A Roupa Invisível do Rei
Não sei se os assíduos leitores deste blog já se deram conta disso, mas, de uns tempos para cá, tenho notado que a condição de ser VIP em nosso país perdeu muito da aura de glamour e do status aspiracional do qual desfrutou em outros idos. Também pudera, a expressão que um dia designou príncipes, estadistas e celebridades de grande relevância, vulgarizou-se por completo, estando agora relegada à demarcação do setor em que ainda é possível se encontrar vagas nos estacionamentos de shoppings e aos “chiqueirinhos”, formados por cadeiras e mesas de plástico em eventos de duvidável reputação. Seria este então o irônico desfecho para séculos de tradição em criar exclusividade para vendê-la bem caro a quem precisa?
Pois é, a bem da verdade a origem do VIP no Brasil remonta ao ano de 1500, mais precisamente quando um pequeno grupo de comerciantes lisboetas assegurou o direito de embarcar numa das 3 caravelas que rumariam ao Novo Mundo após contribuírem para o término da construção das mesmas. À época, o escuso privilégio desta minoria revoltou o povo português, mas o escândalo acabou abafado, visto que um dos pretensos viajantes era dono de um jornal. Estes mesmos homens, ao pisarem nas areias de Porto Seguro, prometeram para as duas índias mais bonitas da praia um tour por dentro de um dos barcos em troca de favores amorosos. Elas rapidamente aprenderam o conceito e o reproduziram, oferecendo-se como guias para incursões pela mata em troca de espelhos e alguns metros de linho. Tudo bem, a história foi inventada, mas quem duvida que algo bastante semelhante possa ter ocorrido?
De toda forma, não deixa de ser curioso observar como o termo que se confunde com a própria conformação de nossa sociedade deixou-se conduzir à vala comum das trivialidades, passando de honraria a quase insulto, uma vez que, atualmente, quase todos os brasileiros ascenderam à condição de clientes preferenciais em algum contexto, diga-se, por menos exclusivo que este de fato seja. Eis que sob risco de imergir num pântano de igualdade irrestrita e sem precedentes, o VIP compreendeu que, para continuar existindo, seria necessário transmutar-se. Assim como um dia as aves foram répteis, o mullet foi o corte da moda e o Monza foi o carro dos bacanas, assim como é natural a todas as coisas evoluir, o VIP de ontem tornou-se o Premium de hoje.
Podem reparar como ele já está no rótulo das cervejas mais sofisticadas, nos pacotes mais extensos de canais a cabo, no plano trimestral das academias de luxo, nas suítes com jacuzzi dos hotéis cinco estrelas, na área colada ao palco dos grandes shows internacionais. O Premium nasceu para ser a próxima fronteira do consumo, uma opção voltada a contemplar os gostos dos mais exigentes, estes que transcenderam a condição pregressa de VIPs; é o eldorado, o suprassumo, a elite da tropa, o crème de la crème, é pau, é pedra, é o fim do caminho. É o VIP dos VIPs. Do nome estrangeirado à intrínseca ideia de recompensa, o Premium parece preencher todos os requisitos para firmar-se como sonho de consumo da nova classe média.
Mas, apesar de tanta pompa e circunstância, desconfio que a mudança, na prática, tenha sido mesmo só para inglês ver, porque o bom e velho VIP continua dando as caras por aí. É como diz o ditado, “quem não tem cão caça com gato”, em outras palavras, para quem sempre esteve com os pés fincados na lama, o VIP ainda tem lá seus encantos. Ao Premium, está reservado o papel de estabelecer-se como a roupa invisível do rei, aquela que, no livro infantil, foi concebida por tecelões trapaceiros, segundo os quais apenas os dotados de extrema inteligência conseguiam enxergar. Aos que porventura não alcançarem a façanha, como consolo, resta esperar pelo próximo VIP.
Estamos passando por um fenômeno, os VIP não querem ser VIP e quem não é cada vez mais deseja sê-lo!
Bruno não vai comentar sobre o Chorão? Tem a ver com a briga com o Camelo: https://ocinematografo.blogspot.com.br/
Está cada dia mais dificil assistir um show de qualidade com qualidade. Se não for VIP certamente do seu lugar o telão será a melhor vista que terá do palco.
A maioria das coisas vendidas como “vips” é o “normal disfarçado”… Um dia, eu em um show dos hermanos mesmo.. paguei vip.. e não deu em nada.. fiquei em pé.. perto do palco mas no canto… e umas meninas reclamando que estvam longe do amarante hahaha… depois disso fiquei em duvida se vale a pena o VIP..
Complementando o Gabriel Neves….
Na verdade o VIP é a solução encontrada pelos empresários para reduzir a qualidade do “comum”.
Assim, o “VIP” nada mais é do que o que antigamente era comum, em termos de qualidade. E ao que é comum hoje, com sua qualidade pífia, se transfere a responsabilidade da degradação ao próprio consumidor, “pobre”, que não pôde pagar pelo “VIP” e tem que se assujeitar com os farelos do serviço que lhe é prestado.
O Vip de hoje é tão VIP quanto à “classe média” da Dilma.
Complementando o Gabriel Neves….
Na verdade o VIP é a solução encontrada pelos empresários para reduzir a qualidade do “comum”.
Assim, o “VIP” nada mais é do que o que antigamente era comum, em termos de qualidade. E ao que é comum hoje, com sua qualidade pífia que beira o deboche, se transfere a responsabilidade da degradação ao próprio consumidor, “pobre”, que não pôde pagar pelo “VIP” e tem que se assujeitar com os farelos do serviço que lhe é prestado.
O Vip de hoje é tão VIP quanto à “classe média” da Dilma.
Caro Bruno, o problema da humanidade hoje (dentre muitos outros, claro) é que todo mundo se acha especial e VIP. As pessoas adoram dizer que possuem direitos, mas esquecem dos deveres.
Ótima reflexão a sua, por sinal.
Incrível sua capacidade de sempre escrever um texto envolvente, daqueles que se lê até o final e se fica pensando. Parabéns por isso caro Bruno Medinna.
Pois é…ser um ou uma Very Important Person na verdade (pra mim pelo menos) não é somente ocupar lugares sofisticados, cheios de luxo e nobresa, ser VIP mesmo é estar no auge todos os dias, de corpo e alma. Digo isto porque infelizmente o que mais se vê são pessoas dotadas de riquezas onde suas atitudes não competem à dignidade do seu posto ocupado. Infelizmente!!
Ser vip, bonito, exclusivo para o mundo, é ser vip, bonito e exclusivo pra sim mesmo.
Parabens Bruno, mais uma vez ganhou minutos da minha atenção…beijos sábio!
O mal do VIP é que acaba fazendo as outras pessoas se sentirem “pequenas”…e outras se sentindo “grandes” demais.
É o primeiro artigo seu que eu leio, e como já era de se esperar, muito bem articulado…
Suas composições já passavam algo para os meus sentimentos, é bom ver seus artigos trazerem algo pro meu intelecto.