Sem Ilusão
De nada adianta pedir aos céus, praguejar, fazer pirraça, rasgar e engolir a folhinha do calendário; com a eficiência e a previsibilidade de um trem suíço, ela sempre chega, num único tom de cinza. Quando no céu desta quarta-feira ímpar – que em frustração equivale a pelo menos 7 segundas chuvosas – o sol atingir seu ponto máximo, é sinal de que todos os príncipes e carruagens já viraram ratos e abóboras. Por mais que seja penoso reconhecer, acabou-se o Carnaval.
Em instantes, um exército de ex-sonhadores cabisbaixos ganhará as ruas, arrastando suas trôpegas existências até pontos de ônibus, guichês de repartições públicas e elevadores de prédios comerciais. Em fúnebre silêncio, retomarão suas rotinas pregressas: sai a confecção de fantasias, entra a confecção do relatório de resultados do bimestre, o regime estritamente etílico dos últimos dias dá lugar ao buffet de folhas murchas do restaurante por quilo, ao invés do perfume daquele que bem poderia ser o amor de sua vida, o bafo de café requentado do chefe na nuca, cobrando a apresentação de Power Point (lembra?) para a reunião de diretoria.
Agora é tempo de, novamente, empurrar o calo pra dentro do sapato social, a queixa, para debaixo do tapete, a conta atrasada, para o mês seguinte, a alma, para dentro do corpo, pelo menos até fevereiro do ano que vem. “Três dias pra sorrir, um ano pra chorar”, sentencia o famoso samba de Elton Medeiros, e o que resta senão agarrar-se às melhores lembranças? Em todas as rodas serão ouvidas histórias mirabolantes, de gente que não dormiu por uma semana, que bebeu sozinho 47 litros de cerveja e 13 de vodca, que andou o equivalente a uma maratona, que beijou 18 mulheres, todas elas modelos de passarela atuantes no exterior. Aos que porventura duvidarem da façanha, servirão como prova olheiras, garrafas vazias, band aids no calcanhar, fotos borradas tiradas no meio da multidão.
Borradas serão, também, as recordações inglórias e os lapsos de consciência, estes que, desde as origens, simbolizam o que a festa tem de mais adorável e singular, afinal, um Carnaval sem arrependimentos não foi um Carnaval experimentado em sua plenitude. Tomados pelo retorno à razão após seu hiato, enxergaremos os dias que se passaram como um período de excessos, uma quase dimensão paralela que tangencia a realidade apenas a partir desta ponte que agora se desfaz, chamada quarta-feira de cinzas. Quando, após o meio-dia de hoje, o acesso entre esses dois mundos quase antagônicos estiver definitivamente fechado, além de pés doídos, fígados combalidos e fantasias abarrotadas, que cada um de nós consiga encontrar a própria receita de como trazer, ao longo do ano, um pouco de exceção para esta vida tão repleta de regras.
Pronto, começou o ano…
Melhor do que ‘um pouco de exceção’ é viver uma vida em exceção as regras que fazem dela a regra. E para isso certamente não tem receita. É um jogo infinito de empirismos, calos, bolhas, alegrias e tristezas. Assim como o carnaval, a vida é cheia de tropeços, borrões e ressacas; se diferisse disso, seria mesmo um saco.
Este carnaval não teve colorido de confete nem serpentina…
Eu fiz o Pierrot apaixonado e chorei pelo amor da Colombina!
Mas, a vida continua e alegrias repentinas podem surgir a qualquer momento, é só ter fé!
Adorei o texto Bruno, um abraço…
Bruno, este é um dos textos mais poéticos que já publicou aqui, parabéns! Vai ver, vocês cariocas são mais sensíveis ao carnaval do que os demais brasileiros, pois a dimensão que a festa adquire aí é algo faraônico, atrai gente de todo mundo e movimenta muita grana… Mesmo quem não se identifica com a festa do Momo percebe a expectativa enorme em torno do evento e acaba sendo afetado de alguma forma.
Adorei!
“que cada um de nós consiga encontrar a própria receita de como trazer, ao longo do ano, um pouco de exceção para esta vida tão repleta de regras”.
Não tem como não citar esta frase, não tem como deixá-la passar despercebida, quantas pessoas conseguem fazer isto, quantas pessoas vivem não apenas sobrevivem?
Quando a gente pensa em sobrevivência eu não penso em dinheiro mas sim naquelas pessoas que juram que são felizes fazendo o churrasco nosso de todo domingo sem perspectiva nenhuma de vida, sem crescimento algum… uma coisa eu posso dizer o Silêncio (carinha que mora em uma praia selvagem do Rio de Janeiro) é mais feliz do que qualquer pessoa que eu já vi que tem grana, muita grana…
Alguns fatos que deveriam ser exceção, e a felicidade uma regra mas no mundo tudo é invertido, os valores estão ai para não me desmentir…
Criar, ser simples e transcender meu amigo, é para poucos!
Muito Bom o texto!!!
Essa quarta foi mais de cinzas que o normal para mim… bola pra frente e encarar a rotina!! hahaha…
O tempo voa mesmo né? Passou a virada do ano, se foi o carnaval e para a maioria dos cidadãos, assim acaba a festa. É o retorno da rotina exaustiva de trabalho, de faculdade, de falta de tempo para as coisas mais simples da vida… Mas podemos criar o nosso próprio carnaval o ano inteiro: adicionar ritmo a nossa jornada, sorrir e festejar junto ao próximo, nos dedicarmos as nossas fantasias, celebrar o novo… =) E agora podemos dizer: começou 2013!
Todo Carnaval tem seu FIM!
Como diz uma canção de uma banda que eu sou fã, cujo tecladista tem um blog, TODO CARNAVAL TEM SEU FIM.