Na Contramão

seg, 04/02/13
por Bruno Medina |

Caso vivêssemos na Idade Média, a declaração que estou prestes a fazer poderia render uma condenação a morrer queimado na fogueira. Cinco séculos mais tarde, é provável que teria conseguido escapar das acusações de bruxaria, mas não da inclemente palmatória, ou de ter o braço amarrado por trás das costas na escola e durante as refeições. Tendo em vista estes tempos árduos de intolerância e exclusão, nós, canhotos, não temos muito do que nos queixar da vida neste século XXI; a não ser pela ainda onipresente sensação de habitar um mundo que não foi pensado para nós.

A dimensão do que representa ser canhoto numa sociedade onde todas as coisas foram criadas para quem utiliza preferencialmente a mão direita pode ser contemplada a partir da observação dos significados de expressões como “canhestro” e “sinistro” (do latim, que  provém do lado esquerdo). Também pudera, somos apenas 10% da população mundial, uma retumbante minoria de quase 600 milhões de pessoas, privadas de sentar em carteiras adequadas, abrir portas, garrafas e latas da maneira que seria mais natural, sem esquecer, é claro, da conveniência de se escrever com uma caneta esferográfica sem borrar o papel com a própria mão.

Aos olhos de quem não está acostumado a enxergar desafios em tarefas triviais, pode parecer um detalhe, mas, pesquisando sobre o tema, descobri – pasmem – que a cada ano cerca de 2.500 canhotos morrem em consequência da utilização de objetos desenvolvidos para destros! Realmente é um pouco difícil imaginar que alguém tenha perdido a vida num acidente envolvendo um abridor de latas, em todo caso, deve ter sido por conta da tenebrosa estatística que nos concederam um dia internacional, 13 de agosto. Isso mesmo, número 13, no mês do desgosto, parece até piada. Uma data “sinistra”, com certeza.

Agora me digam, que canhoto sabe disso? Aliás, quem foi que escolheu essa data?? Tá tudo errado! Pessoal, não adianta mais ficarmos aí, pelos cantos, reclamando da maçaneta, do braço do violão, do mouse de fio curto no computador da lan house. Se nós queremos ser considerados no planejamento de uma sociedade mais inclusiva para os canhotos, precisamos fazer ouvir o som de nossas vozes, fazer sentir o peso de nossas mãos esquerdas. Vamos ganhar as ruas e protestar, trafegar com os carros em mão inglesa, espalhar cartazes contendo palavras de ordem escritas a partir da direita, queimar em praça pública símbolos da opressão, tais como abridores de lata, tesouras e saca-rolhas. Vamos lembrar ao mundo que 40% dos melhores tenistas são gente nossa, assim como eram todos os 8 finalistas de esgrima nas Olimpíadas de 1980 em Moscou, ainda que não saibamos exatamente o porquê. Vamos festejar a genialidade de Baudelaire, Beethoven, Charles Chaplin, Maradona, Jimi Hendrix, Leonardo da Vinci, Picasso e, por que não, de Jack Estripador.

Se a ciência comprovou que nosso cérebros não são como o dos destros, vamos mostrá-los que podemos ser mais criativos e sarcásticos, mais eficientes em matemática e em percepção tridimensional, e que sabemos lidar melhor com informações simultâneas. Finalmente é chegada a hora de extinguir por completo séculos e séculos de segregação e preconceito, e de atestar que nascer canhoto não é herdar uma condição desfavorável, mas sim exercitar a diferença. Vamos provar que, apesar de não sermos maioria, nós também sabemos fazer direito. Quer dizer, esquerdo, porra!

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24 comentários sobre “Na Contramão”

  1. Thaís Araújo disse:

    Aaaah, eu sempre disse que os canhotos eram superiores. Nós nos adaptamos a tantas coisas e de uma forma tão fluida.

    Lá em casa eu sou a única canhota. Para aprender coisas simples como amarrar o sapato, abrir uma lata ou descascar batatas, quando criança, tinha que esperar algum canhoto surgir para me ensinar. Normalmente, minha avó paterna ou minha madrinha.

    Era sempre: “Poxa, minha filha, vc faz as coisas de um jeito tão diferente, não consigo te ensinar”!!!!hahahaha

    Nada me demove da ideia de que todas essas repressões não passam do mais puro temor!;)

    Adorei a narração dos ‘causos’.

    E viva a Revolução Sinistra!

  2. Bantim disse:

    Me emocionei ao ler esse post. Anos atrás levantei essa problemática no twitter mesmo, e lembro que como única resposta tive um: “Tu tem cada reivindicação!” Nossa vida não é fácil, companheiro! Precisamos de uma voz, e nada melhor para começar com o PÉ DIREITO, do que um representante como você! :)

  3. Franceline disse:

    Reivindicação em prol da aceitação e respeito das diferenças, e, sobretudo a mobilização que almeja o provimento de melhores condições de bem estar aos diferentes, em qualquer instante e seja qual for à dimensão abordada, é legítima, é necessária, é ação cidadã.

  4. Gabriel Neves disse:

    Têm cara canhoto que toca guitarra de destro em posição de canhoto sem inverter as cordas, nem nada… esses ai já começaram a revolução! têm que ser gênio pra isso…… uhuhsuhauha…

  5. Paulo Marien disse:

    Você escreve muito bem, Bruno! Texto muito bacana! Parabéns! Hilário!

  6. Mariana disse:

    esqueceu de dizer que todos os ursos polares são canhotos também!

  7. Marcela disse:

    Bruno, você escreve muito bem! Adorei esse texto..

  8. Letícia disse:

    Conseguiu expressar exatamente o que envolve ser canhoto! Foi muito triste não poder usar canetas coloridas para escrever quando eu queria! “Vamos fazer esquerdo” foi ótimo!

  9. Hevelyne Menezes disse:

    Texto genial! Parabéns!!
    Agora, uma dúvida: onde danado você encontrou os dados dessa pesquisa?? rsrsrsrs …

    Até!

    :D

  10. Camila disse:

    Só pudia ser canhoto mesmo…
    Os canhotos tem talento, menos eu!

  11. Monica disse:

    Meu filho é canhoto e eu destra. Tive muita dificuldade para ensiná-lo a amarrar o cadarço do tênis. Na verdade eu desisti, ele aprendeu sozinho. Ele passa por tudo isso com tesoura, abridor de latas e mouse.

  12. Aline Zuliani disse:

    Ultimamente uma das coisas que mais tem me incomodado por conta da “destreza” é o caixa eletrônico do Itaú . Ele definitivamente só foi pensado pra destros. tudo é do lado esquerdo e eu tenho q sincronizar meu cérebro pra confirmar a opção de pagamento do lado esquerdo da tela, mas inserir o cartão, fazer leitura do código de barras e inserir o envelope de dinheiro tudo do lado direito do caixa. Fico toda torta. Presta atenção!
    Devia ter um caixa preferencial pra canhotos no Itaú…rs… :p

  13. Isabela Pitanga disse:

    Vou relatar meu trauma… Quando criança, segurava chupeta, mamadeira, o babador e tudo mais com a mão esquerda. Fui crescendo, aprendi a comer sozinha, segurando os talheres com a mão esquerda. Na hora do banho, sabonete na mão esquerda. Escova de dente, na mão esquerda. Assim como a escova de cabelo. E os lápis, canetas, tesouras. E tudo mais… tudo mesmo! Até o dia que minha mãe me viu escrevendo com a mão esquerda e simplesmente me FORÇOU a mudar de mão, ela insistiu exaustivamente, até que acabei me tornando meio destra e meio canhota…
    Moral da história, hoje eu só escrevo com a mão direita, o restante das coisas uso a mão esquerda e por isso me considero canhota.
    Vamos lutar juntos por um mundo não apenas com \"destrices\", muitas canhotices também!
    Abraço Bruno!!

  14. rosalinda nunes disse:

    tenho 58 anos, fui obrigada pela professora na escola a escrever com a direita, em casa me deram presente pra comer na mesa usando a mão direita mas outras coisas que não me viam fazer como pentear cabelo, escovar dentes, cortar papel, etc, sempre fiz com a esquerda, naturalmente. Concordo que em tempos de inclusão, nós tb. merecemos atenção.

  15. Bárbara Oliveira disse:

    Graças a Deus alguém para defender nossa causa!
    No Ensino Médio, na escola em que estudava só tinha carteira para destros, eu sempre derrubava tudo no chão..rsrs
    Todos me zuavam ” Canhota regassada essa daí”!
    Daí surgiu meu apelido “Canhota” que me acompanha até hoje!!! kkkk
    Bruno seu texto é Ótimo!!

  16. Evaristo disse:

    Bruno, tive de ler e reler este seu artigo para poder me posicionar a respeito. Não só pelo fato de eu ser destro, mas pelo tanto que conseguiu extrair de um tema que não é totalmente escondido na vida prática, só que não recebia um tratamento, digamos, objetivo. Nunca olhei torto para os canhotos, no entanto, reconheço que nunca parara para me colocar no lugar de vocês. Deve ser mesmo uma exigência diária de adaptações e (por que não?) uma subversão do sentido destro com que as coisas são pensadas e fabricadas. Como cronista e articulista, você se desenvolve com muita qualidade a cada texto. Continue, e sucesso!

  17. Victória M. disse:

    Todos os canhotos que conheço são pessoas de inteligência e personalidade inigualáveis. Sou destra, e já me peguei muitas vezes imaginando como seria se eu fosse canhota. Houve um tempo que até tentei usar a mão esquerda para escrever, pena que não congui desenvolver tal habilidade. Entretanto, quando como com garfo e faca, sempre uso a mão esquerda pra segurar o garfo, o que faz alguns pensarem que sou “sinistra” hehe Ótimo texto Bruno, abraços!

  18. Adorei, ri demais lendo esse texto!
    Sou destra mas entendo a dificuldade dos canhotos..para escrever então deve ser a pior parte rsrs .
    Adoro, amo seu blog.. Parabéns!

  19. Hime-chan disse:

    Boa noite!

    Achei muito impressionante a estatística acerca da quantidade de mortes anuais de canhotos pela utilização de objetos próprios para destros. Pode me dizer de onde a tirou?

    Obrigada!

  20. Letícia disse:

    Sofro bastante na carteira do cursinho , é pequena e no lado direito. As de canhoto estão em lugares ruins da sala, e não dá pra trocá-las. Mas muitas coisas , como o mouse, prefiro utilizar a mão direita. Sei lá , acostumei. :)

  21. Ana disse:

    Ahhhhh cara, muito legal o texto… Só não gostei de uma coisa… para com a ideia de que Agosto é o mês do desgosto. Com isso você me tornou mais excluída ainda… Sou canhota e nascida em Agosto… duvido nada algum canhoto nascido em Agosto e no dia 13! Hahahahaha :P

  22. Rodrigo Soares disse:

    Sou canhoto, mais me adaptei a usar a mão direita, faço tudo que faria com a mão esquerda sem ter dificuldade nem incomodo , e eu não consigo fazer isto com a mão esquerda kkkkkkk como por exemplo, cortar com uma tesoura, só corto com a mão direita !

  23. Andrea disse:

    Achei que ia falar dos supostos acidentes, frustrada.

  24. ana disse:

    Aproveito a diferença e tento tirar proveito, em cursinho, provas, por exemplo, viro um “pouquinho” o corpo para deixar claro a necessidade de inclusão e também para tirar algumas dúvidas, rsssssssss.



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