Me Engana Que Eu Gosto
Se você ainda não viu, são grandes as chances de que, nos próximos dias, um primo ou um colega de faculdade te encaminhe o link de um vídeo que ‘tá bombando’: na varanda do segundo andar de um prédio localizado no Centro de São Paulo um casal discute de forma acalorada, enquanto, a partir da janela ao lado, um homem só de cueca desce por uma tripa improvisada com lençóis amarrados. Na calçada em frente ao edifício, entre risos e gritos de ‘Pula! Pula!’, uma pequena multidão se espreme para acompanhar o desfecho supostamente real da cena ficcional que tantas e tantas vezes assistimos na TV ou no cinema, pouco antes dos bombeiros chegarem para resgatar o adúltero, em vias de se espatifar no chão para escapar da fúria de um marido traído.
Com os olhos vidrados na tela do computador, comovidos pela raridade do inusitado registro, tudo o que nos resta é servir ao propósito de ser mais um elo da corrente e, ao término da exibição, também clicar no botão ‘compartilhar’. Aconteceu exatamente assim comigo. Numa fração de segundo, antes mesmo de que me desse conta, transferi a centenas de conhecidos meus o acesso ao enfadonho vídeo, ainda que logo em seguida tenha me ocorrido um porém: quem garante que não se trata de mais um falso viral? Analisando a situação com o devido distanciamento, percebo que, naquele momento, a vontade de passar adiante o que tanto havia me impressionado superou (em muito) a razoabilidade dos fatos; não duvidem que é exatamente este fenômeno, universal e inconsciente, a força que hoje faz girar as engrenagens do mundo virtual.
Pessoas gostam de expor ao seu círculo social o que desperta curiosidade na web. A constatação um tanto óbvia é a mola propulsora de um filão que só faz crescer, o de criar peças publicitárias que não se pareçam com peças publicitárias. Exemplos não faltam de como as agências de marketing digital têm cooptado nosso natural anseio por dividir o que nos chama atenção para promover marcas e lançar produtos no mercado. Afinal, o que pode ser mais oportuno como ferramenta de venda do que pegar carona na credibilidade implícita no ato de compartilhar conteúdo com um amigo? A despeito da atual infestação do que ficou conhecido como ‘propaganda viral’, e do surgimento de uma cultura de desconfiança generalizada a respeito de tudo que se encontra na internet, recentemente um destes vídeos, desenvolvido para um conhecido refrigerante, trouxe à tona nos Estados Unidos uma discussão sobre a ética nesta modalidade de campanha.
Durante um pretenso test drive, Jeff Gordon – famoso piloto da NASCAR –, disfarçado de gente comum, faz manobras impensáveis com o carro e quase leva o funcionário da concessionária que o acompanha a enfartar. Quando a pegadinha havia ultrapassado as 7 milhões de visualizações, descobriu-se que o vendedor era na verdade um ator, ou seja, tudo não passou de uma armação. Ano passado, aqui mesmo no Brasil, muita gente boa caiu na conversa do sujeito que procurava pela Fernanda, seu amor perdido na balada paulistana. Acontece que o príncipe desta espécie de Cinderela do século XXI estava a mando de um fabricante de telefones celulares, o que, diga-se, frustrou uma considerável parcela do público feminino que havia se encantado com a possibilidade de ainda existirem rapazes românticos como aquele.
Ambos os casos, apesar de pouco representativos se comparados ao montante de vídeos deste tipo espalhados por aí, são bastante emblemáticos da discussão que os falsos virais geram, sobretudo quando se tornam de fato populares. Ao que parece, muitos são os que se sentem traídos quando se enxergam na condição de propagadores espontâneos de uma campanha comercial, ainda que quase sempre não tenham conhecimento disso. A circunstância remete à sensação de empatia instantânea que costuma nos acometer quando, no final do filme, nos deparamos com a frase ‘baseado em fatos reais’. De repente, é como se aquela história insossa, que até tinha causado uns bocejos ao longo da projeção, assumisse ares de épico, apenas porque realmente aconteceu na vida de alguém.
A reflexão mais interessante suscitada pelos falsos virais diz respeito ao conceito do que é verdade ou mentira nessa paradoxal sociedade em que vivemos. Se passamos a encarar com normalidade celebridades que combinam flagrantes com paparazzis ou mesmo conhecidos que fantasiam a própria existência nas redes sociais, por que os virais deveriam fugir à regra? No mais, será que os instantes de puro entretenimento causados pela visão daquele homem de cueca descendo pela janela perderiam seu propósito se ficasse provado tratar-se de uma propaganda? Bem, se esse for mesmo o caso, considero justo premiar a marca por sua criatividade, indicando o link para meus contatos. A título de registro, na última segunda-feira, foi revelado que o vídeo em questão faz parte da campanha de lançamento de uma série de TV.
Mas, será que isso realmente importa?
Bruno, pelo post!
Um “prato cheio” para os estudantes de MKT!!!!
“…Nem tudo que os olhos vêem é verdade,,,”. Já dizia minha avó!
Me lembro de quando os Vlogs começaram a estourar aqui no brasil, todos diziam que os videos seria um dessas casos, mas acho interessante essa forma de dvulgar.
Muito bom, nos leva a pensar em que tipo de conteúdo estamos dando credibilidade.
Definitivamente o Bruno está em uma fase virtual, ou com muita raiva dela: https://ocinematografo.blogspot.com.br/
Não, não importa, besteirol! Mas nos diverte a beça. Mesmo que sejam tipo lugar-comum, mas a atração é inevitável, é diferente. O dia a dia é tão enfadonho, na maioria do tempo, que nós estamos carentes dessas coisas, algo que nos faça sorrir. Mesmo que seja um mentira já valeu o momento.
me indentifiquei muito com o trecho que diz que um filme sonolento se torna épico quando diz que é baseado em fatos reais.. não sei porque, mas eu sinto isso..
é interssante a possibilidade de pensar que extistam coisas tão surreais na nossa realidade….
Realmente, funciona muito bem… Mas não acho legal enganar totalmente o consumidor. Acho que pelo menos deve ter algo na propaganda que dê a entender que é de uma empresa (tipo, se fosse do Itaú, todo o cenário ser laranja; ou se for da Claro, todo o cenário ser vermelho). É bem chato quando se descobre que foi tudo planejado!
E não gosto de como o mundo tá andando tão rápido, em que algo que foi lançado há 3 meses já é considerado velho!
Bruno, o caso é que a praticidade da internet, o funcionamento amigável dela, nos põem mais impulsivos. É meio difícil racionalizar em frente de uma tela. Isso tende a nos chumbar no eixo horizontal, pois a solidão na era virtual nos autoriza a ombrear com a primeira coisa legal que apareça. Nos esquecemos do sentido vertical de nossa trajetória, nos elevarmos a uma percepção menos apaixonada e mais real do que acontece. Só numa horizontalização maciça como a de hoje é que o apelo dos virais da internet encontra tamanha adesão.