispensável para o postulante computador pessoal e seu mirabolante editor de texto digital, que assegurava nada menos do que a possibilidade ilimitada de erros de datilografia; ou, mesmo antes disso, com a caneta tinteiro, compulsoriamente aposentada pela escrita suave, prolongada e asséptica das esferográficas.

De maneira análoga, hoje pela manhã, uma breve passagem pelo aeroporto me fez atentar para o processo de paulatina extinção ao qual se submete um costume que, durante muito tempo, representou em nossa sociedade o suprassumo da anarquia e da liberdade de expressão: o ato de escrever mensagens em portas de banheiro. Lembro-me com carinho dos áureos dias em que, ainda criança, recorria a esta verdadeira bíblia do lado selvagem da vida para compreender toda gama de temas que a TV, meus pais e a escola tentavam encobrir.

Era nos compartimentos individuais dos sanitários de shoppings, cinemas, clubes, restaurantes de reputação duvidosa e afins – graças a sagacidade daqueles que se dividiam entre satisfazer suas necessidades fisiológicas e o anseio por expressão – que recebíamos esclarecedoras lições sobre anatomia humana, vocabulário de baixo calão e a reputação condenável de desconhecidos. Podem me tachar de saudosista, mas confesso que me ressinto de não mais viver numa época em que uma das piores ofensas que se podia fazer a alguém era associar, na porta de um banheiro público, seu nome e telefone a práticas sexuais pouco ortodoxas.

Claro que não se pode esquecer das mensagens de caráter político, aos moldes deste hoje em dia raríssimo exemplar registrado na foto que ilustra o post, em que o autor sugere uma invasão norte-americana como solução para  ”melhorar” o Brasil, e que contou, inclusive, com a discordância em fora de réplica de um outro usuário do mesmo vaso. Concordemos ou não com a opinião do sujeito, reconheçamos, eis aí a beleza do exercício da democracia.

Assim como máquinas de escrever e canetas tinteiro, estes artesãos do conhecimento marginal também se tornaram obsoletos, cedendo lugar a um perfil que, ao contrário de seus antecessores, dispõe de inúmeras possibilidades para dizer o que pensa, e que talvez, por conta disso, acabou perdendo um pouco de sua relevância. Do alto do aconchego de seus lares, a salvo da caçada implacável de seguranças e serventes, este exército de opinadores, independente do grau de conhecimento que tenham sobre o tema, pode ser visto atuando em fóruns virtuais, postagens de Facebook e sessões de comentários de portais de notícia, quase sempre reforçando o argumento de quem, como eu, pensa que a internet se transformou num gigantesco banheiro de infinitas portas.

Viciado, quem?

qua, 23/10/13
por Bruno Medina |

Quando sua mãe se preocupa e diz que você está pegando pesado, você alega que é exagero, um comentário atribuível ao choque geracional. Quando seus amigos te alertam quanto ao fato de você estar se alienando em eventos sociais, você se defende dizendo que não há problema algum, que usa porque quer e que sabe muito bem a hora de parar. Quando você próprio percebe que a hiperconectividade atrapalha a sua dedicação a outras importantes atividades,você inventa uma desculpa, classifica como passageira a discreta obsessão, uma fase que logo vai passar. Pois o que há muito persistia como desconfiança agora é oficial: a internet está te deixando doente.

A partir de uma série de estudos realizados ao longo dos últimos anos, e da avaliação do comportamento de milhares de usuários, a comunidade médica identificou ao menos 8 distúrbios psicológicos associáveis ao uso excessivo da web, estes que são cada dia mais visíveis a medida em que nossas rotinas se tornam indissociáveis da internet. A seguir, uma breve descrição dessas desordens, segundo artigo recém publicado no TechHive:

Síndrome do Toque Fantasma – Sabe aquele embaraçoso momento em que se puxa o telefone do bolso pensando que ele tocou para, em seguida, perceber que nada aconteceu? Sabe quando a mesma coisa acontece de novo alguns minutos depois e você acessa o menu de ligações perdidas só para certificar-se de que realmente ninguém te ligou? De acordo com o Dr. Larry Rosen, autor do livro iDisorder, 70% daqueles que usam smartphones com muita frequência já experimentaram essa espécie de alucinação, associável ao fato de o nosso cérebro confundir qualquer tipo de estímulo (uma coceira, por exemplo) ao toque do telefone.

Efeito Google - Pesquisas evidenciaram que estamos gradualmente reduzindo nossa capacidade de reter informações, uma vez que atribuímos ao Google essa função. Afinal, para que dedicar parte do nosso intelecto ao registro de nomes, números e endereços se tudo isso pode ser encontrado a partir de um clique? Esse novo padrão de funcionamento cerebral não está sendo encarado necessariamente como negativo, mas sim como o marco de uma época, muito embora alguns considerem que estamos nos tornando mais preguiçosos e menos inteligentes.

Nomophobia (No Mobile-Phone Phobia) - Essa síndrome caracteriza-se por um surto de ansiedade despertado pela impossibilidade de utilizar um dispositivo móvel. Quando o telefone está prestes a ficar sem bateria ou nos encontramos numa área sem sinal, somos levados a pensar que talvez alguém tente nos contatar sem sucesso. “E se for uma ligação do meu chefe? E se for o convite para uma festa incrível?” Esse sentimento, que acarreta angústia e frustração, relaciona-se com outra desordem previamente identificada e conhecida como FOMO (Fear of Missing Out – que poderia ser traduzido como medo de estar perdendo algo). Em Newport Beach, Califórnia, já existe um centro de recuperação exclusivamente dedicado ao tratamento da Nomophobia.

Depressão de Facebook - Essa eu já havia descrito em outro post: em linhas gerais, a disfunção pode ser resumida como uma sensação de desolamento e baixa auto-estima decorrente da falsa impressão de que qualquer um de seus amigos virtuais é bem mais feliz do que você. Isso acontece porque dificilmente alguém resolve dividir com sua rede social os aspectos menos edificantes da própria vida, portanto, em tese, no Facebook todo mundo é alegre e bem sucedido. De acordo com um estudo realizado pela Universidade de Michigan, o grau de depressão detectado entre o público jovem já seria proporcional ao tempo que dedicam à ferramenta, o que por si só já qualificaria este como sendo um dos distúrbios psicológicos mais preocupantes do nosso tempo.

Náusea Digital (Cybersickness) - O termo foi cunhado em meados dos anos 90 e descreve a desorientação evidenciada em algumas pessoas quando em contato com ambientes virtuais que simulam interações e movimentos que não estão ocorrendo de fato no mundo real. A doença voltou ao foco das atenções há algumas semanas por ocasião do lançamento do iOS 7 (última atualização do sistema operacional para iPhone e iPad), que apresenta como uma das principais novidades um efeito de zoom radical nos ícones do menu que estão sendo acessados. Na web, é possível encontrar incontáveis relatos de náusea e vômitos associados ao uso destes dispositivos.

Hipocondria Digital - Vulgarmente conhecida como “Síndrome do Dr. Google”, essa disfunção caracteriza-se por uma tendência aguda de observar em si próprio manifestações de sintomas idênticos aos de doenças graves sobre as quais se leu algo a respeito online. A vasta gama de casos médicos que atualmente encontram-se descritos na internet apenas potencializaria um comportamento há muito conhecido, este que somatiza pontadas, coceiras, inchaços e vermelhidões em função do objetivo desejado, e que transforma uma simples dor de cabeça de final de tarde numa rara doença congênita e degenerativa.

Transtorno de Dependência da Internet - Esse transtorno é nada mais que a vontade desmedida de permanecer online, que se torna prejudicial ao interferir no desempenho de outras funções. A desordem estaria associada a outros diagnósticos, tais como o da depressão, do TOC, do Transtorno de Déficit de Atenção e da Ansiedade Social, e por isso há um debate na comunidade médica sobre o fato de esta ser uma doença própria ou derivada.

Vício em Jogos Online - Assim como é comum ao objeto de qualquer outro vício, jogos online também podem servir como fonte de dopamina e serotonina, ocasionando que a sensação de prazer associada a liberação desses neurotransmissores transforme o ato de jogar numa atividade nociva. Esse tipo de dependência ganhou proporções de epidemia na Ásia, sobretudo na Coreia do Sul, onde atualmente vigora uma lei que bloqueia entre 0h e 6h o acesso de menores de 16 anos a jogos online. Evidências mais contundentes desse padrão de comportamento intrigante são a morte de um tailandês em 2012, após supostamente ter passado mais de 40 horas consecutivas jogando Diablo III, ou do norte-americano que perdeu o parto do próprio filho por não conseguir resistir à tentação de retomar sua saga no World of Warcraft ao voltar em casa para buscar a mala que deveria ter sido levada ao hospital.

Bom, segundo a tabela classificatória que criei – e que não possui nenhum valor científico – você mesmo pode avaliar sua condição:

de 0 a 2 síndromes – você é um típico cidadão do século XXI, nada com que se preocupar.

de 2 a 4 síndromes – de vez em quando vale lembrar que existe toda uma vida acontecendo fora da tela dos seus dispositivos. Pegue o telefone, ligue para um amigo e vá tomar um sorvete ou andar de bicicleta. Sério.

de 4 a 6 síndromes – jogue todos os seus gadgets no lixo imediatamente e vá morar no alto de uma montanha sem sinal de celular ou de internet para salvar sua vida.

de 6 a 8 síndromes – Me passa o telefone de pelo menos um responsável (mãe, marido, melhor amigo) e lembre-se: se aparecerem uns caras de branco na sua casa pedindo pra você vestir uma jaqueta sem mangas e com fivelas de cinto, eles são seus amigos.



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