O Canto das Sereias-Robô
‘O melhor da festa é esperar por ela’, diz o conhecido provérbio que parece ter inspirado a campanha de divulgação de Random Access Memories, álbum que sela o retorno do Daft Punk aos estúdios, após 8 anos sem gravar. A despeito da atenção que o trabalho naturalmente despertaria – basta supor a resultante de quase uma década de silêncio em contraste à fama avassaladora cultivada ao redor do mundo pelo duo francês – Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter, os humanos por trás dos robôs, parecem ter resolvido não poupar esforços para que seu mais recente trabalho conquistasse os holofotes do universo pop. E conseguiram.
Há pouco mais de um mês, o single Get Lucky tem sido utilizado de maneiras impensáveis para aguçar a curiosidade de fãs e jornalistas, determinando novos parâmetros de alcance e criatividade para os profissionais do meio musical envolvidos em grandes lançamentos internacionais. Ao que tudo indica, a dupla que já havia elevado o status e a própria visibilidade da música eletrônica a partir de meados da década de 90, adotou uma estratégia de marketing de guerrilha digna de despertar a inveja de cantoras divas e boy bands.
Tudo começou no princípio de março, com a veiculação de um teaser em pleno horário nobre da TV norte-americana, mais precisamente no intervalo da tradicionalíssima atração humorística Saturday Night Live; o trecho instrumental de apenas 15 segundos, que agora sabe-se ser a introdução de Get Lucky, foi estímulo suficiente para despertar um tsunami de postagens relacionadas na web, em sua maioria loopings da levada (um deles, acreditem, com 10 horas de duração) editados por admiradores aflitos por terem algo inédito do duo para incluir na playlist de seus smartphones.
Na sequência do enigmático anúncio, que apenas exibia o logo do Daft Punk sobre fundo negro sendo encoberto pelos característicos capacetes, observou-se o espocar de incontáveis pegadinhas – totalmente desvinculadas da dupla, é claro, tais como trechos de letras fictícias adicionadas à base original, falsos releases e demos enviados para publicações especializadas ou mesmo a especulação infundada de fantásticas participações no disco, que tem data de lançamento prevista para 21 de maio.
Para elevar o suspense a níveis jamais testemunhados, caiu na rede uma série de minidocumentários reunindo entrevistas realizadas com os produtores do álbum, revelando detalhes sobre as gravações e insinuando que Guy e Thomas se apresentariam com uma banda no palco durante a turnê, algo inédito em suas carreiras até então.
Mas antes que engrossasse o coro dos que enxergavam muito barulho feito por nada – e até uma certa dose de arrogância nos míseros segundos revelados da música (aqui no Brasil chegou-se a comentar que o trecho lembrava o inconfundível tema de abertura do programa Amaury Jr.) – a divulgação de um novo vídeo de Get Lucky, desta vez nos telões do festival Coachella, trazendo ninguém menos do que Nile Rodgers na guitarra e Pharrell Williams no vocal, não deixou restarem dúvidas quanto ao poder de fogo de que disporá o Daft Punk em 2013. A cereja do bolo não tardou em aparecer, visto que o serviço de streaming musical Spotify anunciou na última sexta-feira que o single, enfim passível de ser ouvido em sua versão completa, bateu o recorde de execuções realizadas no site num único dia.
Mesmo uma audição despretensiosa sugere que a primeira música de trabalho de Random Access Memories possui todos os atributos necessários para equipará-la em relevância e sucesso aos maiores hits da dupla, Around The World e One More Time. Faltando agora pouco menos de um mês para o lançamento oficial do disco, cabe imaginar que truques Guy e Thomas ainda guardam na manga para potencializar seu canto de sereia e manter o frenesi causado pelo anúncio de seu tardio retorno ao mainstream da música eletrônica.
Resta saber, no entanto, se as faixas que ainda não vieram à tona justificam tamanha expectativa, afinal, de tão instigados, qual não seria a decepção dos fãs se este bendito disco fosse algo menos do que um dos melhores da década? A situação, inevitavelmente, remete a um outro provérbio, que ilustra com perfeição o indesejável efeito colateral que se obtém da mistura de marketing e música nas proporções erradas: ‘quando maior a altura, maior a queda’. Se este é ou não o caso, saberemos em breve.