O Vencedor

seg, 26/11/12
por Bruno Medina |

Que atire a primeira pedra quem nunca sonhou em ser famoso. Experimentar no cotidiano os mimos e as regalias reservados às grandes estrelas, cercar-se de conforto, sorrisos e privilégios por onde passa e viver os dias como quem flana por uma interminável área VIP. Sonho de muitos, realidade para poucos, diriam os mais sensatos, ou ainda aqueles que não conhecem o ‘Cidade dos Famosos’. O lançamento, de nome sugestivo, é um jogo 100% nacional, desenvolvido para Facebook e concebido aos moldes de Farmville, exceto pelo fato de que, ao invés de plantar abóboras e presentear os amigos com unicórnios, cultiva-se o sucesso. Na prática, o jogador assume o papel de um empresário de celebridades que tem como missão conduzir seus pupilos (modelos, apresentadores, atores, atletas, etc.) ao estrelato. As chances de atingir este objetivo dependem da habilidade para definir estratégias e explorar a cidade virtual onde os personagens buscam as melhores oportunidades para despertar a atenção da mídia, seja dando pinta no shopping, frequentando o point da praia ou deixando-se fotografar pelos paparazzi numa ida ao salão de beleza.

Para escolher as tarefas mais adequadas aos objetivos profissionais de cada um dos aspirantes à fama, é possível contar com o luxuoso auxílio de celebridades do mundo real, ou seja, gente que realmente entende do assunto, tal como a atriz Giovanna Lancellotti, a apresentadora Adriane Galisteu e o hair stylist Antônio de Biaggi. Segundo os responsáveis por ‘Cidade dos Famosos’, a receita para obter êxito foi escolher um tema que se associasse à realidade do país, neste caso, a obsessão generalizada por alcançar a fama. Estão previstas ainda ações promocionais e concursos exclusivos, que propiciam aos participantes acesso a eventos em que terão a possibilidade de sentir-se na pele de um famoso de verdade. Nos próximos meses, estará disponível também uma boutique voltada a oferecer roupas e acessórios para customizar os personagens, e assim aumentar seus apelos diante das lentes. Atualmente, pouco mais de 50.000 usuários estão inscritos no jogo, entretanto a meta dos realizadores é a de que, em 12 meses, sejam nada menos do que 2 milhões de jogadores.

Longe de ser novidade a utilização de games para emular ambientes virtuais de aprendizado, ou mesmo servir como plataformas para captura de potenciais consumidores de produtos ou serviços ofertados na vida real; o que, no entanto, salta aos olhos em ‘Cidade dos Famosos’ é a percepção bastante acertada de seus idealizadores de que a busca incessante pela fama, para muitos brasileiros, assumiu ares de obsessão. Se toda brincadeira tem um fundo de verdade, os flagelos de nossa época estão expostos nas atividades previstas pelo jogo, ou seja, na premissa de que alcançar notoriedade é a justa recompensa para quem, por exemplo, sabe escolher com maestria os lugares que precisa frequentar para ver e ser visto. A fama, portanto, não seria a medalha de ouro ao fim da jornada, o reconhecimento por empenho ou talento, mas sim o objetivo em si, desprovido de qualquer mérito que não o senso de oportunismo. Ok, ok, não é preciso lembrar que trata-se apenas de um jogo sem maiores ambições além do presumível entretenimento, mas não se pode deixar de notar que aí está mais uma evidência do potencial que o tema em questão tem de mobilizar, sobretudo o público mais jovem.

Sempre me intriga a célebre frase – normalmente entoada por uma parente emocionado –  que serve como alento para aqueles que porventura são eliminados dos reality shows.“Fulano é um vencedor”, dizem com voz embargada e lágrimas nos olhos, sem deixar claro exatamente o porquê do elogio. A mim parece que a vitória a que se referem é a de, em meio a milhares de inscritos, terem conseguido atrair a atenção dos selecionadores do programa, ou então por terem sabido deixar prevalecer suas melhores porções na frente das câmeras. Seja por qual razão for, a convicção de que muitos são os que pensam dessa maneira respalda minha certeza de que ‘Cidade dos Famosos’ possui todos os elementos para transformar-se num enorme sucesso. E quem duvidaria disso?

A Vingança dos Nerds

seg, 19/11/12
por Bruno Medina |

Se durante os anos 80, assim como eu, você já tinha idade suficiente para brincar de ‘Salada Mista’, rir das piadas do ‘Viva o Gordo’ e sentir borboletas voarem no estômago por um alguém especial da classe, é bastante provável que o termo ‘nerd’ lhe soe como um xingamento. Agradeça ao diretores de Hollywood, que naqueles idos obcecavam-se pelo arquétipo do (anti)-herói franzino e branquelo, porém inteligente e sensível. Apaixonado por ciências, membro de uma fraternidade apinhada de BVs (bocas virgens) que se vestiam com as roupas dos avôs, colecionavam insetos peçonhentos e programavam excêntricos micro-computadores, este assíduo personagem era nada menos do que o estereótipo do fracasso.

Entre ele e seu maior rival, o jogador do time de futebol americano da escola, não havia intermediários; separados por uma linha imaginária que cortava ao meio o refeitório e legitimava o antagonismo entre dois grupos, cada qual, em seu território, enxergava no outro uma ameaça constante, seja pela falta de músculos ou de cérebro. Na maioria dos casos os nerds acabavam se tornando os campeões morais da disputa, muito embora fosse difícil acreditar que na vida real alguém com aquele conjunto de características conseguisse sobreviver sequer a uma volta pelo quarteirão.

Mas, quando os anos 90 chegaram, os dilemas retratados nos filmes adolescentes norte-americanos eram outros. Ter um laptop sobre a escrivaninha não mais denotava solidão ou esquisitice, muito pelo contrário, afinal, graças a sujeitos como Steve Jobs e Bill Gates – e ao império multibilionário que construíram – os computadores haviam se tornado de fato populares. O mundo preparava-se para surfar a era digital, uma onda, diga-se, que muito se atribui a genialidade destes dois incontestáveis embaixadores da filosofia nerd. De repente, era como se cada um daqueles caras que na década passada haviam sido espezinhados por seus hábitos e aparências peculiares se transformassem em potenciais candidatos a repetir a história de fama e fortuna protagonizada por Steve e Bill.

De acordo com um artigo recém publicado pela BBC News, o reflexo desta ‘nerdificação’ da sociedade começou a ser percebida em meados dos anos 2000, quando o termo assumiu uma conotação neutra, sendo paulatinamente substituído pela expressão ‘geek’, utilizada para referenciar conhecimento abundante e específico sobre determinado tema, mas sem caráter pejorativo. Nos dias de hoje, é comum, inclusive, observar um certo ‘orgulho geek’, sinal dos tempos de uma época em que Mark Zuckerberg redefine o conceito de sociabilidade para toda uma geração, e que, nos cinemas, roteiros adaptados de histórias em quadrinhos arrebatam bilheterias estratosféricas, enquanto, na TV, Sheldon Cooper reina como ídolo absoluto em ‘Big Band Theory’.

A tendência sugerida pela involuntária limpeza terminológica dos nerds, acreditem ou não, tornou-se a bandeira a ser hasteada por um movimento sueco que reivindica a correção da palavra nos dicionários. Como sempre, há quem discorde. Nos fóruns de discussão sobre o tópico na web é possível encontrar integrantes da tribo que consideram ter havido uma banalização do termo: o que antes designava alguém apaixonado e muito bom em determinado assunto (ainda que fosse literatura guatemalteca ou ciclo de vida das libélulas), atualmente faz referência a aspectos culturais transitórios e irrelevantes, tais como usar um estilo de roupa, frequentar lugares específicos ou assistir a certos programas. Seriam o geeks de hoje uma versão aguada dos nerds de ontem?

Sobre o intrigante ressurgimento dos nerds como heróis tardios, o célebre novelista norte-americano William Gibson sentenciou: “esses caras que eram bons em futebol perderam seus empregos, enquanto aqueles que não eram bons em futebol e podiam ter dificuldade em arrumar namoradas quando eram adolescentes, mais do que ganhando muito dinheiro, estão mudando o mundo”.

Se isso for mesmo verdade, quem será que está rindo de quem agora?

Quando Escolher Não é uma Opção

seg, 12/11/12
por Bruno Medina |

Provavelmente você, que me lê agora, em alguma ocasião passada já deve ter ouvido ou mesmo citado um conhecido provérbio que diz: “na vida, tudo é uma questão de escolha”. A despeito de suas várias interpretações, a frase costuma ser empregada quando o intuito é destacar a relação de causa e efeito inerente ao exercício do livre arbítrio, em outras palavras – ou, se preferir, em ditados mais explícitos – a máxima equivale ao bom e velho “aqui se faz, aqui se paga”. Há ainda pelo menos mais um significado menos usual, correspondente a crença de que, por mais desfavorável que seja um determinado contexto, existe sempre uma opção a ser feita. Isso, no entanto, está longe de ser verdade. Desculpe se a inesperada revelação abala uma convicção sua, mas, convenhamos, fartos e incontestáveis são os indícios de que, muitas vezes, nosso destino é selado por uma imposição do acaso, e a única escolha passível de ser feita, aceitá-la.

Um exemplo? O assento do meio. Nunca na história da aviação civil ou da humanidade houve um infeliz sequer que tenha espontaneamente optado por sentar entre duas outras pessoas, ainda que sejam conhecidas suas. O assento do meio de um avião é como o fedelho zarolho que completa o time da pelada, o café solúvel, um dia de férias no escritório do pai, o sorvete sabor napolitano, a roupa herdada do irmão mais velho, o talher de plástico, a amiga da namorada do amigo, a vista pra a área interna do prédio, o carro de fabricação chinesa, o troco em balas, a cerveja sem álcool, ou seja, é o que deu pra arrumar, foi o que sobrou. A essa altura o leitor mais atento começa a desconfiar que o texto é inspirado por uma situação real. Bingo! Digamos que a escolha do tema reflete a frustração de perceber que eu estava entre os 4 últimos (e relapsos) passageiros de um Boeing que deixaram para marcar seus assentos em cima da hora, ainda que a viagem só ocorra daqui a 2 meses.

Como é possível observar no mapa da aeronave, existe ainda um assento disponível no corredor, mas em frente a porta do banheiro, o que não se configura exatamente como uma opção a ser considerada. Na prática, isso significa que pelos próximos 60 dias tudo o que me resta fazer é imaginar os pormenores das 10 horas que poderei passar espremido entre um gringo obeso que sofre de flatulência, baba e ronca feito um javali e uma muambeira brasileira, que não dorme porque tem medo de avião e que adora compartilhar em detalhes as peripécias dos netinhos. Posso até antever a hesitação no momento de ir ao banheiro: pular as pernas gorduchas e esparramadas à esquerda ou pedir licença à direita, correndo o risco deste ser o mote que faltava para iniciar uma conversa duradoura? Pois quando o responsável por projetar aeronaves comerciais de grande porte criou o assento do meio, não satisfeito em sugerir que seres humanos experimentassem a insólita sensação de confinamento das sardinhas industrializadas, este verdadeiro sádico resolveu também subtrair os braços das benditas poltronas. É como se dissesse, “já que não vão conseguir se mexer mesmo, qual o sentido de apoiarem os braços? Para se escorar podem contar com o ombro dos companheiros de fileira, dá quase no mesmo e não nos custará nenhum centavo a mais! ”.

Podem me chamar de sonhador, mas o justo seria que as companhias aéreas se conscientizassem de uma vez do calvário destes desafortunados passageiros, oferecendo-lhes alguma forma de compensação pela falta de sorte, habilidade ou de antecedência ao reservar seus assentos. Claro que nem se cogita que o agrado fosse de ordem financeira, tal qual um desconto na tarifa – porque aí não seria sonho, seria delírio. Pensei em algo simples, tipo, ao invés de uma, ganharem duas barrinhas de cereais, concorrerem ao sorteio de uma barraca de praia ou, sei lá, receberem uma sessão de massagem da aeromoça. Reparem que o importante aqui não é o prêmio em si, mas sim dar a estes pobres diabos a ilusão de que possuem alguma escolha. Felizmente esse não é o meu caso, afinal, ainda me resta uma escolha a fazer: optar pela assento do meio na fileira 38 ou na 40.

Tem, mas acabou

seg, 05/11/12
por Bruno Medina |

Que atire a primeira pedra quem nunca se sentiu à beira de um ataque de nervos durante uma crise de TPN. Eu mesmo vou confessar que no último final de semana cheguei a ter calafrios enquanto caminhava pelos corredores de um shopping, só porque cruzei a vitrine de uma daquelas imensas lojas de departamento. A fim de evitar que a iminente dor de cabeça se instalasse de vez, sentei na mesa de um café e pedi uma água, mas o tiro acabou saindo pela culatra; a atendente que me abordou ostentanva no topo da cabeça um daqueles cintilantes e felpudos gorros vermelhos, sem mencionar, é claro, seu irritante sorriso, que mais parecia ter sido congelado pela neve artificial que adornava as bordas do balcão. A essa altura já me dava conta de que luzinhas pisca-pisca, guirlandas e toda sorte de enfeites e penduricalhos natalinos haviam silenciosamente se apoderado não só daquele lugar, mas também da minha perspectiva em relação ao resto do ano. Se este é um sentimento que de alguma forma lhe soa familiar, pode estar certo de que você é mais uma anônima vítima da “Tensão Pré-Natal”.

Neste instante, aposto que os leitores assíduos do blog poderiam jurar que a síndrome é mais uma das minhas invencionices. Asseguro não ser o caso, podem pesquisar no Google, ela de fato existe. Muito embora a identificação tenha sido plena, é recente a descoberta de que este mal, que há muito me acometia, era conhecido pela ciência, e que tantos outros, como eu, padecem da doença. Entendam que não seria correto simplesmente afirmar que as vítimas da TPN odeiam o Natal. Não é nada disso! Na verdade o que lhes causa angústia é esta injustificável antecipação da data, bem como a consequente sensação de que o ano já terminou, e que estes dois meses que ainda restam nada mais são do que encheção de linguiça. Um exemplo? Não faz muito tempo eu me via às voltas com a tarefa de comprar brinquedos para meus filhos, no dia da crianças – corrijam-me se eu estiver errado, foi ou não foi outro dia?! Continuando: tranquilo e feliz eu fazia planos, vivia a vida sem pressa, tudo caminhava bem. Se mais da metade do ano tinha passado, havia muito ainda a ser feito até o fim de dezembro. Um curso, uma viagem curta, quem sabe?

Bastou aparecer o primeiro presépio na loja de sucos, o primeiro Papai Noel de pelúcia na gôndola do supermercado, a primeira arvorezinha de Natal na sala de espera da dentista para que eu constatasse que estava irremediavelmente atrasado. Não mais do que de repente, fui tomado pela impressão de que 2012 se fechava para mim como um daqueles portais que obrigam o Indiana Jones a rolar pelo chão para não ser esmagado. Agora, o ritmo é outro, amigo, porque a contagem passou a ser regressiva. Foi-se o tempo de hesitar, de refletir sobre as opções, de ouvir o seu ‘eu’ interior. Os planos ficaram para trás, porque é chegado o momento de priorizar e resolver as pendências. Os presentes, não é melhor comprar logo e evitar tumulto? Réveillon, viajar ou fazer festa em casa? A goteira da área de serviço, manda consertar essa semana ou vai ficar pro ano que vem? Será que o pedreiro já entrou em recesso??

Como se isso não fosse suficiente, vocês vão ver, a partir dessa semana começa aquele papo de amigo oculto, almoço de encerramento, confraternização de fim de ano, coral de não sei quem, e todas as possíveis variáveis destes tópicos. “É só não embarcar na paranóia”, mentalizam os que sofrem de TPN nos momentos de maior desespero, pouco antes de repetirem para si mesmos em frente ao espelho o mantra “o ano ainda não acabou, o ano ainda não acabou…”. Este ritual costuma surtir efeito, pelo menos até o porteiro do prédio esfregar no seu nariz a temida ‘lista da caixinha’, aquela que sempre se inicia com a assinatura da idosa carente que, através de uma generosa doação, se redime dos favores que pede ao longo dos meses. Não me espantaria se num futuro próximo as benditas ‘caixinhas’ começassem a pipocar logo depois das Festas Juninas. Aliás, façamos melhor, fica aqui minha sugestão para que em 2013 o Natal emende com o Carnaval logo de uma vez. Sim, afinal qual é o sentido de existir janeiro, se o ano só começa mesmo depois da Festa Momesca?

Funcionaria assim: você iria pra a ceia já fantasiado, porque depois de meia-noite começaria oficialmente a programação de blocos de rua. Os desfiles das Escolas de Samba ocorreriam entre os dia 26 e 28, sendo dia 29 uma espécie de quarta-feira de cinzas, e dia 30 enforcando, porque 31 é Réveillon, né? Tenho dúvidas se a adoção do novo calendário surtiria algum efeito sobre a turma da TPN. Ao menos sob o viés da saúde pública a medida evitaria a expansão de uma outra síndrome, ainda não categorizada, mas que a cada ano faz um número maior de vítimas. Claro que estou falando da TPC, a ‘Tensão Pré-Carnaval’.



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