E Agora?

seg, 24/06/13
por Bruno Medina |

As manifestações ocorridas na quinta-feira passada em mais de 100 cidades brasileiras sinalizam com muita clareza o encerramento de um primeiro ciclo deste movimento que, apesar de ainda não ter sido batizado, já figura entre as mais importantes mobilizações da história nacional. Caso se encerrassem por aqui, os protestos dos últimos quinze dias poderiam ser descritos aos nossos descendentes como fragmentos do despertar de uma novíssima consciência política, não-polarizada, apartidária e irrestrita.

Mais do que isso apenas, este período será para sempre lembrado como aquele em que se deu a retomada da cidadania em seu sentido mais amplo, a partir da ocupação das ruas, em contraste à resignação ou mesmo à crescente virtualização dos debates sobre temas essenciais. Nem é preciso mencionar que raras foram as vezes neste país em que o clamor popular conseguiu efetivamente se fazer ouvir a ponto de pautar a administração pública, quiçá propor voltar atrás um reajuste de tarifa implementado. Aos que participaram desta enorme conquista, uma certeza: o recado transmitido por vocês foi compreendido.

Difícil, no entanto, prever o que irá acontecer daqui por diante, mas, ao que tudo indica, é bem provável que as inúmeras reivindicações, por vezes tão distintas, que até agora estiveram abrigadas num mesmo guarda-chuva, encontrem canais mais adequados para seguir adiante, a medida em que, também, se traduzam em iniciativas mais palpáveis. Curioso notar como esta disparidade inicial de vozes – capaz de agrupar camisas do Che e bolsas de grife numa mesma marcha – que tanto muniu de argumentos os que queriam reconhecer falta de legitimidade no que estava sendo solicitado, sob determinado viés, pode significar uma maturidade democrática que não imaginávamos ter. Como disse Felipe Abrahão, um amigo das antigas, “Na rua, não tem mediação. Não existe ‘block’ social, não dá pra unsubscribe o vizinho, e delete, dá cadeia”.

A consequência desta pluralidade, que veio à tona como reflexo do modo com que as gerações mais jovens hoje enxergam o mundo, sentenciou a necessidade de reformulação do antigo modelo de representação instituído, este que é baseado em partidos políticos, não restando a ele outra alternativa senão adaptar-se ao novo contexto, sob o risco de irremediavelmente se alienar dos anseios de considerável parcela da população. Dados publicados na matéria de capa do jornal O GLOBO de ontem atestam que em 1993, ano do impeachment de Collor, os eleitores de 16 a 18 anos, cujo voto é facultativo, somavam 3.6% do total. Atualmente, apenas 1.5%. Se os números por si só não são suficientes para comprovar a tendência aguda de descrença em tais instituições, basta observar a acolhida que tiveram por parte dos demais presentes aqueles que, durante as manifestações, tentaram empunhar bandeiras partidárias.

A ascensão desta até então improvável maneira de pensar e de fazer política materializou-se como uma centelha de esperança para tantos que há muito estavam desacreditados da possibilidade de haver estreitamento de vínculos entre cidadãos e seus representantes; ainda que a aproximação não se dê por desejo destes últimos em honrar o pacto firmado entre as partes, mas sim pela percepção de que seus atos estão sendo monitorados constantemente, e de que existem consequências concretas quando pisam na bola. Aposto que muitos integrantes da classe têm perdido o sono ultimamente ao constatar que, ao menos desta vez, o barulho foi alto demais para que, como de costume, as queixas possam ser varridas pra debaixo do tapete sem que ninguém perceba.

A veemência dos protestos não deixa dúvidas de que existe uma onda generalizada de insatisfação, como bem resumiu Diego Viana em seu blog, “a frustração de quem está subindo e não consegue fazer valer sua ascensão. A frustração de quem está perdendo privilégios e não consegue, e não quer, se adaptar. A frustração de quem quer ocupar um lugar na sociedade (negros, gays, mulheres, periferias) mas vê os caminhos bloqueados até mesmo por quem foi designado”.

O segundo ciclo se iniciará tão logo tivermos aprendido a traduzir estas frustrações em proposições práticas, passíveis de contornar obstáculos e desvios típicos dos caminhos que circundam as esferas do poder público. Afinal, existe forma mais eficiente de transformar um sistema do que a partir de dentro dele? Então, mãos à obra!

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13 comentários sobre “E Agora?”

  1. Julianna disse:

    Corruptos e corruptores são descartáveis, como as fraldas. ( Georges Najjar Jr )

  2. José Geraldo Azevedo disse:

    É por aí mesmo…lembrar que é preciso se apropriar da democracia para exercê-la, mas não apostando na falência da política. A maioria nas ruas não sabe, mas faz política ao ir a ela. Essa descrença nos partidos políticos acaba por ter justamente o efeito pretendido por uma minoria que pretende fazer dos partidos algo em benefício próprio. É preciso que os jovens, diante dessa necessidade de se fazer ouvir, participem efetivamente do debate. Ser politizado significa sim tomar partido, e ainda respeitar as diferenças daqueles que pensam diferente. Vamos eleger alguém como sem os partidos, pelo Facebook?! Quem receber mais cutucadas será eleito?! Despresar os partidos políticos é um erro, na minha humilde opinião. Palavras de quem não é filiado, mas possui sim suas preferências partidárias. Rasgar bandeiras de partidos nas ruas é a simples demonstração de ignorância, mesmo que o objetivo de alguns naquele momento seja oportunista. Precisamos repensar a política, mas nunca nos afastarmos dela, como tem acontecido, sob pena de chegarmos a esse grau de insatisfação sem um norte a trilhar.
    Abs.

  3. Kamau Hussani disse:

    Acabei de ler o artigo de destaque no G1 apresentando os 5 pactos elaborados na reunião da presidente com governadores e prefeitos. Não posso dizer que me sinto totalmente satisfeito com o que li, mas acredito que seja uma vitória frente a possibilidade de terminarmos as primeiras semanas de potestos sem algum tipo de resolução. Agora, como o Bruno disse em seu texto, temos que nos mexer para colocar em prática aquilo que exigimos em tantos cartazes nos últimos dias.

  4. Wlander disse:

    As manifestações são muito encantadoras e nos mostram que o Brasileiro não é pacífico (como poderíamos supor). Acredito que quem está puxando as manifestações são grupos que tem propostas de solução radicais (transporte gratuito ou com custo muito subsidiado, aumento significativo para professores, médicos, policiais), investimento pesado em educação, saúde, transporte público. No entanto, vivemos em um sistema capitalista e o Estado para ter capital para bancar tais propostas audaciosas e interessantes deve arrecadar mais do que arrecada hoje e ninguém quer pagar a conta, especialmente os mais ricos, que é quem falta tributar devidamente. Quem pode sair das manifestações e dialogar com o Congresso para propor um ou mais projetos de lei efetivos que mudem as regras de investimento / orçamentação/ parcerias público-privadas e que sejam votados em prazos acelerados de forma a atender os anseios da população? Quem está disposto a se debruçar sobre as contas públicas do orçamento da união, estados e munícipios para auditar a aplicação das verbas? Se ninguém fizer, temos que confiar nos homens de terno e gravata que todos sabemos que são muito espertos e vão enrolar todo mundo.
    Outra alternativa é adotarmos um sistema de governo que em vez do voto, cobre os políticos pela pedra, bomba, pixação e vandalismo, que de certa forma também é eficiente, embora nos faça ser vistos como selvagens pelos demais povos… É, não é fácil a democracia…

  5. Muito bom isso é democracia.

  6. Emerson disse:

    Vivemos um momento histórico e espero que todo esse esforço resulte em algo, que os governantes desse país criem vergonha na cara e comecem a pensar na população ao invés de olharem apenas para o próprio umbigo!

    O Gigante acordou: https://ocinematografo.blogspot.com.br/

  7. Sarah disse:

    Muito lindo ver isso acontecendo. E como foi dito, algo impensável… Realmente dá esperança ver que nem tudo está perdido e que o povo tem voz e, por isso, tem poder!

  8. Neco disse:

    Agora o que resta fazer é a CAÇA AOS BANDIDOS que se infiltram nos grupos pacificos de rua.
    Pois esses se equivalem aos politicos corruptos que estão sendo o motivo principal dos movimentos de rua.

  9. Gabriiel Neves disse:

    Só não pode depois desse momento histórico e de possível mudança… ir por agua a baixo na hora de votar… esse pensamento tem que continuar na hora de votar…

  10. Tiago Freire disse:

    O próximo passo é o Marco Regulatório das Comunicações! Porque a opinião pública não pode ser influenciada somente por 4 famílias detentoras dos grandes meios de comunicação. Esses grupos muitas vezes impedem a circulação das ideias e pontos de vista com os quais não concordam e impedem o pleno exercício do direito à comunicação e da liberdade de expressão pelos cidadãos e cidadãs, afetando a democracia brasileira.

  11. Gildo Araújo disse:

    E agora, José?
    o povo “não” sumiu,

    Você que faz versos,
    que ama, protesta?
    e agora, José?

    você marcha, José!
    José, para onde?

    Grande Drummond!

  12. Alexandre disse:

    Bruno,

    Você é um democrata. Publica até críticas contra você mesmo. E isso evidencia também que é uma pessoa segura e de bom caráter. Parabéns!

  13. Gildo Araújo disse:

    Arnaldo Jabor pisou no tomate e de certa maneira pensou em Pasolini, cineasta italiano. Quando os jovens protestavam em Roma, Pasolini afirmou que os policiais eram proletários e os jovens eram burgueses. O texto de Jabor sobre filmes violentos e sobre Je Vous Salue Marie, filme de Godard censurado pelo governo Sarney deveria ser tombado pelo patrimônio histórico e enviado aos marcianos: “…Eu não estou dizendo que esses filmes vão provocar o surgimento de assassinos porque estão assistindo a esses filmes…se você assiste a destruição do corpo humano das formas mais imaginativas possíveis a tua vida fica desvalorizada, a morte é uma coisa muito sagrada, a morte é uma coisa muito grave, a morte é uma coisa triste, trágica e a morte tratada em clima de videoclip, a morte visualizada numa sala de cinema de uma forma obscena, explícita, pornográfica, transforma a vida da gente numa vida sem valor… Nós os brasileiros somos os assassinados de Rambo, nós os brasileiros somos os assassinados por esses filmes de violência, somos nós as vítimas das metralhadoras e das armas sofisticadas e sexualizadas, transformadas em símbolos perversos de uma sexualidade reprimida americana… O que me espanta muito é que tenha sido feito uma onda terrível contra a liberação do filme Je Vous Salue Marie que é uma obra-prima feita por um dos maiores cineastas do século… filme de uma delicadeza poética, de uma delicadeza cinematográfica. filme de uma cultura; de uma erudição poética; filme de uma qualidade literária, artística, que trata da mitologia cristã, dos dogmas cristãos, de uma forma moderna, de uma forma recriada… este filme foi tratado como cachorro, este filme foi tratado a pauladas”. Esse eu imprimi e preguei na geladeira.



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