Mensagem na Garrafa

qua, 05/06/13
por Bruno Medina |

Quando, após terminar a faculdade, Hannah Brencher mudou-se para Nova York, de imediato percebeu que o desafio de estabelecer-se numa cidade extremamente competitiva – onde não possuía um amigo sequer – era um fardo pesado demais a carregar. Não tardou para que a solidão e a angústia se transformassem em depressão e, sob o risco de assistir a própria vida desmoronar ainda aos 24 anos, resolveu que era preciso lutar.

A reação veio de forma inusitada, inspirada por um antigo hábito de sua mãe: escrever cartas de amor. E eis que a moça muniu-se de papel e caneta e passou a redigir tantas cartas quantas fossem necessárias para abarcar o enorme vazio que carregava dentro de si, endereçando-as não a amigos ou parentes, mas sim a completos desconhecidos, pessoas que poderiam estar se sentindo tão mal quanto ela.

As cartas começaram a ser espalhadas de maneira aleatória por mesas de cafés, bancos de parques, estações de metrô, ou apenas deixadas dentro de livros da biblioteca pública. E foi assim que nasceu o World Needs More Love Letters, movimento que reúne mais de 10 mil colaboradores ao redor do mundo, motivados pela simples ideia de transmitir palavras de conforto e incentivo a quem quer que esteja precisando delas.

Pessoas como a mulher que enfrentava dificuldades em se reconectar ao marido, soldado, que acabara de retornar do Afeganistão, e que não sabia como reverter a distância que agora havia entre eles; a estudante que decidiu pendurar cartas nas copas das árvores de sua universidade para estimular a cumplicidade entre colegas que se viam todos os dias, mas que, no entanto, nada sabiam uns sobre os outros, ou o homem que hoje dorme tranquilo e seguro, tendo debaixo do travesseiro as cartas que desconhecidos lhes escreveram tentando dissuadi-lo de suicidar-se.

“O mundo não precisa de mais um site, aplicativo ou rede social, mas sim do bom, velho e genuíno amor, aquele que não cabe numa mensagem de 140 caracteres”, afirma Hannah ao tentar explicar o propósito de sua iniciativa. Ao longo de 10 meses, apesar dos calos e bolhas nas pontos dos dedos, ela mesma redigiu mais de 400 cartas, todas devidamente recheadas de imprecisões caligráficas capazes de torná-las tão únicas e verdadeiras, mas que caíram em desuso na era digital.

No contexto atual, cartas escritas a mão equivalem a uma expressão artística, quiçá um ato político, visto que apenas a consideração dos remetentes pelos destinatários justificaria o tipo de empenho que demandam. “Uma das coisas mais bonitas dessa iniciativa é nunca saber ao certo o impacto causado pelas cartas. Resta apenas acreditar que, ao enviar a um desconhecido palavras que por vezes não temos coragem de dizer nem as pessoas que realmente amamos, podemos modificar para sempre a maneira com que esta pessoa enxergará o mundo dali pra frente”, completa.

O que chama a atenção na proposta do World Needs More Love Letters é o fato de que o projeto caminha na contramão do modelo de interação e de demonstração de afeto que se estabeleceu depois que os computadores passaram a intermediar nossa relação com praticamente tudo que nos cerca. É interessante observar como um gesto tão singelo dá conta de carregar uma dose tão considerável de humanidade, sentimento que parece ser a cada dia mais escasso.

A imagem que ilustra este post é o registro de uma pequena contribuição à iniciativa, a carta que eu mesmo escrevi e que acabei de deixar em algum ponto do Centro do Rio (será que você consegue descobrir aonde?). Bem, quem quiser seguir o exemplo pode enviar a foto para [email protected], contendo nome e localidade, que eu publico aqui embaixo!

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25 comentários sobre “Mensagem na Garrafa”

  1. Isabella disse:

    Que linda iniciativa! “World Needs More Love Letters”

  2. Geraldo disse:

    Muito legal.

  3. Falar de amor deixou de ser revolucionário, uma vez que o sentimento foi covardemente banalizado … mas ESCREVER uma CARTA de AMOR e ‘à mão’ tornou-se tão raro que é quase que subversivo. Se eu tivesse um pouco mais perto do local da carta, teria arriscado ir lá. Gostei do artigo :)

  4. Helciana disse:

    Muito bacana a iniciativa, pena que hoje é pouco ou nada praticado o ato de escrever cartas. O texto me fez lembrar do ensino fundamental.. Recebia tantas cartinhas das minhas amigas rs, quando encontrei as cartas serviu para relembrar tanta coisa: “te doluh” “best friend forever” hahaha. Hoje elas já não se pronunciam assim, graças a Deus! Continuam demonstrando carinho, mas virtualmente ou pessoalmente nada de cartas =/

  5. Fabio Barros disse:

    Acabei de escrever a minha, amanhã deixarei em algum ponto de Salvador!

  6. Nadja Peixoto disse:

    Realmente. Muito bom! Essa curiosidade que as pessoas sentiam ao receber uma carta está acabando devido à tecnologia. Gostaria muito de saber o conteúdo dessa carta. As palavras, os sentimentos que foram desabafados. Parabéns! Por essa sabedoria da criatividade.

  7. Marina disse:

    Putz!! Acabei de ir lá e já pegaram a sua carta!! O pior é que eu vi você atravessando a Antônio Carlos hoje na hora do almoço!! E logo depois passei por essa parede, porque eu não olhei!!!! AARRGGHHHH

  8. Nat disse:

    O local de sua carta é na Franklin Roosevelt, no Centro do Rio, próxima à Maison de France, não é?

  9. Luisa Zamith Cesario disse:

    Gostei bastante de saber que existe esse movimento. É feliz lembrar que uma palavra carinhosa, afetuosa vale tanto para tantos. Gostei também do artigo, parabéns.

  10. Tatiana Ramos Pacioni disse:

    Isso me lembrou uma carta que eu te escrevi (e entreguei em mãos) há 9 anos!

  11. Marina disse:

    Pelo visto você leu a revista Glamour desse mês também, né? Essa iniciativa já tem um bom tempo: eu mesma, uma leiga, já lembro de ter lido a respeito há muitos meses atrás. Achei tão peculiar essa coincidência: a história é antiga, sai em uma revista e,menos de uma semana depois, vira assunto dessa coluna.

  12. Rita Mendes Costa disse:

    Eu sempre escrevo o q sinto, tenhom muitas coisas escritas a mais de 15 anos atras… escrever é sempre bom… fiquei pensando como seria encontrar uma pessoa

  13. Rita Mendes Costa disse:

    SEMPRE ESCREVO O Q SINTO HÁ MAIS DE 15 ANOS… ISSO ME FAZ VER O QTO EU PROGREDI DURANTE TODOS ESSES ANOS… IMAGINEI COMO SERIA ENCONTRAR UMA PESSOA Q TIVESSE ACHADO UMA CARTA MINHA DEIXADA POR AI DEPOIS DE MUITO TEMPO… GOSTEI DO ARTIGO E DA INICIATIVA …;)

  14. Joyce Lopes disse:

    simplesmente sensacional… divulguei o maximo que pude, acho q é exatamente desse tipo de atitude q o mundo precisa!

  15. Raoni N. Dias disse:

    Muito boa a iniciativa, escreverei a minha hoje a noite após o trabalho e amanhã de manhã, quando passar pelo centro, deixarei a minha!

  16. Bruno,

    Descobri o seu site por acaso e gostei do que li. Gostei tanto que vou ler os outros textos com calma e atenção. Obrigada, por partilhar os seus momentos de inspiração. Bjs

  17. Felipe disse:

    “Um tecladista do Los Hermanos!”
    Porta dos fundos de hoje pra vc, Medina!
    Abraço
    https://www.youtube.com/watch?v=CMWG4RQSBqo

  18. Gabriel Neves disse:

    Que boa ideia!!

    — Seria legal se a pessoa que pegou sua carta, de alguma forma entrasse e visse esse post..

  19. Só risos :D disse:

    Que ótima iniciativa, já escrevi a minha só falta escolher em que local irei deixá-la.
    Espero que desperte esperanças em quem for ler, lá vou eu :) ))

  20. Vinícius da Veiga disse:

    Simplesmente sensacional, oportunidade de unidade humana independente de identificação, diria mágico.

  21. Amanda Seguezzi disse:

    Olá Bruno e leitores, queria divulgar um texto meu, espero que gostem. Abraços.

    https://pensador.uol.com.br/frase/MTMyNDY3NQ/

  22. Sarah disse:

    Ótima ideia! O mundo precisa mais dessas coisas!

  23. Cássia disse:

    Que lindo exemplo, é de pessoas assim que o mundo precisa, que param um tempo do seus dias corridos para dedicar atenção e carinho para os outros! :)

  24. O triste é que no mundo de hoje, se eu visse uma carta dessas num banco de praça ou apoiada na árvore, eu teria medo de pegá-la e abri-la. Se a pessoa deixar em uma mesa de café, tem grandes chances de ela ir para o lixo sem nem perceberem do que se trata. O mundo precisa de menos terror e mais romantismo



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