O Sentido da Vida

qua, 28/08/13
por Bruno Medina |

Além de ser uma onomatopeia gigante, “Boom - uau – Uau – UAU - BOOM - Ahhh….”, é uma teoria que, se devidamente assimilada, pode mudar para sempre a percepção que você, leitor, tem de sua própria vida. A bem da verdade, cabe esclarecer ainda nas primeiras linhas deste post que a audaciosa suposição nada tem de mística ou religiosa, visto que a tal teoria trata-se apenas de uma engenhosa tentativa de transmitir para o universo das palavras a espinha dorsal de um dos arcos dramáticos mais populares da história da arte e, não por coincidência, serve como explicação do que estaria por trás dos acontecimentos que provavelmente serão os mais memoráveis na existência de qualquer pessoa. Assim sendo, no roteiro de uma peça de teatro, no almoço de domingo, na trajetória profissional ou na viagem de férias com a família, podem ter certeza, quaisquer que sejam as circunstâncias, se elas tiverem alguma vocação para se tornarem experiências minimamente significativas no curso habitual de nossas famigeradas rotinas, lá estará presente o “Boom - uau – Uau – UAU - BOOM - Ahhh….”, de maneira mais ou menos evidente. Para simplificar, na prática, cada uma das referidas expressões representa uma certa emoção, numa determinada intensidade, que, quando encadeadas, supostamente capturariam o ápice do interesse e do envolvimento humano. Muito complicado ainda? Talvez o melhor seria ilustrar essa conversa a partir de um exemplo bastante familiar: um clássico filme de James Bond.

1o Boom - Podem notar, qualquer filme do James Bond sempre se inicia com uma cena de perseguição, por vezes, a continuação do episódio anterior da série. A função desta sequência é despertar a atenção do espectador e, ao mesmo tempo, comunicar que vale a pena continuar sentado na poltrona, porque o melhor ainda está por vir. É a primeira centelha do roteiro, ou melhor, o primeiro “Boom” do filme. Eis que, após enfrentar o perigo, o Agente 007 retoma sua doce rotina em Londres e visita o laboratório em que estão sendo criados todos os gadgets incríveis (sapato revólver, relógio para escalar paredes etc.) que ele utilizará contra seus algozes na próxima hora e meia.

1o uau – A trivialidade do cotidiano na capital britânica é subitamente interrompida por uma nova missão que o colocará de novo em ação, desta vez, desatando os nós do enredo que conduzirá este filme em particular. Antes que se dê conta, Bond estará envolvido numa cena de perseguição frenética pelas ruas de Paris, nada de tão imprevisível, mas algo que possa fazer com que o espectador pare de mastigar sua pipoca por um instante, olhe para pessoa ao lado e diga: “uau”.

2o Uau – Acontece que um só “uau” não faz verão, afinal, acaba de começar a sequência que fará valer o preço do ingresso, e que justificará a existência de mais um filme da saga. Agora o “Uau” precisa ser um pouco mais alto, a ponto do sujeito da fileira de trás do cinema também ouvir. E se Bond fosse caçado por 10 agentes da KGB correndo por sobre os vagões de um trem que cruza em alta velocidade a ferrovia Transiberiana?

3o UAU – Para não quebrar o ritmo eletrizante estabelecido e potencialmente despertar um “UAU” coletivo da plateia, a receita é envolver o 007 numa ameaça ainda mais tenebrosa, num lugar ainda mais exótico e desconhecido, algo como uma perseguição de lanchas em meio a plantações de arroz em chamas no sudeste asiático, tendo seu vudu perfurado por um feiticeiro local, contratado pelo ditador do país em questão.

2o BOOM - Ok, se o filme fosse uma montanha russa, estaríamos agora naquele ponto mais alto, antes da grande descida que faz o estômago vir à boca. É chegado, no roteiro, o momento que foi idealizado para pautar os críticos, aquele que, espera-se, os espectadores desejarão dividir com seus amigos, a cena que consumiu metade do orçamento do estúdio naquele ano: Bond arranca de dentro da mandíbula de um jacaré a perna decepada de um soldado inimigo e a utiliza para travar as hélices do motor de sua lancha, que, ao explodir, produz uma bola de fogo tão intensa que acaba incendiando também o helicóptero do ditador que encomendou sua morte, e que acompanhava a caçada pelos céus.

Ahhhh…. – Mas e agora, o que mais poderia ser pensado para superar tanta adrenalina? Será que é assim que o filme termina, com todo mundo pensando que James Bond é um semideus dotado de inigualável perspicácia e que, portanto, sua história é completamente inverossímil e desconectada da realidade de quem a assiste? Claro que não. No instante em que o agente inglês veleja pela costa da Grécia celebrando a incrível vitória conquistada, percebe que sua namorada húngara é, na verdade, uma agente dupla, e que ele próprio está sendo vítima de uma emboscada: o champanhe está envenenado!! “Ahhh…, ele também faz suas burrices, é como qualquer um de nós”, pensa, aliviado, o espectador. Pelo visto o mal ainda permanecerá impune, ao menos até o próximo filme.

Bem, se o exemplo citado não foi didático o suficiente, basta dizer que evidências do “Boom - uau – Uau – UAU - BOOM - Ahhh….” podem ser encontradas até mesmo na maneira como é pensada a experiência dos frequentadores do Magic Kingdom, principal parque temático da Disney. No caso, o problema identificado foi que cada visitante faz sua própria jornada pelas atrações e são grandes as chances do sujeito deixar para o fim do dia um daqueles brinquedos meio caídos em que nunca se formam filas, o que poderia contribuir para uma percepção negativa do todo. E o que foi que os marqueteiros da Disney fizeram quanto a isso? Criaram a Electrical Parade (desfile de carros alegóricos hiperiluminados que ocorre na Main Street e faz parar simultaneamente todas as atrações do parque) e a queima de fogos, só para se certificarem de que todo mundo iria para casa depois de um legítimo “BOOM” seguido de um “Ahhh…”. Mais exemplos? Que tal os principais rituais da igreja católica? Nascimento, batismo, primeira-comunhão, crisma, casamento, extrema-unção: “Boom - uau – Uau – UAU - BOOM - Ahhh….”. E quanto a jornada tradicional dos relacionamentos? Paquera, primeiro beijo, namoro, noivado, casamento, sexo, se bem que a ordem destas etapas em específico costuma variar.

Acho que agora pelo menos deve ter ficado um pouco mais fácil de entender porque não se pode comer a sobremesa antes do prato principal, assistir “O Retorno de Jedi” antes de “O Império Contra-Ataca”, aprender a andar de skate antes da bicicleta, conhecer Paris antes de Buenos Aires, Beatles antes de Rolling Stones…

Feitos um para o outro

qua, 21/08/13
por Bruno Medina |

Na esteira do post anterior – quando abordei a crescente tendência de empobrecimento das relações humanas a partir do pragmatismo observado nas redes sociais, mas, sobretudo, a solidão inerente à hegemonia deste ambiente em que não parece haver espaço para o lado menos glorioso da vida – por coincidência, me deparei com um artigo do New York Times que conduz este debate para um lugar ainda mais insólito, se é que isso é possível. De acordo com a matéria, não demora muito, estaremos dividindo nossos anseios e mazelas com amigos virtuais que não são feitos de carne e osso; a bem da verdade, desde os primórdios da internet, programas controlados por robôs, ou bots, vem tentando, sem muito alarde, emular atitudes que deveriam ser realizadas por humanos. Hoje já cabe a eles, por exemplo, saudar entrantes em chats de muitas plataformas, e expulsá-los quando seu comportamento torna-se inadequado. Claro que nem é preciso mencionar os spambots, estes que nos brindam diariamente com e-mails que ofertam métodos para aumentar o tamanho do pênis ou enriquecer trabalhando no computador, sem sair de casa. Até aí, nenhuma novidade.

A nova fronteira, esta que potencialmente surpreenderá até os mais escaldados usuários da rede, é o surgimento dos que vem sendo denominado com Socialbots. Equipados com poderosos banco de dados de eventos e atualidades, estes legítimos charlatões da era moderna estariam habilitados a combinar informações que tornam relevantes seus comentários para extratos específicos de audiência. Mas isso não é tudo. Os Socialbots atuam dentro de uma escala que sugere ciclos de sono alternados com períodos de atividade, o que não só os torna mais verossímeis como também menos sujeitos a repetir padrões de comportamento passíveis de denunciá-los como o que de fato são: meros programas de computador. Aos que porventura suspeitarem, por exemplo, de estar seguindo um fake no Twitter, estão à disposição perfis muito bem construídos no Facebook, Reddit ou Foursquare, propiciando, como consequência, respeitáveis credenciais, legitimadas por mais e mais seguidores. Talvez o mais assustador dessa história toda seja o parecer dos pesquisadores, que enxergam na sofisticação do movimento não apenas a ambição de iludir ou entreter os mais incautos, mas sim influenciar resultados de eleições, promover oscilações no mercado financeiro e até mesmo estabelecer laços afetivos com seres humanos.

No que tange a este aspecto particular, tem lançamento previsto para novembro deste ano “Her”, novo filme de Spike Jonze estrelado por Joaquin Phoenix, cuja narrativa está centrada na figura de Theodore, um homem introspectivo e desaventurado no amor que acaba por se apaixonar por um dispositivo de inteligência artificial moldado a partir de seus gostos peculiares e personificado pela voz de Scarlet Johannson, o que, por si só, torna a ferramenta ainda mais nociva. Ficção improvável ou prenúncio dos tempos? Certo mesmo é que, por enquanto, sites de relacionamento ainda permanecem como o eldorado dos Socialbots: Christian Rudder, co-fundador do OkCupid, relata ter amargado uma queda de mais de 15% nas visitações de usuários reais após ter desenvolvido mecanismos para restringir flertes e ‘likes’ disparados por robôs aos seus clientes. Por mais incrível que pareça, aparentemente uma parcela destes não se importava em ser cortejado por um programa de computador… ainda segundo Rudder, a estratégia a ser adotada é desenvolver bots orientados a flertar com bots invasores, neutralizando sua ação conquistadora em salas privativas de conversa, evitando, assim, que sigam enganando humanos carentes.

“Os bots estão ficando mais espertos e fáceis de criar, portanto as pessoas estão mais suscetíveis a serem enganadas por eles, uma vez que estão cada vez mais assoberbadas por tanta informação”, argumenta Filippo Menczer, professor responsável por um programa da Universidade de Indiana que rastreia bots e tenta correlacionar sua participação na criação de Twitter Trends. Um surpreendente achado que derivou de trabalhos análogos ao que é realizado por Menczer foi identificado aqui mesmo no Brasil, por cientistas da Universidade Federal de Ouro Preto; coube a eles desmascarar Carina dos Santos, uma jornalista apinhada de seguidores no Twitter que provou-se não ser uma pessoa real. Tendo como base a circulação de seus tweets na rede, o Twitalyzer (conhecido site utilizado para rankear influência de perfis) a posicionou, vejam só, a frente da Oprah Winfrey.

A despeito do que pode dar a impressão de ser uma brincadeira sem maiores consequências, o que dizer do episódio ocorrido ano passado no México, quando oficiais a serviço do Partido Revolucionário foram acusados de usar bots para sabotar seus detratores no Twitter? O truque era se apropriar das principais hashtags utilizadas pelos opositores e replicá-las infinitamente, visando acionar filtros anti-spam que bloqueavam as mensagens e, consequentemente, a crítica pretendida por eles. Agora, imagina se a moda pega? Infelizmente, a realidade sugerida por um mundo em que indivíduos estariam à mercê da manipulação de robôs pode estar menos distante do que se imagina. No ano passado, quando o número de usuários no Twitter bateu a casa dos 500 milhões, pesquisas realizadas estimaram que apenas 35% deste montante era formado por pessoas reais. Fato é que mais da metade do tráfego gerado na internet hoje está a cargo de fontes não-humanas, tais como robôs e algoritmos. Em 2 anos apenas, de acordo com alguns levantamentos, 10% da atividade registrada em redes sociais será proveniente dos bots, e isso nos trás de volta ao filme idealizado por Spike Jonze: num mundo em que as relações entre humanos tornaram-se irremediavelmente superficiais, estaria a verdadeira cumplicidade relegada à máquinas programadas para nos compreender e amar na exata medida que demandamos?

Sim, agora já podem entrar em pânico.

A Inovação da Solidão

qua, 14/08/13
por Bruno Medina |

O sugestivo título que dá nome a este post é homônimo ao de um vídeo bem interessante que caiu na rede esta semana, que dedica-se a investigar um fenômeno relativamente recente que tem intrigado não só a mim, como a muita gente: a percepção de que, quanto mais a tecnologia se empenha em conectar pessoas e eliminar em definitivo qualquer possível manifestação de solidão, mais solitários nos tornamos de fato. É certo que a paradoxal afirmação não chega a ser nenhuma novidade, afinal, basta concluir que nós mesmos somos as cobaias voluntárias desta onipresente virtualização das relações em todas as suas conhecidas instâncias, um experimento que, dada sua dimensão, frequência em que ocorre e capacidade de transformar o modo com que vivemos, inspira, no mínimo, atenção. Mas voltando ao já citado vídeo, a proposta é expor de maneira ultra-didática a nem sempre tão óbvia solidão que assola usuários frequentes de redes sociais, ironicamente, quando muitos acreditam que a ferramenta os ajudaria a caminhar justo no sentido oposto.

De acordo com estudos sociológicos realizados, isto ocorre porque seres humanos não conseguem relacionar-se com mais do que 150 pessoas ao mesmo tempo (considerando que, por definição, uma relação entre dois indivíduos envolve um nível mínimo de conhecimento e intimidade). Por sermos criaturas instintivamente sociais, inseridas num contexto análogo à experiência em sociedade proporcionada pelas comunidades virtuais – onde a obsessiva busca por pertencimento parece não encontrar limites –, muitas vezes acabamos caindo na tentação de recorrer a valores pouco nobres, tais como autocentrismo e consumismo, para acelerar, ou mesmo sintetizar, o processo de constituição da imagem que ostentamos perante os outros neste ambiente. E eis que, de uma hora para outra, o mundo no qual ‘tempo é dinheiro’ descobre uma tecnologia que assegura a qualquer um a possibilidade de administrar a própria vida sentimental de maneira mais rápida e eficiente; ao relativizar conceitos indispensáveis à criação e à manutenção de vínculos emocionais, passamos a colecionar amigos como se fossem figurinhas de um álbum, a priorizar quantidade em função de qualidade nas relações e, pior, a relegar o conceito de amizade à troca de fotos, publicações genéricas sobre temas aleatórios e bate-papos sem profundidade. Dessa forma, a conversação cede lugar à proximidade superficial, originando a estranha e a cada dia mais comum condição de sentir-se só mesmo estando em meio a tantos amigos.

Mas qual seria a dificuldade em se estabelecer uma conversa de verdade? Bem, conversas de verdade acontecem em tempo real, de modo que não é possível controlar com precisão o que será dito ou compreendido. SMS, e-mails e postagens, por sua vez, permitem que nos apresentemos da exata maneira com que desejamos ser vistos, ou seja, realizar uma minuciosa edição em que só consta o melhor de nós mesmos, o que pode muito bem implicar em horas dedicadas à construção de perfis, à escolha das palavras mais adequadas para a próxima postagem ou das fotos que mais nos beneficiam. Assim sendo, as redes sociais não estariam apenas transformando o que fazemos, e sim quem somos, visto que nos levam a acreditar em 3 falsas premissas: a primeira, que estamos atentos a tudo de relevante que ocorre a nossa volta, a segunda, que sempre seremos ouvidos e, a terceira, que nunca mais precisaremos estar sós. Talvez a maneira mais apropriada de descrever os riscos implícitos nesta última seria reconhecer o surgimento de um novo modo de pensar, um em que aproximam-se os sentidos de ‘compartilhar’ e ‘ser’, materializado na suspeita de que navegamos num oceano de publicações de experiências em parte ficcionais, cujo único propósito é conceder a seus autores a sensação de que estão vivendo intensamente. Mais do que apenas isso, o código de conduta vigente nas redes sociais parece determinar com clareza não haver espaço para a exposição de angústias e mazelas reais, a menos, claro, que carreguem em si uma dose considerável de ironia, e a consequência direta disso pode ser um distanciamento da própria essência.

Estaríamos então condenados a viver alienados, numa espécie de Ilha da Fantasia, cercada por porções incomensuráveis da boa e velha solidão? Não necessariamente. Uma das passagens mais marcantes de Alone Together, livro escrito por Sherry Turkle e que serviu como referência para a criação do vídeo, corresponde à narrativa de uma cena trivial, ainda que muito reveladora destes tempos: ao passar meses a fio observando o momento de reencontro entre pais e filhos na saída de escolas, Sherry notou a recorrente frustração das crianças ao constatar que seus pais e mães tinham toda a atenção voltada não para a porta por onde sairiam, mas sim para seus próprios smartphones. Ainda segundo a autora, esta geração enxerga a tecnologia como um competidor em potencial e, por isso, certamente não a utilizará da mesma maneira com que o fazemos agora. Resta, portanto, a esperança de que as crianças de hoje saibam ensinar amanhã a seus filhos como serem sozinhos, para que nunca se sintam verdadeiramente solitários…

Planeta Pai

qua, 07/08/13
por Bruno Medina |

Assim como eu, ao que tudo indica, meu filho Vicente também será um perna de pau. A constatação – que a muitos deve parecer um tanto óbvia – só tornou-se realmente possível a partir do próprio interesse dele pelo esporte bretão, influenciado por alguns colegas que no início deste ano se matricularam numa escolinha de futebol. Num primeiro momento a iniciativa me deixou bastante entusiasmado, afinal aí estava uma grande oportunidade de lavar a honra da família, manchada por passagens nada edificantes dentro das quatro linhas, estas que permearam toda a minha infância. No mais, o afã esportivo do irmão mais velho acabou contagiando também a Bethânia, que pediu para entrar no Ballet. Filho boleiro, filha bailarina, que pai não se orgulharia disso? Pelo roteiro oficial, só me faltaria comprar uma caminhonete com bastante espaço no bagageiro, ganhar uns dez quilos de pança e passar o resto dos meus dias assistindo TV de chinelão, escorado no sofá por uma daquelas almofadas gigantes em formato de coração.

Ainda nas primeiras aulas, no entanto, ficou bastante evidente que a missão de transformar aquele pequenino ser, magrinho e meio distraído, num jogador apenas razoável seria comparável, se não a todos os doze juntos, ao menos a um dos trabalhos de Hércules. Um forte indício disto poderia residir no fato de que, à exceção do Vicente, todos os demais integrantes da turma eram daquele tipo de garoto que, antes mesmo de perder os primeiros dentes, já sabem recitar de cor a escalação do Galatasaray e que, independente da ocasião, vestem camisas oficiais de grandes times europeus. Na arquibancada chegava a ser engraçado observar o engajamento dos pais, a partir de comentários do tipo “vai na bola, fecha a marcação!” ou “essa zaga é uma peneira!”, sobretudo se pensarmos que a imensa maioria dos jogadores, não faz muito tempo, provavelmente ainda molhavam suas camas à noite. Enquanto a disputa acirrava-se entre os filhos dos outros, não raro o meu preferia fazer air guitar enquanto, entediado, esperava a bola chegar de volta ao seu gol, o que, além de muito divertido, sempre me pareceu uma atitude justificável.

O abismo entre o que aquela experiência significava para mim e meu filho comparada aos coleguinhas e seus respectivos pais irrompeu de forma abrupta, como não poderia deixar de ser. E eis que um dia, após deixar passar uma bola defensável, Vicente toma uma voadora nas costas de um companheiro de time, supostamente cansado de lidar com sua incontestável inabilidade. Neste dia, meus amigos, confesso que morri um pouco; talvez por essa ter sido para ele a primeira manifestação de como viver é um troço complicado, e, para mim, da certeza de que nem todo o amor do mundo será capaz de poupá-lo das inevitáveis dores do crescimento. No instante em que a vida lhe apresentou sem rodeios suas credenciais, meu impulso foi pegá-lo no colo e, flutuando, chegar a um planeta distante, algo parecido com o Asteróide B612, onde a Rosa e o Pequeno Príncipe certamente nunca proporiam uma partida de futebol como maneira de atenuar a monotonia espacial.

A despeito de minha aterradora sensação de impotência, Vicente levantou-se do chão e, sem esboçar qualquer reação, seguiu no jogo. Chegando em casa, não tocou mais no assunto, nem eu, e foi assim que lidamos com isso. Para vocês que ainda não têm filhos, são em horas como estas que toda a convicção forjada ao longo dos anos como pais e mães cai por terra. Frente a enorme responsabilidade de legendar uma contundente mensagem trazida pelo destino, que lição deveria ser tirada do incidente? Uma pista de como proceder veio através de uma lembrança muito distante, mais especificamente, de quando eu tinha uns 8 anos e fui soltar pipa com o meu pai no Aterro do Flamengo. Apesar de todo o empenho dele em me passar instruções, naquela tarde de domingo, foram várias as que perdi para a malandragem e o cerol dos oponentes. E a cada pipa que me cortavam, meu pai fazia a única coisa que eu poderia esperar dele: não se abatia, nem reclamava, apenas comprava outra. Lá pela quinta ou sexta eu mesmo cheguei a conclusão de que aquilo não estava dando certo e decidi parar. O mesmo aconteceu com o Vicente, que algumas semanas depois do episódio me pediu para trocar o futebol pelo judô.

As duas histórias me fazem concluir que o maior legado que se pode transmitir a um filho é a certeza de que qualquer sonho vale a pena contanto que acreditemos neles, e que cabe a nós, pais, assegurar que estes sejam tão doces e duradouros quanto puderem ser.

Feliz dia dos pais!

p.s: caso você também tenha vivido uma destas situações em que teve orgulho de ser filho (a) do seu pai, conta pra gente:



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