Vivendo e Aprendendo a Jogar
Um assunto que tem despertado muito minha atenção ultimamente – e sobre o qual tenho lido artigos bastante interessantes – é a Gamificação. No entanto, apesar deste ser um dos temas mais celebrados do momento, trata-se, também, de um dos menos compreendidos, nas palavras de um amigo, “mais mal interpretado do que livro do Machado de Assis”; é errado, por exemplo, dizer que a Gamificação consiste na ciência de criar jogos, mas sim no método através do qual se aplicam mecanismos de jogos à resolução de problemas ou impasses em outros contextos. Com frequência cada vez maior, estas técnicas têm sido utilizadas como ferramentas alternativas às abordagens tradicionais, sobretudo no que se refere a encorajar pessoas a adotarem determinados comportamentos, a familiarizarem-se com novas tecnologias, a agilizar processos de aprendizado ou tornar mais agradáveis tarefas consideradas tediosas ou demasiadamente repetitivas.
O desenvolvimento dessa verdadeira ciência provém de uma constatação um tanto óbvia: seres humanos se sentem atraídos por jogos. Basta dizer que, ao longo dos séculos, praticamente todos os povos conhecidos estiveram associados a algum tipo de competição de suma importância para a estruturação social da comunidade a qual pertenciam. Muito embora seja um velho conhecido de nossa civilização, o termo “gamificação” só ganhou notoriedade mesmo em 2010, mais precisamente, a partir de uma apresentação realizada no TED por Jane McGonigal, famosa designer norte-americana, autora do livro Reality is Broken – why games make us better and how they can change the world. O argumento que intrigou muita gente boa foi a percepção de que, se fossem somadas todas as horas jogadas apenas pelos frequentadores do World Warcraft (tradicional game online que está em curso há 11 anos ininterruptos) teriam sido gastos 5.93 bilhões de anos na resolução de problemas de um mundo virtual. Agora imaginem, caros leitores, se o mesmo empenho fosse dedicado à resolução de problemas do mundo real, tais como a erradicação da pobreza extrema, a questão da mobilidade nas grandes cidades ou a descoberta da cura para uma importante doença?
Já durante uma pesquisa conduzida pela MTV norte-americana junto ao público da Geração Y, 50% dos entrevistados afirmaram que aspectos dos jogos se aplicam a diversos campos de suas vidas cotidianas, sendo que esse grupo de pessoas representa hoje 25% da população economicamente ativa mundial. Em termos práticos, isso significa dizer que ¼ dos indivíduos que geram a riqueza do planeta cresceram jogando Mario Bros ou algum de seus descendentes. Assim sendo, torna-se natural que a cada dia mais empresas se interessem por compreender como os jogos podem ser empregados na transposição de desafios profissionais, sobretudo devido ao fato de que uma significativa parcela de seus funcionários possui enorme familiaridade com esta linguagem. Tendo em vista que a cada dia as corporações possuem em seus quadros mais e mais representantes desta geração, parece claro que, cedo ou tarde, haverá a necessidade de adequar – ou ao menos considerar – a gamificação na concepção de processos de trabalho. Nem precisa dizer que esta é uma ideia pra lá de paradoxal, uma vez que a fronteira entre trabalho e diversão sempre esteve muito bem delineada. Dentre os aprendizados que os jogos podem emprestar as empresas destacam-se:
Feedback Instantâneo
Nos jogos, toda ação desempenhada recebe feedback. Ao pegar uma maçã, o jogador aumenta sua barra de saúde; ao coletar 100 moedas, ganha uma vida extra, etc. Feedbacks positivos reforçam bons comportamentos, ao passo que os negativos permitem ajustes comportamentais mais eficientes. Nas empresas, o feedback instantâneo poderia auxiliar a reduzir o pânico das temidas avaliações anuais, acelerando o processo de crescimento profissional e de aprendizado.
Metas Tangíveis
Em qualquer jogo sempre há um objetivo principal, como salvar a princesa, e outros secundários, como passar para a próxima fase ou coletar itens escondidos. Nas empresas, a definição de metas tangíveis criaria uma sensação de constante progresso, diminuindo a percepção de dificuldade em tarefas que se estendam por muito tempo. Ao invés de considerar um projeto com 6 meses de duração, cujos benefícios só seriam percebidos muito a frente, por que não desmembrá-lo em 3 objetivos menores, a cada 2 meses?
Aprender Fazendo
Uma diferença crucial entre os jogos e a vida real é que os primeiros nos ensinam o caminho das pedras, não através de um manual, mas sim a partir da prática. Como exemplo, pode-se citar o Farmville. Trata-se de um jogo considerado simples, inclusive popular entre as crianças, mas, ainda assim, existem os diversos tipos de plantanção possíveis, os animais de estimação, o dinheirinho, os presentes que podem ser oferecidos aos amigos. Talvez, se fossem atirados nesse contexto com uma pá na mão sem receber qualquer explicação, muitos jogadores sentiriam-se desestimulados devido a dificuldade inicial em compreender o funcionamento e o sentido de cada elemento. O sucesso do jogo está relacionado ao fato de que seus criadores se preocuparam em ensinar, fase após fase, aos potenciais jogadores terem maestria sobre aquele universo, possibilitando que dessa forma tirassem o melhor dele. Sejamos sinceros, quem hoje em dia tem paciência para ler um manual até o fim? As pessoas podem passar horas jogando, mas não dedicam 20 minutos sequer de sua atenção a algo que soe como um treinamento.
Em suma, não é difícil perceber que a Gamificação ainda vai dar muito o que falar. As experiências de sucesso decorrentes da utilização do método para resolver problemas de natureza diversas só reforçam a impressão de que participar de jogos e competições é uma atividade intrínseca ao comportamento humano, inserida de maneira mais ou menos evidente em nosso cotidiano. Ao que tudo indica, nós jogamos não porque desejamos, mas sim porque precisamos.