Nariz de Palhaço Style

seg, 17/09/12
por Bruno Medina |

Foi na terça passada, se não me engano, que descobri por acaso o ‘Gangnam Style’. Para quem ainda não sabe a que me refiro, trata-se de mais um daqueles vídeos pitorescos que se espalham pela web feito fogo em mato seco, algo como o Nissim Ourfali (alguém ainda se lembra?) dessa semana, só que em escala mundial. Tão logo terminei de assistir ao engenhoso videoclipe de PSY – rapper sul-coreano e provável criador da dancinha estilo equitação imaginária que arrebatou mais de 170 milhões de hits – o próprio Youtube me deu a dica de como continuar minha jornada rumo ao entendimento da proporção que a novíssima febre de pop asiático já havia tomado: lá estava o aparvalhado sujeito no palco do The Ellen DeGeneres Show, introduzindo Britney Spears nos passos que o consagraram. Depois disso, o que esperar? Eu apostaria numa onda de traduções do hit (o Latino gravou uma versão em português), quem sabe a participação de PSY no videoclipe de algum pop star norte-americano, e na tentativa de um segundo single, bem na linha do primeiro; essa música possivelmente soará como piada velha, o que conduzirá o artista e seus ternos multicoloridos de volta ao país de origem com a velocidade de um trem bala, onde passará meses peregrinando por poltronas de programas de auditório, dividindo com os conterrâneos os pormenores de sua efêmera fama planetária. Até aqui nada de novo, eu sei.

Mas o que motiva este post não é mesmo divagar sobre as probabilidades do cantor de K-pop engatar uma carreira internacional consistente, e sim colocar em perspectiva o seu sucesso em comparação, por exemplo, ao alcançado pelo Sex Pistols. Calma, eu explico: a impensada analogia foi o tema dominante da entrevista que a Revista Wired fez com William Gibson, um dos autores de Punk: An Aesthetic, livro recém-lançado que discorre sobre a forma como este estilo transformou a produção cultural do final da década de 70 em diante, influenciando inclusive as gerações mais atuais. Segundo Gibson, o Punk teria sido o último movimento pré-digital de contracultura a eclodir, e foi justo isso que o levou a cogitar como Sid Vicious e seus colegas de banda seriam recebidos pelo público caso se lançassem nos dias de hoje.

Então façamos o hipotético exercício de imaginar um 1977 no qual o Youtube existe. Você estaria lá, curtindo seus vídeos do ABBA e do The Carpenters quando um amigo te indicaria uma nova banda bizarra, uns caras de cabelo engraçado que cospem na câmera, dançam como se estivessem tentando se livrar de camisas de força, que usam cadeados no pescoço e jaquetas pespontadas de espinhos metálicos. Na visão de muitos seria o meme do dia, não muito diferente do que ocorreu com ‘Gangnam Style’. Mas em 1977, sabemos, não havia mp3, Youtube, Facebook ou MTV, apenas discos em vinil, fitas cassete e zines diagramados a mão, que eram mimeografados (pesquisar ‘mimeógrafo’) e enviados aos interessados pelo correio. Divulgar uma banda alternativa nessa época era uma tarefa que exigia tempo e dedicação, afinal poucos recursos estavam ao dispor além do boca a boca, diga-se, quando e-mail, celular ou SMS ainda não haviam sido inventados.

Seguindo o raciocínio, em 1977, ouvir Sex Pistols no Brasil, ou mesmo em qualquer outro lugar que não fosse o Reino Unido, era privilégio exclusivo daqueles que porventura tivessem viajado à Terra da Rainha e trazido na bagagem o disco como souvenir, ou ainda dos amigos mais próximos destas pessoas, escolhidos a dedo para desfrutar de uma seleta audição. Neste contexto, a estima pela produção artística construía-se lentamente, em etapas, sempre partindo de uma interação pessoal e, portanto, muito mais significativa. A extensão do processo permitia a maturação da obra e de seus autores e, de certa forma, servia como um eficiente teste de relevância, bem diferente do que ocorre atualmente, quando uma quantidade infindável de conteúdos de toda sorte se revezam por nossas telas todos os dias. Para quem está do outro lado, a questão é como se diferenciar em meio ao oceano de apelos. Como conquistar 3 minutos que sejam de atenção? E esse era o meu ponto: talvez a maior diferença entre 1977 e os dias atuais resida no fato de que hoje a mensagem está subordinada ao meio, e não o contrário, e isso, invariavelmente, afeta a maneira com que percebemos tudo ao redor. Fosse eu um pessimista, vislumbraria um mundo em que o nariz de palhaço é peça imprescindível a uma causa, seja ela de que natureza for. Mas não que isso já esteja acontecendo agora, ok?

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6 comentários sobre “Nariz de Palhaço Style”

  1. Gabriel Neves disse:

    muito bom!!!

    Nos anos 90 tambem ocorreu aquele fênomeno do grunge com o Nirvana, Pearl Jam, e.t.c… moda do rock de seatlle..
    mas acho que os anos 90 eram a transição da era “pré-digital” para a “digital”…

    imagina então se houvesse youtube na época dos beatles.. se eles já causaram tudo aquilo sem tecnologia… hahaha

  2. É isso aí, Bruno! O funcionamento do meio é que toma a frente ao conteúdo. Se McLuhan vislumbrou isso nos anos 60, hoje o que temos é a saturação, em paródias grotescas, de sua ideia. E pensar que na faculdade havia professores que afirmavam categoricamente que McLuhan estava errado, e que sua visão era acrítica. Ainda pensa-se muito pouco hoje em dia. Instigado por seu texto, fui me inteirar do que é o “Gangnam Style” e assisti ao clipe do PSY. O contador do YT registra pouco mais de 212 milhões de acessos. Seria fácil, diante do número, julgar que há pelo menos 212 milhões de internautas banais e bobo-alegres no mundo. Mas, de fato, temos de considerar seriamente que uma parte acessou para ver do que se trata, e pensou: “Mais uma bobagem!’, e não dará mais atenção a isso, como foi meu caso também.

  3. Luíza Barreto Boechat disse:

    nossa, bruno! que legal descobrir que vc é colunista aqui.
    você escreve de um jeito tão sincero, singelo e, ao mesmo tempo, com tanta maestria, que é muito gostoso ler o que vc tem pra dizer. adorei seu espaço e o conteúdo dele!
    por mais que eu só tenha descoberto o blog agora – BEM tarde – acho que mesmo um tanto atrasada, minha admiração não deixa de ser legítima. heheh…
    essa página já vai pros meus favoritos!
    um grande beijo!

  4. matheus disse:

    O PSY foi produzido para queimar de uma vez no fogo da mídia , creio que a intenção nunca foi ter uma carreira sólida , seria muita prepotência , muito dinheiro em pouco tempo foi a missão dada a ele . O Sex Pistols foi segue a mesma linha de estilo , extravagante e tal , o que difere do autor de “gangnan” é o contexto inicial , o principio de criação , certamente se existisse google em 1977 não conheceríamos o Sex , seriam mais um acidente nissin ourfalico !

  5. lucas disse:

    acho que deviam mostrar mais a banda Calypso ela faz muito sucesso e talvez mais pessoas iam ver o canal globo já e bom se a banda aparecer mais: vai ficar melhor ainda de ver só vo ver globo

  6. ana disse:

    quero calypso nos programas



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