Mal na foto
Fim de tarde no Rio, após um pé d’água daqueles que só deságuam no verão, um arco-íris de incomensurável beleza desponta por trás dos arranha-céus. Ao invés de olhar para cima e aproveitar o espetáculo natural que em breve se extinguiria, um grupo de jovens a minha frente prefere dedicar-se à difícil tarefa de capturar com as câmeras de seus smartphones, num único clique, o arco-íris emoldurando seus próprios rostos. Mude o objeto em segundo plano para uma batida entre dois carros, um ator da novela que atravessa a rua, o prato preferido servido à mesa, a arquibancada do estádio, um incêndio, na verdade tanto faz. O que importa de fato não é vivenciar, tampouco apenas registrar o momento, mas sim registrar a si mesmo vivenciando o momento. Bem-vindo ao mundo dos selfies.
O fenômeno é relativamente recente mas já merece atenção, uma vez que basta pesquisar a hashtag “#selfie” no Instagram para se deparar com nada menos do que 72 milhões de resultados correspondentes. Como reflexo desta onda – ou seria um Tsunami? –, de acordo com um artigo publicado esta semana na “Techcrunch”, até o tradicionalíssimo dicionário Oxford teria resolvido incluir em sua última versão um verbete dedicado à prática, na qual, dentre os adeptos, já figuram personalidades do quilate de Barack Obama – ele foi pego no flagra fazendo um controverso instantâneo de si mesmo no funeral de Nelson Mandela. Mas, afinal, o que justificaria este incontrolável impulso de se autofotografar?
Segundo estudos realizados pelo Dr. James Kilner, neurocientista da University College London, nossa crescente atração pelos selfies estaria relacionada ao fato de que, a partir deles, podemos controlar a percepção que temos de nós mesmos. Durante um experimento em que os participantes deveriam indicar qual seria a foto original dentre várias versões de um único selfie – editadas para que os fotografados parecessem mais ou menos atraentes – a maioria dos entrevistados apontou as imagens mais atraentes como sendo as que corresponderiam à realidade. Ou seja, há indícios de que, aos poucos, nosso padrão estético passa a ser mais apurado, possivelmente devido à incidência maciça de fotografias manipuladas.
Num artigo publicado em outubro no “New York Times”, entretanto, a chave para a compreensão da hegemonia dos selfies estaria relacionada ao autoconhecimento. De acordo com a teoria, o ato de tirar uma foto de si próprio seria uma mera tentativa de entender como as outras pessoas nos veem e, assim, aprimorar nossa linguagem corporal. Esse movimento seria potencializado pelos inúmeros aplicativos que exibem nossos rostos durante conversas online (já repararam como é difícil encontrar hoje um smartphone que não possua câmera frontal?), o que seria um convite ao narcisismo inerente aos selfies.
Por outro lado, há de se levar em conta também que closes de rosto simbolizam aspectos distintos a depender do contexto em que se inserem. Ao se considerar, por exemplo, uma rede social formada por pessoas que não se encontram com muita frequência, a publicação de selfies teria a função de humanizar a comunicação e atenuar a sensação de distância. Por este determinado ponto de vista, não seria exagero concluir que, mais do que uma tendência passageira, os selfies podem indicar um novo paradigma para a maneira como nos comunicamos uns com os outros.
Ao invés de um “oi” ou “tudo bem?” para iniciar a conversa, por que não mostrar logo a quem importa um resumo visual de como está sendo o dia? Então, seja você um legítimo adepto da prática ou alguém que costuma não perdoar os amigos que inundam sua timeline com registros pouco edificantes de si mesmos, pense você se tratar de um inofensivo sinal dos tempos ou uma modalidade deplorável de exibicionismo, uma pergunta: será que alguém ainda duvida que os selfies vieram pra ficar?