Lulu

qua, 27/11/13
por Bruno Medina |

O post dessa semana seria sobre outro tema, mas eis que, de última hora, se impôs com a urgência de um e-mail enviado pelo chefe uma dessas irresistíveis novidades que nos ajudam a compreender um pouco melhor o tempo em que vivemos: Lulu. As quatro letrinhas, que muito bem poderiam designar a carismática personagem dos quadrinhos, batizam o mais novo instrumento para auxiliar mulheres solteiras a escaparem de furadas, sob outro ponto de vista, um legítimo e sofisticado pesadelo virtual para o gênero masculino.

Para quem ainda não ouviu falar, Lulu é um aplicativo para iOS e Android que, ao vincular-se à conta de uma usuária de Facebook (sim, teoricamente apenas mulheres podem utilizá-lo) permite que a mesma possa atribuir conceitos aos homens que estejam em sua lista de contatos e com quem porventura tenha se relacionado, digamos, de maneira carnal. Quem avalia permanece no anonimato, mas consegue ver as demais avaliações atreladas aquele perfil, estas que são registradas a partir das respostas obtidas para questões relativas a comportamento, educação, senso de humor, atributos físicos e, claro, sexuais. As perguntas variam de acordo com o status declarado da avaliadora em relação ao avaliado (ex-namorada, ficante, pretendente a ficante, etc.) e, ao final, geram uma nota para o rapaz.

A cereja do bolo fica por conta das hashtags que podem ser adicionadas para ratificar a humilhação, quer dizer, análise, tais como #FilhinhoDeMamãe, #ApaixonadoPelaEx e #PrefereoVideogame. Pelo que entendi, a título de evitar que a criatividade e a sinceridade das usuárias firam egos além do previsto, não é possível redigir comentários ou criar hashtags específicas. Desculpem se me faltam mais detalhes, mas, como se pode supor, tudo o que sei sobre o aplicativo aprendi através de relatos de terceiras, uma vez que, como homem, o único lugar a que tenho acesso é o centro da arena, junto aos leões, e não a plateia. Segundo as fontes consultadas, em linhas gerais, as descrições são bem fidedignas, ou seja, além de divertido, o Lulu pode realmente vir a ser útil.


Desde que desembarcou por estas bandas no início da semana, mais de 5 milhões de downloads foram realizados, o que acabou ocasionando instabilidade nos acessos. Não diria que este chega a ser um fato surpreendente – sobretudo se for levado em conta o habitual apetite de nosso povo por ferramentas sociais –, mas a verdade é que, até agora, a cada dia mais de 1 milhão de brasileiras aderiram ao aplicativo, número equivalente ao total de usuárias alcançado ao longo de 9 meses nos Estados Unidos. Afinal, o que justificaria tamanho furor? Uma breve pesquisa no Google me indicou que esta não é uma pergunta fácil de responder.

Há quem diga que o Brasil é um país essencialmente machista, e que o Lulu seria um pequeno triunfo do time rosa na épica batalha entre os sexos, mas há também quem pense que tudo não passa de uma brincadeira que está sendo levada muito a sério. No time azul, uns encaram com bom humor o fato de estarmos na berlinda, empregando argumentos na linha de “quem não deve, não teme”, já outros se ocupam em saber como proteger seus perfis de potenciais vinganças e exigem reparação imediata. A respeito da especulação quanto a um possível equivalente do aplicativo voltado para os homens, uma resposta curiosa: ele já existe e se chama vida.

Bom, visto que o tema ainda vai render um bocado, antes de terminar, eu só queria deixar um recado, direcionado às mulheres com quem me relacionei:

Independente da extensão do relacionamento que tivemos, saibam que conhecer cada uma de vocês me transformou numa pessoa melhor. Se algum dia magoei vocês, tenham certeza de que não era a minha intenção. Ah, e se tiver permanecido algum mal entendido entre nós, podemos conversar! Quem sabe a gente não resolve isso de uma vez, né?

Crônicas de Quase Verão

qua, 20/11/13
por Bruno Medina |
| tags , ,

Era um típico domingo de verão carioca, destes em que o sol brilha tão intensamente que, apesar das poucas horas dormidas, não ir à praia soaria como uma espécie de afronta. A luminosidade de quase meio-dia invadia sem cerimônia o quarto escuro, assim como as mensagens enviadas pelos amigos, que faziam vibrar o telefone sobre o criado mudo, me intimando a rumar para o único destino possível num dia como aquele. Não bastasse a leve dor de cabeça e a ardência nos olhos causada pela claridade refletida na areia –  incompatível com o estado de espírito de alguém que tenha cometido tantos excessos na noite anterior –, a árdua tarefa de encontrar um lugar disponível no colorido mosaico de cadeiras e barracas em Ipanema não deixava restar dúvidas quanto a probabilidade daquele prenúncio de paraíso se revelar um legítimo programa de índio.

Espremido entre uma família tagarela de argentinos e uma roda de altinho, apesar do empenho dos amigos, que tentavam me animar compartilhando indiscrições sobre a festa em que estivemos na véspera, eu era a personificação do tédio, a única pessoa de toda a orla que parecia não estar se divertindo num dia fadado à diversão. Talvez o melhor seria render-se às evidências e procurar o abrigo de uma sombra generosa para repor o sono perdido, pensei. E foi então que ela surgiu; uma aparição quase mediúnica brotada da espuma do mar, sorrindo, desconcertada, pela onda que desalinhou seu biquíni. Na tentativa de localizar o ponto na areia em que estavam as amigas, nossos olhares se cruzaram, e subitamente eu entendi que todas as minhas expectativas seriam contrariadas, que todos os meus planos precisariam ser refeitos, que tudo o que eu havia vivido até aquele instante apenas havia me preparado para esse encontro.

De longe continuei a observando, capturando os trejeitos que em breve me seriam tão familiares, me apaixonando por cada nuance de suas expressões, e pela altivez com que ela retribuía a minha curiosidade. Um gole no mate pra tomar coragem e me aproximar. Coração vindo à boca, sangue borbulhando nas artérias, me pus a caminhar na direção do destino. E mal pude ver quando começou a confusão: gritos desesperados, correria, empurra-empurra, gente pisando em gente, barracas e cadeiras dragadas pela multidão, que corria vinda do Leblon feito uma boiada que estourou. “Perdeu, playboy!”, tomei um soco, lá se foi dinheiro, documento e celular. Ao recobrar a consciência, me deparei com o semblante preocupado dos amigos, que a essa altura cercavam meu corpo estirado na areia. Um deles perguntou se eu estava bem, respondi com outra pergunta: “E ela, cadê?”.

Permaneci na praia por mais duas horas, na expectativa de que a qualquer momento ela retornasse, em busca, quem sabe, de um colar que ganhara da avó, do anel que trouxera como recordação da viagem para a Índia, de retomar nossa história de onde havia sido interrompida. Sugeriram que eu fosse até a delegacia, com sorte ela teria ido para lá registrar a ocorrência, como tantos outros o fizeram. Eu tinha certeza que não. Por dentro algo me dizia que, por mais que eu tentasse, nunca mais voltaríamos a nos ver. Eu nem ao menos sei o nome dela, mas sei que perdi meu amor no arrastão…

 

Só você

qua, 13/11/13
por Bruno Medina |

Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2013. Enquanto escrevo estas mal traçadas linhas no desconforto do meu lar, lá embaixo, na rua, o termômetro marca 38oC. Aqui na minha tela leio que no bairro de Jacarepaguá, um pouco mais cedo, registrou-se a incrível marca de 41,8ºC, sendo a sensação térmica correspondente a 48ºC. E olha que nem estamos no verão ainda! Frente a tais números, qualquer habitante deste planeta – fosse ele equatoriano, senegalês ou um beduíno que porventura resida numa tenda em pleno deserto do Saara – concluiria o mesmo: tá quente pra cacete.

A bem da verdade, em condições como a que foi descrita, realmente não dá vontade alguma de trabalhar, mas sim de ficar na praia, de papo pro ar, tomando cerveja bem gelada e picolé, ou de passar o dia inteiro dentro d’água, ainda que seja numa piscina inflável infantil, segurando uma barraca de praia para se proteger do sol que castiga impiedosamente a laje. Mas é claro que, num dia de semana, poder usufruir de qualquer uma das opções citadas é um privilégio para poucos. Apesar do calor beirar a insalubridade, eu arriscaria dizer que a imensa maioria das pessoas vão continuar desempenhando suas funções da mesmíssima maneira com que faziam na semana passada, à exceção de que tentarão conciliar suas atividades convencionais com uma outra, que parece já ter se consolidado como um hábito irresistível: reclamar da temperatura nas redes sociais.

Amigo, se está calor pra você, está calor pra todo mundo também, aceita. Praguejar a cidade, São Pedro, o vizinho (que foi à praia), o prefeito, seu chefe, o interior do ônibus, o chafariz desativado ou o vento quente que sai do ventilador não vai fazer ficar mais fácil. Muito pelo contrário. A sua reclamação representa apenas mais um grão de areia que se soma a outros tantos na infinitude árida da minha timeline, um espelho que reflete a impotência de todos nós diante do imponderável climático. Você sabe, eu sei, até o Jorge Ben Jor sabe, moramos num país tropical, então vamos deixar combinado que, hoje e sempre, temperaturas bastante altas serão comuns. Se você não se sente confortável com isso, bem, passar uma temporada na Islândia, na Finlândia ou no Alasca são opções para os mais afortunados; se esse não for o seu caso, sinto informar que não há muito o que fazer, mas é certo que passar o dia reclamando no Facebook só vai deixar os seus amigos que estão com calor ainda mais irritados.

Por favor, não me conte quantos banhos já tomou, não me diga onde seria possível fritar um ovo no asfalto, não compartilhe montagens toscas que envolvam fornos ou pessoas em chamas, nem seja o 12oº hoje a postar a imagem de um termômetro urbano. Aliás, sugiro que retomemos pautas mais relevantes, como a vida sexual do Justin Bieber, a possível farsa do Rei do Camarote, a polêmica das biografias ou o novo look do Neymar, a não ser, claro, que haja proposições práticas para transformar a situação. Você tem ideia de como viabilizar a tão sonhada vestimenta refrigerada? Pretende apresentar ao vereador que elegeu um projeto de lei que determina ponto facultativo quando a temperatura passar de 36ºC? Ah, não?

Então vai tomar banho!

E que seja frio, de preferência. Ou senão espera, que já já dá pra reclamar de novo do inverno…

Agregando valor

seg, 04/11/13
por Bruno Medina |


– Boa tarde, eu tô ligando por causa de um anúncio que eu vi…

– Sim, claro. Em que podemos te ajudar?

– No caso, eu queria entender melhor como funciona o serviço que vocês oferecem…

– Perfeitamente. Bom, a proposta da nossa empresa seria mais na linha de glamourizar vidas patéticas a partir do registro em imagens de situações forjadas, para dar a impressão de que essas vidas são, na verdade, menos patéticas.

– Legal. Mas como vou saber se a minha vida é realmente patética?

– Pela nossa experiência, quando a pessoa se interessa pelo anúncio, já serve como comprovação.

– É, faz sentido. Mas se eu fechasse com vocês, como funcionaria, na prática?

– Pra você entender melhor, posso te falar sobre um pacote que tem saído bastante, se chama “Rei do Camarote”.

– Rei do Camarote… gostei do nome!

– Nesse pacote, você seria levado pra balada de Ferrari alugada, como se o carro fosse seu mesmo. Dentro da boate cenográfica, nossa equipe faria parecer que você está bancando uma festa de arromba num camarote VIP, tudo pensado nos mínimos detalhes.

– E não soa falso? Quer dizer, será que todo mundo não vai perceber que é armado?

– De jeito nenhum! Pode ficar tranquilo, nossos fotógrafos são muito experientes em fazer tudo parecer bastante real.

– Sei. Mas apesar da encenação é como se fosse uma festa de verdade, né??

– Bom, aí depende do seu conceito de festa: você recebe duas garrafas de champanhe nacional com rótulo de importado, posa para fotos com uma celebridade de nível C – que teoricamente seria um convidado seu –, anda todo o tempo escoltado por dois sujeitos que se passarão por seus seguranças e interage durante 30 minutos com 4 atrizes gatinhas, que fingirão ser suas amigas íntimas. E o melhor: elas tiram fotos suas e postam nas contas pessoais de Instagram, para ajudar a viralizar.

– Tô entendendo.

– E então? Podemos fechar negócio?

– Pra falar a verdade, ainda não estou totalmente convencido…

– Jura? E o que é que está faltando pra gente fechar?

– Sendo muito sincero, apesar da minha vida não ser nada glamourosa, fico pensando aqui que tipo de babaca contrataria um serviço como esse. Me responde: gastar uma grana preta pra tirar essa onda toda faria minha vida melhor em que sentido?

– Entendo seu ponto. Bom, talvez você possa mudar de ideia se conhecer mais de perto nosso trabalho. Aliás, procura no YouTube um vídeo chamado “Rei do Camarote” e depois me diz quem no fundo não sonha em ser exatamente como o nosso personagem principal…



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade