Doce Perdição
Entrei nessa como quase todo mundo entra: ouvia os amigos falando, fiquei curioso e resolvi experimentar. Lembro de que tudo começou numa segunda-feira a tarde. Estava chovendo e eu com uma baita preguiça de sair de casa, quando, lá pela hora do almoço, encontrei um amigo no Gtalk. Papo vai, papo vem, reclamei do dia insosso, do tédio, e ele disse que nunca mais havia se sentido assim desde que começou a usar. Olhando agora, percebo que a enfadonha conversa foi o empurrão que faltava para que eu mergulhasse de cabeça num poço sem fundo.
Talvez por inocência, talvez por desespero, a verdade é que acreditei no meu amigo e na falsa promessa de que era possível, como que num passe de mágica, preencher as desconfortáveis lacunas do dia a dia, se livrar dos momentos menos inspiradores da rotina. Mesmo tendo receio da influência que aquilo poderia vir a ter sobre mim, decidi seguir em frente, afinal, eu era o único cara da galera que ainda não tinha aderido. Impressionante a facilidade com que se tem acesso a algo que pode prejudicar tanto a vida das pessoas. Bastou ter o impulso e, em segundos, já estava na minha mão, sem complicação, sem correr nenhum risco.
Na primeira vez que usei, confesso que não achei muito graça. Foi divertido sim, sem dúvida ajudou a matar o tempo, mas nada muito além disso. Naquele mesmo dia liguei para o meu amigo e disse que tinha começado a usar, ele ficou exultante em saber que eu tinha ‘entrado pra turma’ e me convidou para uma reuniãozinha a noite, na casa dele. Quando cheguei lá, percebi que não seria possível conversar sobre nenhum outro assunto, ainda mais depois que os presentes descobriram que, poucas horas antes, tinha sido o meu ‘debut’. Todo mundo queria me dar dicas, contar histórias ou saber como estava sendo a minha experiência, e é óbvio que ser o centro das atenções me deixou bastante envaidecido.
Aos poucos, as conversas foram diminuindo e cedendo lugar a um silêncio perturbador, a medida em que os convidados, um a um, optavam por abdicar da festa na fissura de saciar o desejo insaciável por entretenimento. A essa altura, infelizmente, eu também já era um deles. Nas semanas que se seguiram, continuei usando, cada vez mais, até o ponto daqueles instantes de prazer se tornarem o momento mais importante do meu dia. Escondido dentro de casa, no trabalho, em locais públicos, não importava a circunstância, qualquer minuto de sobra era desculpa para puxar do bolso e usar, na hora e no lugar que fosse.
Um mês após aquela fatídica tarde de segunda, eu era apenas uma caricatura do homem que um dia fui. A concentração, a capacidade de realizar e a vontade de conviver em sociedade me abandonaram, deixando o terreno livre para que o vício se apoderasse de todos os aspectos da minha vida. Apesar dos insistentes apelos da família, só me dei conta da deplorável situação em que me encontrava quando meu filho me viu usando e pediu pra ‘brincar’ também. A perspectiva de vê-lo enveredar-se pelo mesmo caminho que trilhei foi simplesmente devastadora. Tirando forças de onde não mais pensava haver, resolvi por fim a minha triste saga, e jurei que aquela seria a minha última vez.
Mesmo tendo parado de usar há algum tempo, o fato é que não me sinto ainda recuperado. Como sequelas do vício ficaram os pesadelos com doces, especialmente rosquinhas e pirulitos, e uma estranha obsessão por destruir objetos de cores e formas idênticas. Um conselho? Nunca dê ouvidos a quem porventura quiser lhe apresentar um tal de Candy Crush.