Por um Triz

qui, 31/10/13
por Bruno Medina |

Aline e Daniel saíam já fazia algum tempo, e foi numa terça-feira à tarde, 3 dias após o último encontro que tiveram, que ela decidiu ser chegada a hora de investir na promissora relação. “A verdade é que não consigo parar de pensar em você um segundo”, dizia o SMS que, com dedos hesitantes, disparou para Danilo. Danilo era o professor de pilates de Aline que recebeu a mensagem por engano, visto que seu nome aparecia logo abaixo do de Daniel na lista de contatos do telefone da moça.

Por uma dessas enormes coincidências do destino, havia cerca de um mês, Danilo se deu conta de que nutria sentimentos pela aluna, muito embora a ética profissional e o casamento – ainda que em ruínas – o impedissem de revelar suas reais intenções. A mensagem de Aline foi recebida com entusiasmo e alguma surpresa, afinal nunca antes ela havia sinalizado retribuir seu interesse, apesar de, para ele, não restarem dúvidas quanto ao fato de que ali se materializava a oportunidade pela qual tanto esperou. Mesmo que as coisas não caminhassem com a Aline da maneira desejada, o fato de uma mulher como aquela se declarar para ele já lhe enchia o peito de esperanças quanto à futura vida afetiva, tanto que, logo após receber a inesperada mensagem, disparou uma outra para Cátia, sua esposa: “acho que hoje de noite precisamos ter aquela conversa”.

Cátia nem mesmo considerou perguntar ao marido ao que ele se referia antes de mandar um SMS para Sérgio, seu amante, contando em tom de culposa euforia o que estava prestes a acontecer: “ele me chamou pra conversar, acho que hoje termina tudo. Que dia embarcamos?”. A viagem em questão era um giro de 2 meses pela Europa, um sonho esculpido à quatro mãos durante as muitas tórridas tardes de amor que tiveram, e que permanecia reservado para quando Cátia finalmente estivesse desimpedida. A perspectiva de poder assumir em público seu até então proibido amor e o prenúncio de novos ares encorajou Sérgio a tomar uma decisão que há muito adiava, comunicada com tardia convicção através da mensagem que enviou a Gilberto, seu chefe: “Agora é oficial: entro com meu pedido de demissão até o fim do dia”.

As palavras de Sérgio explodiram como uma bomba na tela do telefone de Gilberto; sem mais poder contar com o braço direito, sua notória incompetência se tornaria ainda mais evidente, e era preciso ser realista quanto às chances de conquistar aquele bônus cheio no final do ano. Como agora havia incertezas quanto aos resultados do trimestre, o mais sensato a fazer seria postergar a compra da casa nova: “Houve um imprevisto e não vou mais poder fechar negócio por enquanto. Segura a papelada”, era o que dizia o SMS recebido por Anderson, o corretor de imóveis do Gilberto, que contava com a pomposa comissão a ser recebida pela venda da casa para se casar.

“Querida, aquela casa não vai sair agora. Vamos ter que pensar numa outra data…”, digitou, frustrado e apreensivo, para a noiva Luciana. Ler aquela mensagem, que de novo adiava os planos do casal, a fez chorar, sobretudo por antever a humilhação de pedir à costureira pela quarta vez para suspender a confecção do vestido. Decidida a romper o noivado que se estendia por indigestos 5 anos, Luciana procurou a avó, Ofélia, para desabafar.

Ofélia não possuía telefone celular e por isso não mandou SMS para ninguém, até porque nem sabia ao certo o que era isso. O conselho que deu para a neta? “Na vida, tudo está sempre por um triz”.

Viciado, quem?

qua, 23/10/13
por Bruno Medina |

Quando sua mãe se preocupa e diz que você está pegando pesado, você alega que é exagero, um comentário atribuível ao choque geracional. Quando seus amigos te alertam quanto ao fato de você estar se alienando em eventos sociais, você se defende dizendo que não há problema algum, que usa porque quer e que sabe muito bem a hora de parar. Quando você próprio percebe que a hiperconectividade atrapalha a sua dedicação a outras importantes atividades,você inventa uma desculpa, classifica como passageira a discreta obsessão, uma fase que logo vai passar. Pois o que há muito persistia como desconfiança agora é oficial: a internet está te deixando doente.

A partir de uma série de estudos realizados ao longo dos últimos anos, e da avaliação do comportamento de milhares de usuários, a comunidade médica identificou ao menos 8 distúrbios psicológicos associáveis ao uso excessivo da web, estes que são cada dia mais visíveis a medida em que nossas rotinas se tornam indissociáveis da internet. A seguir, uma breve descrição dessas desordens, segundo artigo recém publicado no TechHive:

Síndrome do Toque Fantasma – Sabe aquele embaraçoso momento em que se puxa o telefone do bolso pensando que ele tocou para, em seguida, perceber que nada aconteceu? Sabe quando a mesma coisa acontece de novo alguns minutos depois e você acessa o menu de ligações perdidas só para certificar-se de que realmente ninguém te ligou? De acordo com o Dr. Larry Rosen, autor do livro iDisorder, 70% daqueles que usam smartphones com muita frequência já experimentaram essa espécie de alucinação, associável ao fato de o nosso cérebro confundir qualquer tipo de estímulo (uma coceira, por exemplo) ao toque do telefone.

Efeito Google - Pesquisas evidenciaram que estamos gradualmente reduzindo nossa capacidade de reter informações, uma vez que atribuímos ao Google essa função. Afinal, para que dedicar parte do nosso intelecto ao registro de nomes, números e endereços se tudo isso pode ser encontrado a partir de um clique? Esse novo padrão de funcionamento cerebral não está sendo encarado necessariamente como negativo, mas sim como o marco de uma época, muito embora alguns considerem que estamos nos tornando mais preguiçosos e menos inteligentes.

Nomophobia (No Mobile-Phone Phobia) - Essa síndrome caracteriza-se por um surto de ansiedade despertado pela impossibilidade de utilizar um dispositivo móvel. Quando o telefone está prestes a ficar sem bateria ou nos encontramos numa área sem sinal, somos levados a pensar que talvez alguém tente nos contatar sem sucesso. “E se for uma ligação do meu chefe? E se for o convite para uma festa incrível?” Esse sentimento, que acarreta angústia e frustração, relaciona-se com outra desordem previamente identificada e conhecida como FOMO (Fear of Missing Out – que poderia ser traduzido como medo de estar perdendo algo). Em Newport Beach, Califórnia, já existe um centro de recuperação exclusivamente dedicado ao tratamento da Nomophobia.

Depressão de Facebook - Essa eu já havia descrito em outro post: em linhas gerais, a disfunção pode ser resumida como uma sensação de desolamento e baixa auto-estima decorrente da falsa impressão de que qualquer um de seus amigos virtuais é bem mais feliz do que você. Isso acontece porque dificilmente alguém resolve dividir com sua rede social os aspectos menos edificantes da própria vida, portanto, em tese, no Facebook todo mundo é alegre e bem sucedido. De acordo com um estudo realizado pela Universidade de Michigan, o grau de depressão detectado entre o público jovem já seria proporcional ao tempo que dedicam à ferramenta, o que por si só já qualificaria este como sendo um dos distúrbios psicológicos mais preocupantes do nosso tempo.

Náusea Digital (Cybersickness) - O termo foi cunhado em meados dos anos 90 e descreve a desorientação evidenciada em algumas pessoas quando em contato com ambientes virtuais que simulam interações e movimentos que não estão ocorrendo de fato no mundo real. A doença voltou ao foco das atenções há algumas semanas por ocasião do lançamento do iOS 7 (última atualização do sistema operacional para iPhone e iPad), que apresenta como uma das principais novidades um efeito de zoom radical nos ícones do menu que estão sendo acessados. Na web, é possível encontrar incontáveis relatos de náusea e vômitos associados ao uso destes dispositivos.

Hipocondria Digital - Vulgarmente conhecida como “Síndrome do Dr. Google”, essa disfunção caracteriza-se por uma tendência aguda de observar em si próprio manifestações de sintomas idênticos aos de doenças graves sobre as quais se leu algo a respeito online. A vasta gama de casos médicos que atualmente encontram-se descritos na internet apenas potencializaria um comportamento há muito conhecido, este que somatiza pontadas, coceiras, inchaços e vermelhidões em função do objetivo desejado, e que transforma uma simples dor de cabeça de final de tarde numa rara doença congênita e degenerativa.

Transtorno de Dependência da Internet - Esse transtorno é nada mais que a vontade desmedida de permanecer online, que se torna prejudicial ao interferir no desempenho de outras funções. A desordem estaria associada a outros diagnósticos, tais como o da depressão, do TOC, do Transtorno de Déficit de Atenção e da Ansiedade Social, e por isso há um debate na comunidade médica sobre o fato de esta ser uma doença própria ou derivada.

Vício em Jogos Online - Assim como é comum ao objeto de qualquer outro vício, jogos online também podem servir como fonte de dopamina e serotonina, ocasionando que a sensação de prazer associada a liberação desses neurotransmissores transforme o ato de jogar numa atividade nociva. Esse tipo de dependência ganhou proporções de epidemia na Ásia, sobretudo na Coreia do Sul, onde atualmente vigora uma lei que bloqueia entre 0h e 6h o acesso de menores de 16 anos a jogos online. Evidências mais contundentes desse padrão de comportamento intrigante são a morte de um tailandês em 2012, após supostamente ter passado mais de 40 horas consecutivas jogando Diablo III, ou do norte-americano que perdeu o parto do próprio filho por não conseguir resistir à tentação de retomar sua saga no World of Warcraft ao voltar em casa para buscar a mala que deveria ter sido levada ao hospital.

Bom, segundo a tabela classificatória que criei – e que não possui nenhum valor científico – você mesmo pode avaliar sua condição:

de 0 a 2 síndromes – você é um típico cidadão do século XXI, nada com que se preocupar.

de 2 a 4 síndromes – de vez em quando vale lembrar que existe toda uma vida acontecendo fora da tela dos seus dispositivos. Pegue o telefone, ligue para um amigo e vá tomar um sorvete ou andar de bicicleta. Sério.

de 4 a 6 síndromes – jogue todos os seus gadgets no lixo imediatamente e vá morar no alto de uma montanha sem sinal de celular ou de internet para salvar sua vida.

de 6 a 8 síndromes – Me passa o telefone de pelo menos um responsável (mãe, marido, melhor amigo) e lembre-se: se aparecerem uns caras de branco na sua casa pedindo pra você vestir uma jaqueta sem mangas e com fivelas de cinto, eles são seus amigos.

“É tarde, é tarde!”

qua, 16/10/13
por Bruno Medina |

Dentre os inúmeros vícios adquiridos pelo homem moderno em função do estilo de vida que acostumou-se a adotar, um dos mais nocivos, sem dúvida, é a obsessão por poupar tempo. Ainda que seja pelo simples prazer de ganhar 5 minutos – dos quais quase nunca necessitamos de fato – estamos constantemente disposto a nos submeter a qualquer risco, constrangimento ou lapso moral que justifique pisar fundo quando o sinal se torna amarelo, apertar o passo para ultrapassar a velhinha a caminho do caixa do supermercado ou mesmo bufar de ódio quando alguém à frente decide não continuar descendo os degraus da escada rolante no metrô. Ao alcançar êxito nesta incessante corrida contra os ponteiros do relógio, o protocolo seguido é sempre igual: celebrar por um instante nossa esvaziada conquista, para, já em seguida, definir um próximo alvo, uma atividade qualquer da qual seja possível subtrair alguns segundos em prol de uma vida mais… ágil (?).

Tendo em vista a lógica sugerida, no que tange ao ato de poupar tempo, a antecipação de voos poderia ser considerada uma espécie de cereja do bolo, visto que muitos são os que consideram a permanência em aeroportos e o próprio tempo despendido dentro de aviões como um enorme e inevitável desperdício, para não dizer uma tortura. Um vez que não podemos controlar tais procedimentos, nós, os apressadinhos, costumamos reverter o prejuízo de outras maneiras. Deixar de almoçar, pedir para adiantar a reunião (e permanecer calado para que termine logo), fingir que se atrasou e não conseguiu tomar o café combinado com o amigo de infância, são evidências de um plano meticulosamente arquitetado em prol de alcançar um único objetivo. Chegar antes. Após termos nos desvencilhado com maestria de todos os obstáculos que se impuseram ao longo do dia, no guichê da companhia aérea exibimos aquele olhar de filhote abandonado e disparamos: “Terminei meus compromissos 2 horas mais cedo do que o previsto. Será que dá pra embarcar nesse próximo?”.

A inabalável certeza de ter feito por merecer a tão almejada antecedência nos leva a ter o documento em riste, apontado para o nariz da atendente, antes mesmo de ouvir dela que, naquele dia, todos os voos estão lotados. E então se dá um daqueles belos porém dolorosos momentos da vida em que a possibilidade da recompensa se materializa em certeza do castigo; de súbito, as 2 horas que pensamos ter ganho se transformam em 2 horas a mais no aeroporto. Acredito que à essa altura do texto me sinto à vontade o suficiente para compartilhar a visão de que aeroportos se assemelham em muito à noção clássica de purgatório, afinal, tratam-se de áreas transitórias onde não há nada a fazer senão esperar, habitadas por indivíduos que vagam sem rumo a espera de cruzar um portão que os conduzirá a um lugar bem melhor.

Agora serão 120 minutos totalmente dedicados à reflexão sobre o almoço com calma ter sido trocado pela coxinha murcha vendida a peso de ouro, o silêncio na reunião por uma penca de e-mails para tratar dos assuntos que não foram abordados, o encontro com o amigo de infância pelo café solitário e de pé no balcão. A circunstância de enxergar-se em meio a engravatados estressados urrando ao telefone com os rostos mergulhados em seus laptops sugere uma óbvia constatação: ainda dá tempo de pensar numa boa estratégia para entrar primeiro no avião…

A voz da razão

qua, 09/10/13
por Bruno Medina |

Quem convive com crianças sabe o privilégio que é poder testemunhar de perto o surpreendente e encantador processo através do qual tentam constantemente decifrar o mundo que as cerca. A sinceridade e a inocência inerentes ao olhar de quem não se deixou ainda endurecer pelo passar dos anos consiste num valioso e quase sempre ignorado aprendizado para nós, adultos, que gostamos de pensar saber de quase tudo – quando, na verdade, sabemos a cada dia menos.

Em tempos nebulosos como estes em que vivemos, quando a incidência dos acontecimentos parece sugerir uma lógica absolutamente imprevisível, nada mais natural do que recorrer à clareza e à sensibilidade das crianças, a fim de que nos ajudem a responder a uma pergunta bastante objetiva: afinal de contas, o que está de fato acontecendo?

E foi isso mesmo que eu fiz; na semana do dia em que são homenageadas, resolvi submeter a um pequeno grupo de crianças com idades entre 3 e 6 anos imagens emblemáticas que colhi do noticiário recente. Abaixo de cada foto, os comentários dos miniespecialistas:

“A moça magrinha é amiga do homem do olho azul. Eles estão felizes porque venceram…”
“Venceram quem?”
“Os monstros com olho de fogo, ué?”

(Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)

 

“Eu conheço ela, é a dona do Brasil!”
“Dona não, diretora…”
“Esse moço é namorado dela, mas ela não quer namorar com ele.”

(Foto: Kevin Lamarque/Reuters)

 

“Ele é o mágico da festa, só que sem varinha, sem chapéu e de gravata rosa. Ele tá rindo porque fez o coelho desaparecer…”

(Foto: Reuters)

 

“Eu sei, eu sei, o homem de laranja é o lixeiro! Ele tá triste olhando pra bagunça porque ele não quer arrumar tudo sozinho.”
“Tem que chamar a mãe de quem fez essa bagunça!”

(Foto: Fernando Quevedo/Agência O Globo)

 

“Ele tá muito, muito bravo.”
“Ele é amigo do Batman, porque também tem capa preta.”

(Foto: Ailton de Freitas/Agência O Globo)

Ou seja, em caso de dúvida, prefira sempre consultar quem realmente entende das coisas…

e Feliz dia das crianças!



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