Eles Usam Black Tie

seg, 18/03/13
por Bruno Medina |

Londres, primavera de 1860. Cansado de vestir as roupas de sempre em compromissos oficiais, o Rei Eduardo VII, então Príncipe de Gales, decide que é chegado o momento de confrontar o restritivo e monótono código de etiqueta vigente em sua corte; seguindo a determinação do futuro monarca, seu estilista pessoal confecciona uma revolucionária vestimenta, composta por uma leve e curta jaqueta sobre camisa branca texturada, ambas ornadas por uma faixa de cetim, posicionada na altura da cintura, e um laço de seda preto, selando o colarinho. Versátil e ao mesmo tempo ousado, o traje alcançou fama instantânea, passando a ser incessantemente copiado desde a primeira aparição pública.

Rio de Janeiro, verão de 2013. Suando feito um javali preste a ser abatido, Luiz, garçom de uma tradicional galeteria localizada no centro da cidade, circula com uma bandeja prateada em riste pelos estreitos corredores que se formam entre o mar de mesas. Aprisionado num desalinhado paletó branco que expõem fios puxados e manchas de gordura, cicatrizes do uso diário, em algum ponto entre a cozinha e a varanda do restaurante – possivelmente dois dos lugares mais quentes da Terra naquele princípio de tarde – Luiz se faz a mesma pergunta que me acompanha desde que me entendo por gente: afinal, por que é que os garçons usam smoking?

Ou melhor, que curiosos e tortuosos caminhos conduziram o traje, criado sob medida para um membro da corte britânica, dos luxuosos palácios que este frequentava na Inglaterra aos botequins mais pestilentos do Brasil? Bem, a explicação mais plausível sugere que o hábito tenha se originado em restaurantes de fato muito chiques, onde a qualidade (e o preço) dos pratos servidos condiziam com o uso desta que até hoje é considerada a mais nobre das vestimentas masculinas. Seguindo o raciocínio, proprietários de restaurantes não tão chiques devem ter resolvido também adotar a moda, imaginando que garçons vestidos de maneira impecável ofuscariam a falta de brilhantismo e criatividade dos cardápios de seus estabelecimentos. E por aí foi, descendo de degrau em degrau, até que se chegasse a um sujeito vestindo algo que remete vagamente a um smoking, servindo um outro sujeito, que belisca ovos de codorna e bebe uísque nacional sentado numa mesa de plástico em cujo tampo se vê a propaganda de uma cerveja obscura.

Acredito que cenas como a que acabo de descrever representem uma considerável ameaça à hegemonia do black tie como referência máxima de elegância que ainda é em qualquer parte do mundo, uma vez que jogam por terra o conceito original de exclusividade associado ao uso da vestimenta. É mais ou menos como quando chegaram ao mercado aqueles adesivos dos integrantes da família, que adornam centenas de milhares de traseiras de carros do norte ao sul do país. Aposto que os primeiros a comprá-los e os montarem à semelhança de suas verdadeiras casas devem ter se sentido como Colombo ao descobrir o Continente Americano, pelo menos até dobrarem a esquina e perceberem que todos os outros motoristas tiveram a mesmíssima ideia.

Eu mesmo devo confessar que nunca estive numa festa em que houvesse a indicação do traje – o que por si só denota que não conheço pessoas ou concorri em premiações tão relevantes – portanto, do alto da minha condição de cidadão de segunda classe, sou levado a refletir sobre uma nova questão: o que vestem os garçons nas festas em que todos os convidados estão de smoking? Se porventura você um dia esteve numa destas festas, por favor, não hesite em dividir conosco, reles mortais, a resposta. Mais do que apenas saciar nossa curiosidade, você poderá estar fornecendo ao Luiz uma boa desculpa para aposentar de vez a combalida jaqueta branca.

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5 comentários sobre “Eles Usam Black Tie”

  1. Emerson disse:

    Ahaahhaha! Isto acontece muito com os metaleiros brasileiros também, em pleno verão usam calça de couro, coturno e jaqueta, tudo preto. Esquecem que essa moda vem dos países nórdicos e que lá neva, é um costume usar roupas de frio, não apenas para expressar um gosto musical… fazer o que né: https://ocinematografo.blogspot.com.br/

  2. Gabriel Neves disse:

    Eu tambem nunca fui em uma festa smoking… mas Imagina em uma festa que todos estão com smoking pode acontecer tanta coisa.. você não saber para quem pedir alguma coisa.. ou o garçom sentar na mesa e pedir alguma coisa e passar despercebido…

  3. Evaristo disse:

    Boa observação, Bruno. Nunca estive numa festa tão grã-fina em que o traje requerido fosse o smoking mas, presumo que numa festa dessas os convidados e os serviçais variem na cor do traje. Os convidados vão de smoking preto, e os serviçais vestem smoking branco, ou vice-versa.

  4. Juliana Mol disse:

    Oi Bruno, gostei muito do seu artigo sobre o smoking. Quando li, fiquei pensando nos tempos em que estudei um pouco de história da indumentaria na especialização em História. Você sabia que até Dom Pedro II usava o smoking? Pois é, mas não era o smoking que você descreveu no artigo. Ele , digo o Imperador brasileiro, usava o smoking jacket, que é basicamente uma casaca parecida com um robe com as golas e os punhos acolchoados. Essa tal casaca era usada na época vitoriana por fumantes. A intenção de usa-la é proteger as outras roupas do odor forte que exala o fumo dos cachimbos e charutos. Agora, eu acho que Dom Pedro II não fumava. Vai saber por que que ele usava, não é? Mas, não vem ao caso. Eu fico mais intrigada com a etimologia da palavra smoking. Moço, não consigo entender o infeliz que apelidou o traje de smoking. Lembrando que é só na língua portuguesa que, esse traje, tão importante no vestuário masculino, é denominado smoking. Obvio, faz alusão a tal casaca dos fumantes ingleses. Mas, pela descrição nos livros que consultei, ambos são coisas tão distintas. É tanta confusão com a palavra e o traje. No Inglês é dinner jacket e nos EUA e tantos outros países, é Tuxedo.
    Um bom livro que pode sanar a duvida de como os garçons adotaram o smoking como vestimenta de trabalho é: Dom Pedro II e a moda masculina na época vitoriana do professor Marcelo Araujo. Dom Pedro influenciou muita gente, principalmente a classe menos abastarda….fica a Dica….Parabéns!
    abraço Juliana Mol

  5. Letícia disse:

    Adorei Bruno, nunca tinha parado pra pensar com atenção a respeito desses trajes. Os homens já reclamam tanto de usar para irem uma vez no ano à casamentos e recepções com ar condicionado, imagina garçons que usam diariamente e nem sempre em condições climáticas favoráveis?!



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