O Príncipe e o Mendigo

seg, 22/10/12
por Bruno Medina |

Ao longo da semana que passou, confesso que não pude deixar de acompanhar a epopeia do tal “Mendigo Gato”. Ainda que, em linhas gerais, o enredo deste factóide tenha assumido contornos bem semelhantes a outros tantos que de quando em quando tomam de assalto as manchetes, um aspecto específico torna a história peculiar: o termo “Mendigo Gato”. Reparem que a forma quase caricata de se referir a Rafael Nunes, digamos, o homem por trás do fenômeno, é, no mínimo, um tremendo atenuante, uma maneira, possivelmente involuntária, de conceder leveza e ludicismo à tragédia da vida real.

Rafael vivia nas ruas de Curitiba porque era dependente de crack, e só se pode imaginar quanto sofrimento essa condição deve ter causado a sua família e a ele próprio. Todos sabemos o que na prática significa ter a vida atropelada por este vício, conhecemos os relatos, as cenas deploráveis exaustivamente exibidas nas reportagens televisivas, e temos plena consciência da ferida aberta que há em cada cidade onde existe uma cracolândia. Isso é, sem dúvida, aterrador.

Mas o que será que difere Rafael dos demais consumidores de crack? O que faz dele objeto de tamanho interesse, a ponto de torná-lo o tema mais comentado da semana na web? Por certo não é a solidariedade despertada por seu drama, que nada tem de inédito ou particular, talvez exceto pelo fato de que, apesar de todos os percalços pelos quais provavelmente passou, Rafael ainda é um cara bonito. Sua beleza é, portanto, uma afronta à racionalidade, afinal, trata-se de um dependente químico, uma pessoa doente, e esse é o paradoxo retratado na fotografia que não por acaso o transformou em celebridade instantânea.

É mais ou menos aí que surge o “Mendigo Gato”, uma espécie de recriação fantástica do Rafael; como se estivéssemos num musical da Broadway, eis que entra em cena nosso charmoso protagonista, um sujeito que forjou nas ruas seu savoir fare, que sobrevive às custas da benevolência feminina, e que se diverte com isso. Nada nele é indigno ou degradante, tudo nele é mistério e sedução. Aí está uma história que merece ser compartilhada, sobretudo porque encontra-se a quilômetros de distância dos muquifos imundos e apinhados de viciados que se formam atrás dos tapumes de obra ou debaixo dos viadutos das grandes cidades, lugares que Rafael possivelmente frequentou. Das mazelas de Rafael Nunes, no entanto, ninguém quer saber, elas não rendem sequer uma linha no Facebook, mas já as do “Mendigo Gato”…

Neste último sábado foi noticiado que, após ter sido localizado pela família, Rafael havia finalmente aceitado se internar numa clínica de reabilitação. Final feliz? Creio que não ainda, porque este simplesmente não parece ser um desfecho a altura da curiosidade despertada por este caso. Porque não vamos nos conformar em esperar meses para ter notícias de seu estado, queremos já conhecer o interior da clínica, os médicos da equipe, seus colegas de tratamento, sua família e, claro, ouvir o que ele tem a dizer de tudo isso. Será que vai retomar a carreira de modelo? Será que vai participar de um reality show? Será que toparia arrumar uma namorada através de um programa de auditório? O tempo irá dizer. Ao deixar a clínica, a despeito do assédio ao qual será submetido, Rafael terá uma importante escolha a fazer, quem sabe até a mais importante de toda sua vida. Esta se resumirá a decidir se dali pra frente deseja seguir como Rafael Nunes ou como o personagem que lhe foi imputado. Mendigo ou príncipe?

No Final do Arco-Íris

ter, 16/10/12
por Bruno Medina |

Quando se tem em perspectiva a carreira do Radiohead, ‘In Rainbows’, 7o disco lançado pela banda, do ponto de vista artístico, não chama realmente muita atenção. Me arriscaria até a afirmar que a produção não figura nem no top 5 da maioria dos fãs do quinteto, muito embora não lhe faltem credenciais para ser apontado como um dos álbuns mais relevantes da história da música mundial. Em outubro de 2007, vocês devem se lembrar, Thom Yorke e sua turma provocaram um fuzuê sem precedentes ao anunciar que seu novo trabalho poderia ser baixado pela internet em troca do valor que cada consumidor estivesse disposto a pagar, ainda que fosse zero. Divisor de águas para a indústria fonográfica ou apenas uma jogada de marketing estrelar isolada, sem maiores desdobramentos? Essa é a questão proposta pela tradicional revista britânica New Musical Express em sua mais recente edição; passados 5 anos do lançamento, qual foi a contribuição capital de ‘In Rainbows’ para o futuro da música?

Bem, essa não é mesmo uma análise simples de ser feita, então quem sabe alguns números não ajudem a destrinchá-la: de acordo com as estatísticas oficiais, um ano após ser disponibilizado para download, o disco havia sido comprado 3 milhões de vezes, incluindo aí o formato digital, o CD convencional e a edição especial, para colecionadores. Apesar de 62% das vendas não terem sido remuneradas, o valor total arrecadado pelo grupo, por mais inverossímil que pareça, superou o que fora alcançado nas vendas convencionais de todos os discos anteriores juntos. Ou seja, oferecer o álbum, ainda que de graça, constituiu-se como um excelente negócio porque potencializou o interesse de um público muito maior, permitindo que a banda experimentasse níveis até então inéditos de popularidade. Ponto para Yorke e cia, afinal nem é preciso observar que havia poucas garantias quanto a viabilidade comercial da empreitada, o que pode ser constatado através de declarações como a que, à época, foi dada por Gene Simmons do Kiss: “eu abro uma loja e digo ‘venham e paguem o quanto quiserem!’. Vocês fumaram crack? Acreditam que esse é um modelo de negócio que funciona?”.

Será que ele ainda pensa assim hoje? Portanto aí está o primeiro grande legado deixado por ‘In Rainbows’: a comprovação prática de que vale a pena buscar maneiras legais alternativas à pirataria. Ainda que a proposta não sirva para todo e qualquer artista, aí está uma ideia que merece reflexão e que, sem dúvida, está evoluindo para um formato bastante mais adequado no que se refere à comercialização de obras artísticas em tempos atuais. Não se deve também deixar de reconhecer a estreita relação que existe entre a corajosa iniciativa do Radiohead e a proliferação de projetos musicais financiados via crowdsourcing que veio a reboque a partir de então. Recentemente, inclusive, a crítica musical especializada encontrou reflexos tardios do conceito lançado pela banda britânica há 5 anos na campanha iniciada pela cantora Amanda Palmer em prol de gerar fundos para gravação de seu próximo álbum. Nada menos do que 1,2 milhões de dólares já foram doados, o que tem levado muita gente a concluir que o montante extrapola consideravelmente os custos habituais de produção de um disco, colocando em xeque a legitimidade do próprio modelo de arrecadação. Concordem ou não com ele, ao menos a bola continua em jogo.

O segundo grande legado deixado por ‘In Rainbows’ diz respeito à classe artística. Em 2007 evidenciava-se neste grupo a impressão de que, ao permitir que seus discos fossem vendidos por qualquer preço, uma banda com o poder de influência que tem o Radiohead estaria transmitindo uma mensagem perigosa aos consumidores, a de que não existe de fato preço mensurável para um conjunto de músicas. O resultado obtido pela experiência, no entanto, pode ser encarado como uma conquista bastante positiva para o meio, visto que, assim como houve quem não desse um tostão sequer pela gravação, outros tantos pagaram até mais do que costuma custar um disco, sobretudo pelo desejo de apoiar a proposta de democratização da obra. De novo, ponto para Yorke e cia. Para as bandas menos conhecidas – aquelas que supostamente seriam esmagadas pela visão de que a produção musical passou a valer quase nada a partir da virada para o século XXI – uma valiosa lição: mais do que em qualquer outra época, tornou-se imprescindível atualmente para qualquer artista que pretenda viver de sua música conhecer os anseios e estar em constante contato com seu público. A verdade é que, por mais que se tente caminhar numa única direção, as evidências indicam o contrário, que o futuro da indústria musical parece mesmo apontar para a ausência de uma fórmula do sucesso que seja homogênea. ‘In Rainbows’ foi o formato que funcionou para o Radiohead, e essa é apenas um dentre incontáveis possibilidades.

Mano Velho

seg, 08/10/12
por Bruno Medina |

Não sei se alguém se deu conta – se é que alguma vez alguém se importou com isso de fato – mas, em menos de 15 dias, queiram ou não, milhões de brasileiros estarão novamente submetidos ao controverso Horário de Verão. Tempo de economizar Gigawatts em nome do progresso, de se embananar com o ajuste dos relógios (atire a primeira pedra quem nunca), de reclamar por ter que acordar antes do dia amanhecer e de assistir na TV as infalíveis reportagens sobre os efeitos nocivos da mudança de horário em nossos cérebros. Nestes dias de calor intenso e de pores-do-sol que invadem as noites, um personagem em especial se destaca; apesar de pouco lembrado durante o resto do ano, em breve ele estará no centro das atenções, jogando luz sobre a enorme influência que exerce na vida que cada um de nós têm, ou que consegue ter. De quem estou falando? Do relógio biológico.

Do meu, especificamente. Pois sempre que penso neste meu velho amigo de tantas rusgas, lembro-me de ‘Sobre o Tempo’ do Pato Fu (Tempo, tempo, mano velho/Falta um tanto ainda, eu sei/Pra você correr macio…) e de um filme produzido no século passado, que alguns de vocês devem ter assistido na Sessão da Tarde, ‘Feitiço de Áquila’. A narrativa gira em torno de um homem e uma mulher amaldiçoados por um bruxo ciumento, e de sua tentativa de promover o eterno desencontro do casal transformando-os, em períodos alternados do dia, em lobo e águia, respectivamente. Devo dizer que a parábola retrata com bastante fidelidade no que consistiu minha vida social até então, sim, porque meu relógio biológico começa a funcionar cedo, muito cedo. Portanto, meu amigos, não importa quais sejam as condições, independente da hora em que eu vá me deitar, no dia seguinte estarei de pé com as galinhas. A festa foi boa e esticou até o amanhecer? Nada de sono reparador, no máximo às 7h estarei de olhos abertos, pronto para encarar um novo dia… feito um zumbi. E não adianta apelar para a razão, alegar que é domingo, que está chovendo, que todo mundo está dormindo ou mesmo que efetivamente não há nada para se fazer além de abraçar o travesseiro. Meu relógio biológico é pouco dado a negociações e, por temer sua conhecida inflexibilidade, evito desafia-lo. A única exceção que posso citar foi um Carnaval em 2004, quando acordei às 11h com os chamados aflitos de um parente pensando que eu tivesse morrido.

Mas não pensem que há apenas desvantagens. Por exemplo, insônia, de ficar fritando de um lado para o outro na cama, nunca tive, muito menos dificuldades em levantar de manhãzinha para ir à escola, aliás, acho que nunca dormi em sala de aula. Também se o programa for diurno, tipo, aproveitar o sol e a natureza, pode apostar que serei um dos mais empolgados do grupo, respondendo o ‘bom dia’ do guia turístico com invejável entusiasmo. Se eu gosto de ser desse jeito? Depende. Para cair na estrada com o Los Hermanos é um sufoco, para dar conta da energia dos filhos assim que acordam, uma benção. No mais, reclamar do relógio biológico tem a mesma validade de se queixar da própria altura. Seria mais ou menos como perguntar ao Aquaman se ele está ou não satisfeito com seu super-poder de se comunicar telepaticamente com animais marinhos; claro que ele pode se sentir um pouco frustrado ao se comparar com o Super-Homem, que tem a super-velocidade, visão de raio-x e pode voltar o tempo voando ao redor da Terra, mas e daí? Adianta alguma coisa? A grama do vizinho é sempre mais verde e, neste caso, não é diferente.

Ao invés de me bater contra uma característica que dificilmente irá mudar, prefiro abraça-la e reconhecer que trata-se de uma tendência contra a qual não vale a pena lutar, um traço muito arraigado em ambos os lados da minha família, que na prática determina nos falarmos ao telefone antes das 8h, inclusive nos finais de semana. Parece estranho, eu sei, mas depois de alguns anos eu juro que é possível se acostumar. Se o bruxo do ‘Feitiço de Áquila’ quisesse me amaldiçoar tenho certeza que me transformaria numa coruja. Imagina ter que passar a noite toda acordado e virando o pescoço daquele jeito? Não tem castigo pior. Se bem que virar um golfinho e depender do Aquaman para conversar com meus parentes por telefone antes das 8h seria punk…

Outras Palavras

seg, 01/10/12
por Bruno Medina |

Um gesto vale mais do que mil palavras, é verdade. Sobretudo as que você não quer, está com preguiça ou mesmo não sabe proferir. Não duvide que, por estas razões, ao longo de sua existência a espécie humana tenha estabelecido sinais de comunicação não verbais, estes que, segundo a ciência, correspondem a mais da metade de toda a informação transmitida entre indivíduos. Refletindo sobre a incontestável relevância dos gestos cotidianos, dos pequeninos e imperceptíveis aos grandiosos e carregados de significância, evidencia-se que a evolução dos sinais com frequência não acompanha o ritmo das transformações ocorridas na sociedade. A seguir, uma cartilha concebida por mim, fruto da observação de lacunas nas interações do dia a dia, criada com o objetivo de estreitar a comunicação entre as pessoas que vivem no século XXI.

Momento Instagram – A mão esquerda representa a tela do smartphone e o dedo indicador direito simula o clique no botão que dispara a foto. Esse gesto pode ser muito útil, por exemplo, numa boate em que a música esteja alta e você queira sugerir a alguém, do outro lado do salão, o registro fotográfico do drink exoticamente decorado e ridiculamente caro que você está bebendo; das canelas a mostra que revelam as meias zebradas de amarelo e roxo da hipster sentada no sofá querendo impressionar; do close desfocado nos semblantes alcoolizados do grupo de amigos dançando ‘Gangnan Style’ na pista, ou de qualquer outro clichê visual que se justifique através da aura mística concedida pela escolha de um bom filtro.

Dá um Google nisso – As mãos unidas em círculos fazem menção as duas letras ‘o’ que no logo da famosa ferramenta se multiplicam sinalizando a infinidade de resultados encontrados para uma determinada busca. Uma leitura mais atenta sugere também as lentes de um binóculo, objeto comumente associado à ideia de investigação. O gesto cai como uma luva nas situações em que uma boa pesquisada na web faria toda a diferença, tipo quando, no shopping, na frente do vendedor, você fica sem jeito de falar para sua namorada ­– já tirando o talão de cheques da bolsa – que os tênis que ela pretende comprar estão anunciados pela metade do preço em outra loja. Feito com o devido cuidado, o gesto elimina a necessidade de empregar desculpas esfarrapadas como “vamos ali apanhar minha avó na praça de alimentação e já voltamos pra fechar negócio”.

Te mando por torpedo – Os dedos polegares em riste fazem menção ao ato de digitar uma mensagem no teclado do telefone, e é na simplicidade que está a beleza desse gesto. Existem muitas aplicações possíveis, mas sem dúvida a principal delas é sugerir a alguém o bom senso quando uma informação indiscreta está preste a ser revelada em público. Sua utilização sucede perguntas do quilate de: “quanto você disse que estava pesando semana passada?”, “amor, qual é mesmo a nossa senha eletrônica do banco?”, “lembra quantos pontos você fez naquele teste de Q.I?”, “a pomada que você está passando, é pra que mesmo?” e por aí vai.

Tá bombando no Youtube – Na mão esquerda o ‘Y’ (não confundir com o ‘V’ de Vitória), na direita, o sinal de positivo, comunicando com agilidade uma expressão que se torna a cada dia mais corriqueira e que tem a função de eliminar na raiz uma série de questionamentos absolutamente inúteis. Sim, porque quando um vídeo que está bombando no Youtube é mencionado, na maioria absoluta dos casos pouco se sabe sobre os autores ou o contexto da proeza, o que, alias, quase sempre não importa, visto que o dado mais relevante é que ali está algo que merece ser assistido, ponto final. Quando aplicado, o gesto funciona como um bloqueio no vôlei, uma materialização do impedimento, ou tão somente o sinal de que você não sabe ou não vai dizer o nome da banda, o país em que ocorreu o acidente, se o gatinho age sempre daquele jeito ou se foi sorte terem filmado naquele dia ou se a pessoa que fez a gravação morreu ou ficou ferida. ‘Y’ numa mão e ‘okeizinho’ na outra é a tradução para “não me pergunte mais nada sobre esse assunto”.

Depois te passo o link – Pode ser que tenha ficado um pouco difícil perceber a partir da foto, mas a correta realização do gesto demanda que o indicador da mão esquerda esteja girando – assim como no tradicional sinal de ‘depois’– enquanto o da direita aponta para cima, em alusão ao campo que em qualquer dispositivo se destina à digitação da url que se deseja acessar. A bem da verdade, esse gesto é praticamente um apêndice do anterior, e é fácil de entender o porquê, afinal passar o link que está bombando no Youtube torna-se a contrapartida compulsória para o fato de você não querer ou não saber falar nada a esse respeito. Por vezes, o gesto é utilizado para atenuar uma situação que ficou desconfortável, uma espécie de prêmio de consolação para o sujeito que acabou de ter seus questionamentos bloqueados, muito embora o uso original pensado tenha sido saciar a ansiedade dos presentes sem interromper o fluxo do orador quando este menciona algo incrível na web que todos ficam loucos para conhecer também.

Só conheço da web –  Apesar de parecer sinal de gangue ou algo que de alguma forma remete à atividade criminal, a aplicação desse gesto é imprescindível nos dias de hoje. O ‘W’ da mão esquerda representa a web, e a mão direita espalmada, a típica expressão gestual que comunica ‘fazer o que?’. Não entendeu a utilidade? Eu explico: imagine-se numa festa, conversando com, digamos, o alvo do seu interesse, quando chega um sujeito demonstrando estar muito entusiasmado em encontrá-lo (a), botando a mão no ombro dos dois e contando alguma história que vocês não têm nenhum interesse em ouvir. Constrangido (a) pela situação, você nota a expressão de pavor no rosto de seu/sua acompanhante, mais ou menos ao mesmo tempo em que se dá conta de que conhece aquele prego do Facebook, ou algo assim. O gesto “só conheço da web” é, portanto, uma aliviada de barra instantânea e providencial.

 

Será que esqueci de algum gesto? Se você souber da existência, ou mesmo tiver criado algum que se encaixe na lista acima, por favor, compartilhe através da sessão de comentários!



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