Malamada

qua, 15/01/14
por Bruno Medina |

Para muita gente, inclusive este que vos escreve, o primeiro mês do ano, tradicionalmente, é sinônimo de férias. Férias, como todo mundo sabe, é aquele período mágico em que você tenta convencer a si próprio e aos outros – sobretudo os que não estão de férias – de que sabe aproveitar a vida como ninguém, e que, ao retornar deste verdadeiro oásis de satisfação em meio a um areal de chatice e aborrecimento, estará preparado para aguentar os 11 meses seguintes de labuta.

Mas, independente de sua escolha ser esquiar nos Pireneus, ficar de pernas pro ar numa praia paradisíaca do sudeste asiático, contemplar manadas de elefantes num legítimo safári africano ou simplesmente viajar de galera pra casa da tia em Caraguatatuba (no esquema fila pro banho de chuveiro elétrico e miojo no jantar), uma única coisa é certa: entre seu ideal de descanso e a acachapante realidade do dia a dia existe um obstáculo a ser transposto: A Mala.

Diferentemente do que você sempre foi levado a acreditar, fazer uma mala não é algo que se aprende, mas sim uma vocação; ou você nasce com o dom ou está condenado a uma existência recheada de angústia, constrangimento e cuecas que sobram e meias que faltam. Não duvidem, meus amigos, que uma mala realmente bem feita é uma espécie de obra de arte, a tangibilização do delicado casamento entre disponibilidade e funcionalidade, que demanda do artista em questão planejamento, desapego e versatilidade.

Na prática, tudo se resume a saber lidar com a restrição sugerida pelo espaço disponível, e é neste momento em que revelam-se os diferentes perfis. Há, por exemplo, os Indecisos, que tentam burlar esta determinação adotando como estratégia socar metade do armário pra dentro da mala e sentar em cima na hora de fechar, possivelmente imaginando que assim se esquivarão de fazer escolhas difíceis. Amadores. Apenas se esquecem de que passarão todo o tempo de lazer arrastando uma bigorna revestida de trapos amassados.

Já os Desencanados fazem justo o contrário e, por falta de perícia ou de paciência, optam por um punhado de peças aleatórias, sem considerar quantidades e combinações possíveis. Estes são os que, ao fim da viagem, invariavelmente estarão vestidos como palhaços ou batendo ponto em lojas de departamento. Os Orgulhosos, por sua vez, preferem tilintar de frio a admitir que levaram agasalhos de menos, e os Práticos utilizam todos os dias os mesmos trajes, estes que consideram ‘coringas’, mas que, na verdade, são inadequados para quase todo tipo de circunstância.

Felizmente, nenhum destes é o meu caso, afinal todas as evidências levam a crer que sou uma destas abençoadas pessoas cuja a aptidão para fazer belíssimas malas vem do berço. Nos 10 anos em que viajei de forma ininterrupta com a banda, não me lembro de ocasião em que tenha levado roupas de mais ou de menos, ou mesmo apostado num conjunto de peças que tenha se mostrado equivocado, talvez à exceção de quando enfrentei improváveis 9 graus em Cuiabá sob abrigo de um valente moleton verde musgo, adquirido nas Lojas Americanas.

Nestas férias em específico, o desafio que se impõe é compor uma mala que atenda às exigências do rigoroso inverno europeu, mas que não se torne um fardo a ser carregado durante as várias viagens de trem programadas. Confesso que desta vez cheguei a cogitar recorrer à estratégia do Zeca Camargo, que numa entrevista revelou fazer malas apenas para 7 dias independente do tempo de permanência no destino, recorrendo a lavanderias para reciclar as peças já usadas. Ainda não estou certo se está é de fato uma opção para mim, mas, sem dúvida, uma ideia a ser considerada pela turma de Caraguatatuba, até porque botar as roupas sujas para lavar pode ser um ótimo passatempo enquanto não chega a vez de tomar banho…

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7 comentários sobre “Malamada”

  1. Rafael disse:

    Ótimo texto, Medina! Divertido e inteligente. Prossiga.

  2. Neco disse:

    Nos anos 80 eu viajava a serviço todos os anos para a Europa. Os aeroportos tranquilos eram uma beleza.
    Naquela época eu me acostumei a fazer a mala em meia hora antes do taxi chegar para me levar para o aeroporto. Tudo é questão de prática. Hoje não me arrisco mais a viajar pois demora mais chegar no aeroporto do que as vezes a própria viagem. Um absurdo!

  3. Gabriel Neves disse:

    No caso das minhas férias foi a “turma de Ilhabela”… e o meu erro foi o de levar de mais …..para um Palio…

  4. Alisson Oliveira disse:

    9 graus em Cuiabá…realmente totalmente improvável!!
    O lance mesmo é levar pouca coisa e ir lavando ao longo da
    viagem. na América do Sul em geral se paga muito barato
    em lavanderias. Otimo texto amigo…

  5. Paula disse:

    Pois é, há uma espécie que pensa em todas as combinações possíveis, e decide previamente quais peças usarão em determinados dias e momentos. Provavelmente essa turma é a que gosta também de viajar com um guia e um roteiro de viagem. Isso me lembra horários de aulas, de trabalho, de obrigações..
    sou do pessoal de roupa de palhaço.

  6. Janleide disse:

    Medina vc me desc reveu com o lance da mala! Minhas amigas ficam loucas qdo viajam comigo e veem a “frasqueira” q levo e chamo de mala! Aprendi a repetir a parte de baixo todos os dias!!! Bermudas e calças, afinal, depois de adultos, sujamos menos as “calças” né? tb camisetas podem ser lavadas no chuveiro dependendo da temperatura. Mas tem quem diga p mim assim”-noooossa! vc vai aparecer em toda as fotos usando praticamente as mesmas roupas?” dann, e daí?



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