Um time pra chamar de seu

seg, 27/08/12
por Bruno Medina |

Pouca gente pode dizer que já me ouviu falar sobre futebol. Não que eu seja indiferente ao esporte, pelo contrário, apenas não gosto de debatê-lo por aí com qualquer um. Gosto de pensar que tal postura me mantém a salvo da irracionalidade alheia, esta que costuma aflorar tão naturalmente de quem menos se espera quando o polêmico tema vem à tona. Na mesa de bar ou no banco de trás do táxi, portanto, prefiro divagar sobre política ou religião. Acreditem, dá menos trabalho. E é assim, de maneira discreta e serena, que sigo torcendo pelo meu Fluminense. Aos que duvidam da legitimidade desta relação, sobretudo aqueles que sabem da controversa participação que tive no registro de uma versão do Hino do Vasco (era com o Paulinho da Viola, pô!), atesto que, quando meu time joga, se necessário, chego até a acompanhar aquelas transmissões por texto via web, uma espécie de tortura chinesa pós-moderna que aproxima a experiência de um jogo da leitura de um telegrama. Diz aí se alguém que porventura não goste de futebol conseguiria resistir a 5 minutos que fosse daquele verdadeiro conta-gotas de emoções?

Aparentemente, essa não é a opinião da minha mulher. Sua notável incapacidade de ler as entrelinhas e de compreender a sutileza da minha devoção ao Tricolor das Laranjeiras a levou, imaginem, a acreditar que poderia sugerir ao nosso filho o impropério de torcer pelo Flamengo. Afinal, como não me vê gritando com a televisão ou xingando os vizinhos pela janela aos domingos, supôs que não me incomodaria assisti-la tentar deliberadamente influenciar o gosto do pobre menino. Seu sórdido plano começou de mansinho, pelas beiradas, a partir da improvável recuperação de uma camisa oficial infantil do clube da Gávea, que ganhou do avô quando tinha quatro anos. Na sequência veio uma palhaçada de gritar “mengo” toda vez que cruzávamos uma bandeira vermelha e preta na rua, “para demonstrar de forma didática o sentimento que o futebol desperta”, alegou. Outro dia, vejam só a audácia, ofereceu ao garoto num shopping um pavoroso meião vermelho; achei que a gravidade da situação exigia uma atitude, não em relação a minha mulher, claro, mas ao meu filho, ou vocês acham que eu iria polarizar a disputa de maneira tão primária? Esse é o jogo da minha oponente. O meu, definitivamente, é outro.

Se eu quiser que o Vicente se torne um legítimo tricolor, preciso fazê-lo pensar que a escolha se deu de maneira espontânea, e não por imposição. Seguindo a linha de raciocínio, meu primeiro movimento nesta direção foi cirúrgico. Quando, durante um almoço na semana passada, minha mulher forçou-o a afirmar na mesa que queria ser flamenguista, reagi com tranquilidade e demonstrei não me importar: “Eu entendo, filho, ser Flamengo é bem mais fácil mesmo, tanta gente já é, né?”. Silêncio. Prossegui: “Como você sabe, eu sou Fluminense, assim como o seu avô…”. “Mas por que você não é Flamengo igual a mamãe?”, perguntou, confuso, o menino. Nesse momento, dezenas de possíveis respostas para a emblemática pergunta passaram pela minha mente, acabei escolhendo a que melhor se adequava à capacidade de entendimento de uma criança com a sua idade: “Eu e o vovô não somos Flamengo porque esse é o time do Urubu”. “Bruno!”, exclamou a patroa, pela reação senti que o tiro havia sido certeiro. “Vamos pegar o iPad para conhecer o Urubu, mascote do time da mamãe?!”, sugeri, já procurando com a ponta dos dedos o aplicativo do Zoológico. “Esse aqui é o Urubu, filho”, sentenciei, empunhando o tablet de maneira incisiva, ao que ele reagiu com olhos arregalados. A cereja do bolo deixei por último, apertar no canto da tela o botão que dispara o som emitido pela ave. Amigos, pesquisem o som que faz o Urubu, mas nunca próximo da hora de dormir. Trata-se de uma mistura do Mumm-Ra dos Thundercats quando ficava nervoso com aquele vento de filme de terror que passa pela fresta da janela, antecipando a tempestade. Até eu fiquei com um pouco de medo.

No placar, 1X0 a meu favor.

Moral da história: minha mulher terminou a refeição de cara amarrada – constatando que esse jogo vai ser um tanto mais difícil do que previa – , Vicente acabou ficando curioso sobre o time do papai, e eu ganhei mais um tempo para preparar minha próxima investida: entrar no quarto dele, na calada da noite, fantasiado de Vágner Love, com tererê e tudo. Se no dia seguinte ele não me pedir um uniforme completo do Fluminense eu apresento a Tabela do Brasileirão!

Roda Viva

qua, 15/08/12
por Bruno Medina |

Vamos supor que uma cantora, das maiores (se não a maior) cantora brasileira em atividade, resolvesse homenagear em seu mais recente show um compositor, dos mais importantes (se não o mais importante) compositor de música popular brasileira dos últimos 50 anos. Agora imaginem que esta rara – e por que não dizer mágica – oportunidade de assistir ao reencontro da voz e dos versos que embalaram a vida de multidões ao longo de quatro décadas, se restringisse a uma única apresentação, numa casa de espetáculos que, com muito boa vontade, pode comportar uma parcela ínfima das pessoas que desejariam testemunhar esse histórico acontecimento. Pois é, amigos leitores, assistir Maria Bethânia cantando um repertório inteiramente dedicado a Chico Buarque deixou de ser um devaneio para tornar-se realidade. Mas não para muitos.

E foi exatamente por saber disso que já no primeiro minuto do dia 17 de julho, data em que os ingressos destinados ao público carioca foram enfim disponibilizados, eu e minha mulher estávamos a postos em frente ao computador, munidos de um cartão de crédito emprestado (o mesmo que era exigido pelos organizadores na pré-venda exclusiva) e prestes a adentrar o que sabíamos ser uma batalha inglória. Acho que esse é um bom momento para esclarecer que as coisas não costumam ser mais fáceis para mim só pelo fato de ser integrante de uma banda conhecida, se é que alguém aí pensava o contrário; ou seja, se eu quiser assistir Maria Bethânia, também tenho que programar o despertador para meia-noite e torcer para clicar o mouse com mais agilidade do que tantos outros fãs da cantora. Bem, posto isso e voltando ao meu drama particular, após quase duas horas de tentativas infrutíferas, de sistema oscilante, mensagens incompreensíveis de erro e vendas quase concretizadas que não geravam comprovantes, fomos abatidos pelo cansaço e por uma triste constatação: nós não conseguiríamos assistir ao show.

O plano B começou a ser executado ainda na manhã seguinte, mais ou menos quando veio a notícia de que os ingressos estavam esgotados. Primeiro, perguntando aos conhecidos se porventura desejavam abrir mão dos bilhetes mais concorridos da temporada. Ninguém havia conseguido comprá-los, e, ainda que tivessem, por razões óbvias não passariam adiante. Recorremos então aos desconhecidos, aos passantes nas ruas, aos que estavam nas filas dos bancos, nas igrejas, nos bares, nas praças, nada. Nosso refúgio final foi uma comunidade na web destinada aos que adquirem ingressos para eventos aos quais, por alguma razão, não poderão comparecer. A singela solicitação deixada no site era como uma mensagem dentro de uma garrafa jogada ao mar, um pedido de socorro que permaneceu dias sem resposta, até que um contravento de súbito mudasse a direção de nossa sorte.

Uma mulher nos escreveu dizendo que tinha os benditos ingressos, e que pretendia passá-los a diante. Nossa primeira reação foi de incredulidade, claro, mas ela explicou seus motivos: a nova data da apresentação (a primeira foi adiada porque Maria Bethânia estava com gastroenterite) coincidia com o período em que estaria se recuperando de uma operação, portanto, se realmente quiséssemos (e estivéssemos dispostos a pagar um pequeno “ágio”, diga-se), os ingressos seriam nossos. Era bom demais para ser verdade! Passados quase 15 dias da memorável madrugada em que fomos derrotados pelo sistema virtual, quando não havia mais qualquer esperança, os ingressos caiam do céu, ou melhor, do Facebook. Tudo bem que nem se tratava de uma posição privilegiada, teríamos que nos contentar em assistir ao show do balcão superior, meio lá atrás, mas e daí? O importante era que estaríamos lá: “E se o Chico resolver aparecer? Sim, porque afinal de contas é a cidade dele”. Esse era o tipo de pensamento que alimentava nossa enorme expectativa em relação a fatídica noite. Final feliz? Ainda não.

Pois é, nossa anja da guarda morava longe, portanto deixamos acertado que os ingressos mudariam de mãos alguns dias a frente, na ocasião em que ela visitaria o médico responsável por operá-la, cujo consultório era relativamente próximo de onde moramos. Dito e feito, na hora marcada estávamos lá, na porta da clínica, e vinte minutos após o horário acertado saiu lá de dentro a tal mulher, com uma expressão que não condizia com o que estava para acontecer: “Vamos direto ao ponto: os planos mudaram, a operação foi adiada e não vou mais me desfazer dos ingressos, sinto muito”, disse ela de maneira seca, para nossa decepção.

A notícia teve o efeito de uma bomba, mas que outro jeito a não ser juntar os cacos e esperar por um DVD, quem sabe? Não é a mesma coisa, eu sei, mas… Felizmente a desalentadora cena que acabara de ocorrer passou ao largo de nossa pequena filha, que nos acompanhava, e que, apesar dos pesares, continuou fazendo suas costumeiras estripulias.

“Vem, Bethânia, vamos embora” – clamou minha esposa, em vão.

A mulher, que já seguia em outra direção, parou.

“O nome da menina é Bethânia?”

“É sim” – respondi hesitante. Ela então permaneceu alguns instantes em silêncio, olhou para baixo e complementou:

“Acho que mudei de ideia, vocês devem querer esses ingressos mais do que eu, né? Podem ficar com eles”

Portanto, no próximo domingo, faça chuva, sol ou ainda que chova granizo e canivetes simultaneamente, estaremos na plateia, eu e minha mulher, aplaudindo Maria Bethânia e Chico.

1 Bilhão de Possíveis Enredos

seg, 06/08/12
por Bruno Medina |

Imagine um dia acordar e não ter a mais vaga ideia de quem você é. Abrir os olhos e se ver numa casa estranha, cercado de pessoas desconhecidas, sem ter uma pista sequer de como foi parar ali. O enredo de filme aconteceu na vida real de Mayank Sharma, um indiano de 29 anos que contraiu meningite tubercular, doença que ao agravar-se afetou seus sistema nervoso central, ocasionando a perda total de memória. Da noite para o dia – literalmente – , suas experiências e aprendizados tornaram-se inacessíveis; de repente, era como se tudo que ele viu e sentiu ao longo de quase 30 anos estivesse confinado no fundo de um baú que não se sabe qual chave abre.

Assim que tornou-se apto a operar um computador, o rapaz começou a procurar na web indícios de seu passado, na expectativa de que a pesquisa lhe indicasse o caminho a ser seguido para resgatar a pessoa que costumava ser. Foi então que sua busca o conduziu ao próprio perfil de Facebook e que, de maneira intuitiva, apoderou-se da por vezes inconveniente ferramenta “Pessoas que Você Talvez Conheça” de um jeito que ninguém havia feito até então. A chave para destrancar seu baú de vivências materializou-se a partir das sugestões do site; bastava pedir a quem surgisse em sua tela para compartilhar vídeos, relatos e fotos que o envolvessem, e dessa forma, Mayank foi construindo peça após peça o enorme mosaico de sua existência, sobre o qual atualmente se debruça.

O emocionante testemunho corresponde ao episódio inaugural do Facebook Stories, projeto lançado na última quinta-feira por Mark Zuckerberg, com o intuito de reunir numa mesma página casos extraordinários protagonizados pelos frequentadores da rede. A semente desta iniciativa, como alguns podem se recordar, foi plantada há mais ou menos 2 anos, quando, no ensejo de celebrar os 500 milhões de usuários inscritos, o site solicitou o envio de boas histórias que ilustrassem seus possíveis usos. Não surpreende, no entanto, que a ideia tenha demorado todo esse tempo para sair da gaveta, coincidentemente no momento em que o Facebook atravessa sua pior crise de identidade.

Desde que abriu o capital da empresa aos investidores, em maio, Mark e sua trupe amargam sucessivas derrotas, sobretudo pelo fato do negócio dos sonhos de outrora – antes protegido por uma indevassável cortina de mistérios – ter agora que se escancarar frente ao impiedoso humor do mercado. Afinal, são as regras do jogo. Os informes detalhados que Mark precisa endereçar aos seus milhares de sócios desnudam informações estratégicas e até então sigilosas, como, por exemplo, a receita obtida através de publicidade (que chegou a pôr em xeque a relação custo x benefício dos anúncios na rede) ou o montante de perfis inativos ou falsos (cerca de 83 milhões, segundo dados divulgados semana passada) existentes.

Frente ao contexto desfavorável, o Facebook Stories adquire uma missão adicional de transmitir aos que duvidam de seu potencial um importante recado: o de que a maior rede social do planeta pode ter múltiplos usos, alguns destes ainda não completamente revelados. Mas o que é o Facebook além de um poderoso hub de comunicação a mercê de centenas de milhões de usuários? Seu valor como instrumento de mobilização ou provedor de transformações sociais, portanto, é proporcional à capacidade daqueles que o utilizam de promover tais ações.

Em suma, o Facebook é tão bom e tão relevante quanto o são as pessoas que o frequentam.

Resta saber se a empreitada é um tiro isolado ou o primeiro passo de uma nova jornada que se inicia, voltada a atribuir outras funções e significados a mais popular ferramenta social que já existiu. E quem duvidaria de que Zuckerberg pode vir a surpreender todo mundo? De novo.

 



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