“É tarde, é tarde!”

qua, 16/10/13
por Bruno Medina |

Dentre os inúmeros vícios adquiridos pelo homem moderno em função do estilo de vida que acostumou-se a adotar, um dos mais nocivos, sem dúvida, é a obsessão por poupar tempo. Ainda que seja pelo simples prazer de ganhar 5 minutos – dos quais quase nunca necessitamos de fato – estamos constantemente disposto a nos submeter a qualquer risco, constrangimento ou lapso moral que justifique pisar fundo quando o sinal se torna amarelo, apertar o passo para ultrapassar a velhinha a caminho do caixa do supermercado ou mesmo bufar de ódio quando alguém à frente decide não continuar descendo os degraus da escada rolante no metrô. Ao alcançar êxito nesta incessante corrida contra os ponteiros do relógio, o protocolo seguido é sempre igual: celebrar por um instante nossa esvaziada conquista, para, já em seguida, definir um próximo alvo, uma atividade qualquer da qual seja possível subtrair alguns segundos em prol de uma vida mais… ágil (?).

Tendo em vista a lógica sugerida, no que tange ao ato de poupar tempo, a antecipação de voos poderia ser considerada uma espécie de cereja do bolo, visto que muitos são os que consideram a permanência em aeroportos e o próprio tempo despendido dentro de aviões como um enorme e inevitável desperdício, para não dizer uma tortura. Um vez que não podemos controlar tais procedimentos, nós, os apressadinhos, costumamos reverter o prejuízo de outras maneiras. Deixar de almoçar, pedir para adiantar a reunião (e permanecer calado para que termine logo), fingir que se atrasou e não conseguiu tomar o café combinado com o amigo de infância, são evidências de um plano meticulosamente arquitetado em prol de alcançar um único objetivo. Chegar antes. Após termos nos desvencilhado com maestria de todos os obstáculos que se impuseram ao longo do dia, no guichê da companhia aérea exibimos aquele olhar de filhote abandonado e disparamos: “Terminei meus compromissos 2 horas mais cedo do que o previsto. Será que dá pra embarcar nesse próximo?”.

A inabalável certeza de ter feito por merecer a tão almejada antecedência nos leva a ter o documento em riste, apontado para o nariz da atendente, antes mesmo de ouvir dela que, naquele dia, todos os voos estão lotados. E então se dá um daqueles belos porém dolorosos momentos da vida em que a possibilidade da recompensa se materializa em certeza do castigo; de súbito, as 2 horas que pensamos ter ganho se transformam em 2 horas a mais no aeroporto. Acredito que à essa altura do texto me sinto à vontade o suficiente para compartilhar a visão de que aeroportos se assemelham em muito à noção clássica de purgatório, afinal, tratam-se de áreas transitórias onde não há nada a fazer senão esperar, habitadas por indivíduos que vagam sem rumo a espera de cruzar um portão que os conduzirá a um lugar bem melhor.

Agora serão 120 minutos totalmente dedicados à reflexão sobre o almoço com calma ter sido trocado pela coxinha murcha vendida a peso de ouro, o silêncio na reunião por uma penca de e-mails para tratar dos assuntos que não foram abordados, o encontro com o amigo de infância pelo café solitário e de pé no balcão. A circunstância de enxergar-se em meio a engravatados estressados urrando ao telefone com os rostos mergulhados em seus laptops sugere uma óbvia constatação: ainda dá tempo de pensar numa boa estratégia para entrar primeiro no avião…



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade