No Meio do Caminho

seg, 24/09/12
por Bruno Medina |

– Boa tarde, companheiro. Você se importaria de mover o cavalete do seu candidato um pouco para trás? É porque está atrapalhando aqui a circulação…

– Que circulação?

– Dos pedestres, que estão precisando se espremer na calçada pra passar por esse ponto que você está ocupando, olha aí…

– Entendi. O senhor está irritado com o cavalete… vota em outro candidato, né? Quem é o candidato do senhor?

– Amigo, acho que você não entendeu bem o meu ponto. Em quem eu vou votar não vem ao caso, o que importa é que você está incomodando as pessoas com a sua ‘propaganda’, ou seja lá qual for o nome que vocês dão pra isso.

– O senhor não vai me levar a mal, mas eu não vou sair daqui não, até porque esse é o meu trabalho. Imagina se bate um vento e derruba a placa ou se algum engraçadinho resolve fazer um bigode ou pintar o dente do candidato de preto? Como é que eu fico? Isso aqui está sob minha responsabilidade!

– Olha, apesar de neste momento eu desejar isso mais do que qualquer outra coisa, entenda que eu não estou pedindo para você sair daqui, apenas para recuar um pouco pra trás. Seria possível você fazer isso, nem que seja pelo conforto das pessoas que precisam passar por essa calçada?

– Mas se eu for mais pra trás o pessoal que passa nos carros e nos ônibus não vai conseguir enxergar o cavalete… e se o sujeito que me contratou passar por aqui? Ele não vai gostar nada disso, com certeza.

– Ok, mas você há de convir que esse é um problema seu e dele, né? Nem eu nem nenhuma das milhares de pessoas que transitam por aqui todos os dias podem ser prejudicadas para que esse palhaço aí tenha mais visibilidade.

– Tá bom, tá bom, já percebi que o senhor está chateado. Vamos fazer o seguinte: eu movo minha cadeira para trás, o senhor passa e não se fala mais nisso. Tá bom assim?

– Claro que não tá bom assim! Eu quero que você deixe a calçada livre de vez, não só pra mim, mas para qualquer pessoa que precise passar por aqui!

– Ah, agora eu entendi. O senhor trabalha no TRE, por que não disse logo?

– Amigo, eu não trabalho no TRE, estou apenas exercendo meu papel de cidadão.

– Ah, não mete essa de cidadão… confessa logo aí, você trabalha pra outro candidato e tá querendo roubar meu ponto, é isso?

– Deus, o que mais eu preciso fazer pra te convencer a se mover dois metros para trás?! É simples, você pega sua cadeira, seu cavalete e vai continuar bancando o espantalho do mesmo jeito, só que ali.

– Espantalho? Ah, agora é que eu não me mexo mesmo. O senhor está falando com um profissional, ok? Não comecei nisso ontem não, irmão, eu tenho estrada! Sabe aquele lance de colocar uma garrafa PET cheia de água pendurada num barbante pro cavalete ficar de pé sozinho? Então, fui eu que inventei a técnica. Por conta disso, só hoje eu tô tomando conta de 5 peças, em esquema de rodízio. E no mais, tem outra: o direito que o senhor tem de passar por esse pedaço da calçada é o mesmo que eu tenho de ficar exatamente onde estou. Não se esqueça que vivemos numa de-mo-cra-ci-a.

– Democracia?! Olha aqui o que eu penso da sua democracia – esbravejou o cidadão, rasgando com um chute a foto do candidato e arrancando os pedaços que restavam com as mãos – pronto, não tem mais cavalete; agora você é só um maluco sentado numa cadeira de praia no meio da calçada, atrapalhando o trânsito dos pedestres. O que você me diz disso, hã?

– Que o senhor certamente tem um outro candidato…

Nariz de Palhaço Style

seg, 17/09/12
por Bruno Medina |

Foi na terça passada, se não me engano, que descobri por acaso o ‘Gangnam Style’. Para quem ainda não sabe a que me refiro, trata-se de mais um daqueles vídeos pitorescos que se espalham pela web feito fogo em mato seco, algo como o Nissim Ourfali (alguém ainda se lembra?) dessa semana, só que em escala mundial. Tão logo terminei de assistir ao engenhoso videoclipe de PSY – rapper sul-coreano e provável criador da dancinha estilo equitação imaginária que arrebatou mais de 170 milhões de hits – o próprio Youtube me deu a dica de como continuar minha jornada rumo ao entendimento da proporção que a novíssima febre de pop asiático já havia tomado: lá estava o aparvalhado sujeito no palco do The Ellen DeGeneres Show, introduzindo Britney Spears nos passos que o consagraram. Depois disso, o que esperar? Eu apostaria numa onda de traduções do hit (o Latino gravou uma versão em português), quem sabe a participação de PSY no videoclipe de algum pop star norte-americano, e na tentativa de um segundo single, bem na linha do primeiro; essa música possivelmente soará como piada velha, o que conduzirá o artista e seus ternos multicoloridos de volta ao país de origem com a velocidade de um trem bala, onde passará meses peregrinando por poltronas de programas de auditório, dividindo com os conterrâneos os pormenores de sua efêmera fama planetária. Até aqui nada de novo, eu sei.

Mas o que motiva este post não é mesmo divagar sobre as probabilidades do cantor de K-pop engatar uma carreira internacional consistente, e sim colocar em perspectiva o seu sucesso em comparação, por exemplo, ao alcançado pelo Sex Pistols. Calma, eu explico: a impensada analogia foi o tema dominante da entrevista que a Revista Wired fez com William Gibson, um dos autores de Punk: An Aesthetic, livro recém-lançado que discorre sobre a forma como este estilo transformou a produção cultural do final da década de 70 em diante, influenciando inclusive as gerações mais atuais. Segundo Gibson, o Punk teria sido o último movimento pré-digital de contracultura a eclodir, e foi justo isso que o levou a cogitar como Sid Vicious e seus colegas de banda seriam recebidos pelo público caso se lançassem nos dias de hoje.

Então façamos o hipotético exercício de imaginar um 1977 no qual o Youtube existe. Você estaria lá, curtindo seus vídeos do ABBA e do The Carpenters quando um amigo te indicaria uma nova banda bizarra, uns caras de cabelo engraçado que cospem na câmera, dançam como se estivessem tentando se livrar de camisas de força, que usam cadeados no pescoço e jaquetas pespontadas de espinhos metálicos. Na visão de muitos seria o meme do dia, não muito diferente do que ocorreu com ‘Gangnam Style’. Mas em 1977, sabemos, não havia mp3, Youtube, Facebook ou MTV, apenas discos em vinil, fitas cassete e zines diagramados a mão, que eram mimeografados (pesquisar ‘mimeógrafo’) e enviados aos interessados pelo correio. Divulgar uma banda alternativa nessa época era uma tarefa que exigia tempo e dedicação, afinal poucos recursos estavam ao dispor além do boca a boca, diga-se, quando e-mail, celular ou SMS ainda não haviam sido inventados.

Seguindo o raciocínio, em 1977, ouvir Sex Pistols no Brasil, ou mesmo em qualquer outro lugar que não fosse o Reino Unido, era privilégio exclusivo daqueles que porventura tivessem viajado à Terra da Rainha e trazido na bagagem o disco como souvenir, ou ainda dos amigos mais próximos destas pessoas, escolhidos a dedo para desfrutar de uma seleta audição. Neste contexto, a estima pela produção artística construía-se lentamente, em etapas, sempre partindo de uma interação pessoal e, portanto, muito mais significativa. A extensão do processo permitia a maturação da obra e de seus autores e, de certa forma, servia como um eficiente teste de relevância, bem diferente do que ocorre atualmente, quando uma quantidade infindável de conteúdos de toda sorte se revezam por nossas telas todos os dias. Para quem está do outro lado, a questão é como se diferenciar em meio ao oceano de apelos. Como conquistar 3 minutos que sejam de atenção? E esse era o meu ponto: talvez a maior diferença entre 1977 e os dias atuais resida no fato de que hoje a mensagem está subordinada ao meio, e não o contrário, e isso, invariavelmente, afeta a maneira com que percebemos tudo ao redor. Fosse eu um pessimista, vislumbraria um mundo em que o nariz de palhaço é peça imprescindível a uma causa, seja ela de que natureza for. Mas não que isso já esteja acontecendo agora, ok?

Do que é feito o Samba

seg, 10/09/12
por Bruno Medina |

“Qual o melhor disco brasileiro de todos os tempos?”, esta foi a inquietante pergunta que serviu como mote para a enquete realizada pela Rádio Eldorado FM em parceria com o portal Estadao.com, destinada a eleger, a partir de uma seleção de 30 aclamados álbuns nacionais, aquele que despontaria como sendo o de maior relevância. Na azeitada lista que genuinamente passa a limpo a produção musical brasileira das últimas 5 décadas, não me pareceu haver espaço para invencionices, afinal lá estavam Clube da Esquina, Chega de Saudade, Construção, Acabou Chorare, Secos e Molhados e tantos outros de semelhante prestígio, dentre os quais se incluía também Ventura, disco lançado por minha banda, Los Hermanos. Foi através do e-mail enviado por um amigo que fiquei sabendo da votação e reconheço que, ali mesmo, na frente do computador, quase explodi de alegria por constatar que integrava o seleto grupo do qual faziam parte tantos discos que me serviram de referência, e que desempenharam papel essencial em minha formação, não só como músico, mas também como indivíduo.

Como se o enorme reconhecimento alcançado ainda não fosse suficiente, o destino aprontou uma daquelas peças ao determinar que Ventura terminasse a enquete nada menos do que no topo da tal lista. Pois é, para 11% dos participantes, o terceiro álbum gravado pelo Los Hermanos é o melhor disco brasileiro de todos os tempos. O surpreendente e – por que não dizer – polêmico resultado me causou um misto de orgulho e constrangimento, uma vez que, por mais que esta tenha sido uma votação legítima, é inegável que seu desfecho se ampara em algumas possíveis distorções. A primeira delas é que, dentre todos os discos mencionados, Ventura é o mais recente (lançado em 2003), e por isso um dos únicos com chance de ser considerado contemporâneo do público que muito provavelmente decidiu esta eleição. Outro aspecto importante é que, apenas na página oficial da banda no Facebook, estão relacionados mais de 410.000 seguidores, dentre os quais muitos devem ter tomado conhecimento da enquete e votado em Ventura, seja pelo desejo de prestigiar a banda de que tanto gostam, seja por acreditarem que este é mesmo o melhor disco brasileiro de todos os tempos. Mas há, claro, quem discorde (e muito) disto.

Para estes, uma nova questão: Supondo que pudéssemos neutralizar o séquito virtual de fãs do Los Hermanos, estes que manejam tão bem seus mouses e que adoram distorcer eleições sérias envolvendo baluartes da MPB, qual teria sido o resultado mais justo para a votação? Outra: considerando que a web não é território isento para hospedar este tipo de eleição, qual seria então a maneira mais idônea de realizá-la?

Em meio a tantas perguntas que parecem não ter resposta, a começar pela que abre este texto, fica fácil se esquecer para que realmente servem enquetes como esta, que, aliás, não foi a primeira e certamente não será a última sobre o tema. De toda forma, gostaria de registrar meu sincero agradecimento a cada uma das 2.816 pessoas que nos concederam seus votos, tenha sido pelo motivo que for, ainda que apenas para destacar entre os melhores discos brasileiros de todos os tempos um cujo verso de abertura, ironicamente, pergunta: “Quem se atreve a me dizer do que é feito o samba?”.

 

Os 10 primeiros colocados da enquete:

1o lugar (2816 votos) – Ventura – Los Hermanos – 2003

2o lugar (2294 votos) – Clube da Esquina – Milton Nascimento e Lô Borges – 1972

3o lugar (2172 votos) – Dois – Legião Urbana – 1986

4o lugar (2047 votos) – Elis & Tom – Elis Regina e Tom Jobim – 1974

5o lugar (1773 votos) – Krig-há, Bandolo! – Raul Seixas – 1973

6o lugar (1585 votos) – Construção – Chico Buarque – 1971

7o lugar (1324 votos) – Cabeça Dinossauro – Titãs – 1986

8o lugar (1168 votos) – Acabou Chorare e Secos e Molhados – Novos Baianos/Secos e Molhados – 1972/1973

9o lugar (903 votos) – Tropicália ou Panis Et Circenses – Vários – 1968

10o lugar (829 votos) – Roberto Carlos – Roberto Carlos – 1971

A Vida sem Ensaio

seg, 03/09/12
por Bruno Medina |

Se alguém porventura me pedisse para fazer um top 5 das coisas que mais temo na vida, encabeçaria a lista estar na pele daquele cara que, durante uma peça, é pinçado da plateia para fazer um número com os atores. Cabe esclarecer que, salvo quando tinha 8 anos e fui convidado por um mágico a segurar a mão de sua ajudante enquanto a mesma era fatiada, o trauma não se justifica por nenhum razão específica. Claro que também não foram poucas as vezes em que estive na alça de mira de um ator suado e esbaforido à caça do sujeito mais tímido do recinto, a fim de arrancar-lhe até a última grama de dignidade. Para casos como este tenho uma arma secreta: me imagino vestindo o capuz da invisibilidade, igual ao que a Sheila da Caverna dos Dragões usava para se esconder do Vingador. É infalível. Pelo menos era, até semana passada, quando fui catapultado sem sobreaviso para um impensável workshop de técnicas de improviso. Antes que o leitor se pergunte como fui parar nessa, afirmo que foi uma daquelas conjunturas em que a única alternativa possível seria atirar-se pela janela. Preferi me atirar na cova dos leões.

Já ao abrir a porta da sala, me deparei, digamos, com uma degustação do que esperar das próximas horas; todos os presentes caminhavam em minha direção fazendo caretas e arrastando os pés como zumbis, era uma saudação de boas-vindas sugerida pelo instrutor para receber os atrasados. Não tive tempo nem para me esvair de constrangimento, porque dali fui arrastado para o centro de uma roda, na condição de ‘voluntário’ da primeira dinâmica do dia, destinada a desenvolver o tipo de pensamento necessário para improvisar em condições extremas. Em minha frente, uma pessoa fazia movimentos com as mãos, que eu supostamente deveria reproduzir, enquanto duas outras, posicionadas nas laterais, me perguntavam de forma incisiva a cor de objetos e a solução para desafios matemáticos simples. Só que tudo aos mesmo tempo. O resultado remeteu um pouco à célebre cena de Tropa de Elite em que os calouros do BOPE são recebidos pelos veteranos:

–  “2+2?”

–  “ALFACE?”

–  “2+2?”, “2+2?!”

– “é…4!”,

–  “ALFACE?!”, “ALFACE?!”

–  “verde, verde!”

– “3X4?”

– “KIWI, KIWI, KIWI?”

– “verde, marrom, sei lá”, “7, não, 12!”

No meio da sabatina, de tão confuso, suponho que não saberia sequer dizer meu próprio nome, quanto mais a cor de uma fruta que até em condições normais gera polêmica. Custava usar ‘maçã’? Com o cérebro em chamas, prossegui para o segundo módulo do curso. Dessa vez os participantes deveriam fazer uma fila indiana e, um a um, comunicar a uma cobra de pelúcia violeta enroscada no encosto de uma cadeira que seus ovos haviam sido roubados. “Essa é fácil”, pensei. Bastava lembrar da estratégia de argumentação empregada na ocasião em que quebrei a coruja de cristal que adornava a vitrine da minha avó: “Senhora Cobra, infelizmente houve um pequeno incidente, bem pequeno mesmo, coisinha de nada. É possível que a senhora ainda não tenha se dado conta, mas…”. Nesse momento (em que me encontrava de joelhos conversando publicamente com um animal de brinquedo) tive a clareza de que a inusitada experiência poderia culminar, quem sabe, numa maneira mais amena de lidar com o tal trauma. Bom, depois de ser interrogado pelo BOPE do ensino fundamental e de transmitir uma péssima notícia a uma cobra, o que mais poderia temer, certo?

Pois eis que chegou a terceira etapa do workshop, trazendo consigo a convicção de que o questionamento acima nunca deve sequer ser cogitado, afinal, em situações como esta, acreditem, tudo sempre pode piorar. O próximo exercício determinava que formássemos duplas e que encenássemos uma luta reagindo aos golpes, mas sem encostar no oponente, que, no meu caso, era do sexo feminino. Pensei em pedir para trocar de dupla, mas e se o castigo pela repentina insubordinação fosse ainda pior do que ser perseguido por uma gangue de zumbis? “Cuidado para não machucarem uns aos outros de verdade, ok? Valendo!” – disse o professor, transformando o local num autêntico saloom do Velho Oeste. No meu lado direito, uma menina fingia içar seu par pelas narinas com a ponta dos dedos, no lado esquerdo, um rapaz segurava o outro pelos cabelos, simulando aplicar joelhadas em seu rosto. Ouviam-se gritos, muitos gritos. Enquanto assistia, horrorizado, a pancadaria comer e tentava abstrair as mais de 3 décadas que passei ouvindo a máxima “em mulher não se bate nem com uma flor”, a parceira ignorou a deferência que lhe era feita até então e já partiu pra cima com um tapa estalado na minha orelha, ao que reagi rodopiando até o chão, como um parafuso. “Muito bom! Nem nos filmes do Van Damme se apanha com tanta plasticidade” – observou nosso mestre. A luta imaginária esquentou, e numa mesma sequência, a agressora pisou no meu pé, beliscou meu mamilo e tentou furar meus olhos, mas eu fui mais rápido e bloqueei com mão de karateca a frente do nariz. No revide, encaixei um sequência de jabs curtos e arrematei com um chute na canela, inspirado no episódio em que o Pernalonga se torna boxeador. Combate finalizado, um cara convulsionava no chão (?!). Menos, amigão.

Ao longo deste dia, ainda atuei como vendedor de seguros, vaso sanitário de banheiro de avião e frentista de posto de gasolina. Nada mal para quem se habituou a usar o capuz da invisibilidade… e pra vocês que acham que tudo nesse blog é inventado, eis um registro da aula de soco. :p

foto – Luiza Calandra



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