Apague essa ideia!

seg, 26/03/12
por Bruno Medina |

Semana passada, na sala de espera de um consultório oftalmológico, me bateu uma daquelas constatações que, de tão óbvias, parecem já nos chegar defasadas. Engana-se, no entanto, quem pensa tratar-se de algo relacionado ao conhecido traço que aproxima carrascos e médicos, sobretudo aqueles que esperam entreter seus pacientes disponibilizando para leitura apenas revistas antigas. Como a prática se perpetuou? Jogue quatro desconhecidos num cubículo sem janelas durante mais de uma hora e note como até o verso de uma embalagem de shampoo será estudado com enorme interesse. Afinal, revistas novas para quê?

De certa forma, meu insight tem a ver com isso, na verdade ele se deu como consequência da observação de uma inusitada cena, protagonizada por este grupo de ‘pacientes’ em que eu me incluía; tudo começou quando a secretária do doutor – no afã de atenuar nosso inevitável tédio – ofereceu a opção de ligar a TV, até o momento despercebida. Dado o contexto, independente do canal sintonizado ou do programa a ser exibido, convenhamos, era uma senhora oferta, a qual o grupo recusou de forma unânime… ora, não somos nós o povo que respira televisão? O que teria então motivado a súbita indiferença ao aparelho que sempre nos foi tão indispensável? Resposta: um outro aparelho, bem menor e muito mais eficiente, chamado smartphone.

E assim seguiu-se, pela próxima meia hora ao menos, nosso pequeno calvário; nada de papo furado, nada de programa sensacionalista, cada um concentrado na sua própria telinha e no mundo de referências particulares constituído a partir dela. A essa altura o leitor pode estar se perguntando sobre a tal constatação mencionada no início desse texto, então lá vai:

Se ainda não o é, o smartphone seguramente irá se tornar o novo cigarro.

Pesquisando sobre minha recente descoberta, encontrei na web já algumas entradas sobre a analogia, também, pudera, as similaridades entre um fumante e um usuário de smartphone compulsivo são gritantes. Avalie se não procede a comparação:

(a) Ao chegar num restaurante adiantado, é ao smartphone que você irá recorrer para livrá-lo da desconfortável situação de estar sozinho num ambiente onde todos os demais encontram-se acompanhados. Sair de casa sem ele, nem pensar!

(b) Qualquer intervalo de tempo, por mais curto que seja, é suficiente para uma pesquisadinha, uma twittadinha, uma passadinha pelo Facebook.

(c) Checar as condições de trânsito ao volante, ou mesmo os e-mails, apesar do risco inerente, atire a primeira pedra quem nunca fez?

(d) Responder SMS dentro da sala de cinema e emitir aquele inconveniente feixe de luz, digno de um Cavaleiro Jedi. Que problema tem se ninguém reclamar?

A descrição destas situações corriqueiras, que acontecem aos milhares todos os dias, são indícios que evidenciam como smartphones e cigarros guardam semelhanças entre si. Quer ver? Ambos se traduzem como indispensáveis companheiros (a), objetos que despertam comportamento obsessivo (b), cuja utilização inapropriada envolve risco de acidentes (c) e que podem incomodar a terceiros (d).

Não demora muito e os smartphones serão alçados à condição de inimigos número 1 da sociedade. Posso até imaginar um futuro em que as engenhocas serão acusadas de causar danos físicos e psíquicos, além da dependência propriamente dita, sendo alvo de constantes campanhas de conscientização sobre os malefícios de seu uso, podendo, inclusive, sua venda ser sobretaxada e desaconselhada a menores de idade. Exagero? O tempo dirá…

O Segredo do Sucesso

seg, 19/03/12
por Bruno Medina |

No início da década de 60, dois compositores – em busca de firmar suas carreiras através de um primeiro sucesso radiofônico – receberam de um produtor uma inusitada missão: compor, para um musical chamado “Blimp”, uma música que descrevesse a paixão de um extraterrestre por uma bela carioca. Tão logo a dupla topou encarar o desafio, um dos parceiros percebeu que tratava-se de uma excelente oportunidade para aproveitar uma melodia que há pouco tinha composto, muito embora a letra provisória fizesse o contraponto entre o voo de uma gaivota e os passos de um homem solitário. Nada a ver. Troca um verso daqui, dá um tapa dali, a peça acabou não decolando, mas a canção sim, era “Garota de Ipanema”.

Alguns anos se passaram e, em outra parte do mundo, uma prestigiada banda de rock trabalhava em composições para um novo disco quando tomou conhecimento de que as letras de suas músicas estavam sendo estudadas em salas de aula. Ao invés de se orgulhar do feito, o grupo enxergou a coisa pelo avesso e, só a título de confundir ainda mais alunos e professores, resolveram criar versos entulhados de palavras que não fizessem qualquer sentido. E essa foi a inspiração que motivou a composição de “I am the Walrus”, dos Beatles. Uma última, pra terminar: jovem músico, genial e atormentado, chega em casa e encontra uma das paredes pichada por uma amiga. A frase que o inspirou a compor o mega hit que se tornaria um divisor de águas em sua própria vida, bem como o hino de uma geração, fazia menção ao fato de que ele cheirava ao desodorante que sua namorada costumava usar; foi assim que nasceu “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana.

Apesar de darem margem a se pensar o contrário, as três historinhas são reais, e têm em comum o fato de revelar uma inquietante verdade: grandes músicas podem surgir de inspirações (muito) pouco nobres. As revelações acima não deixam de servir como instrumento de reflexão sobre o funcionamento da porção ‘fã’ que existe dentro de cada um de nós. É interessante notar – e acho que aqui falo de um sentimento quase que universal – como, ao promovermos determinada canção ao seleto grupo das ‘prediletas’, nutrimos secretamente a expectativa de que a origem daqueles versos e notas que nos são tão especiais seja também especial para quem os compôs.

Afinal, de que outra maneira poderíamos suportar a frustração a reboque da descoberta de que aquela canção única, que por alguma razão, consciente ou não, assume novos significados calcados em nossas emoções mais particulares, foi concebida num momento mundano, a partir de um arranjo oportunista do acaso ou da sinapse criativa emprestada de um vagabundo qualquer? Outra leitura possível seria tomar a trivialidade da gênese de uma música de sucesso como prova incontestável de talento do seu autor. Trata-se, portanto, de uma questão de ponto de vista.

Eu, por exemplo, sou daqueles que prefere não saber de nada. Se minha música do coração foi composta em alusão a uma unha encravada ou em homenagem ao poodle da Dona Anete do apto 104, que os pormenores dessa estranha obsessão permaneçam encobertos pelo manto sagrado que jaz sobre a genialidade do ídolo. E desculpem-me se contei o final do filme lá em cima, mas como expor meu ponto sem quebrar alguns ovos? Independente de sua posição quanto ao tema proposto, perceba como é tortuoso o trajeto que sempre separa a concepção e a percepção de um trabalho artístico, seja qual for sua natureza. Para mim, pelo menos, o segredo continua sendo a alma do negócio. Provavelmente, fosse conhecida desde sempre a identidade da Mona Lisa, seu retrato não atrairia todos os dias milhares de visitantes ao Louvre, certo? Ou não?

O controle em nossas mãos

dom, 04/03/12
por Bruno Medina |

Neste exato momento digito em pleno ar, mais precisamente em alguma área turbulenta situada a milhares de quilômetros do Brasil, a caminho da bela São Francisco. Durante a próxima semana, estarei na cidade para participar do GDC (Games Developers Conference. Trata-se de um gigantesco fórum, que reúne pessoas de todo mundo, interessadas em conhecer e compartilhar projetos que utilizem ferramentas de jogos para viabilizar o engajamento ou mesmo resolver impasses de negócios de maneira lúdica e criativa. Estou nessa porque, faz já algum tempo, me interessei por estudar um pouco mais a matéria, que tem sido, a cada dia, mais e mais introjetada em nossas rotinas; ainda que a gente, muitas vezes, nem se dê conta.

E olha que nāo estou falando só daqueles joguinhos eletrônicos inofensivos que seu irmão mais novo joga online, através de consoles, ou mesmo, smartphones. Os jogos a que me referiro são os que têm sido utilizados por grandes empresas para, por exemplo, selecionar funcionários para postos que precisam ser preenchidos, criar promoçōes para lançamento de novos produtos,  simular situações de risco, ou ainda serem empregados como técnicas alternativas ao aprendizado convencional. Se você ainda é uma daquelas pessoas que pensam que os jogos servem apenas para entreter ou matar o tempo, assista à emblemática palestra que Jane McGonigal ministrou em 2010 numa das sessões do TED. À época, sua pesquisa indicava, pasmem, que mais horas já foram dedicadas pela humanidade ao jogos do que a soma de todo tempo passado em estabelecimentos de ensino. Ainda segundo ela, em média, um estudante norte-americano que estiver agora adentrando uma universidade, já terá gastado mais tempo de sua vida na frente de um videogame do que dentro de uma sala de aula.

Estes dados nāo deixam de ser intrigantes, sobretudo pelo fato de, no mínimo, refletirem que o sistema de ensino em vigor atualmente nas escolas precisa de fato ser revisto, pois, ao que parece,  exclui todo o conhecimento específico adquirido e aprimorado por estes jovens desde sua infância. Uma das principais bandeiras hasteadas por Jane se traduz em uma provocação: a cada ano formam-se exímios especialistas em um campo de conhecimento que nāo temos ainda a menor ideia para que serve! Mas como matar esta charada? Sem muito esforço, consigo pensar em incontáveis atividades profissionais que poderiam se beneficiar do modelo de pensamento desenvolvido por games.

Ano passado, participei da criação de um jogo, concebido a partir de dados extraídos do cenário macroeconômico brasileiro. Com o propósito de auxiliar executivos de grandes empresas a definir estratégias de atuação futura, o jogo era baseado em informaçoēs reais, disponibilizadas num baralho (em cartas). Também tive a chance idealizar um conjunto de atividades com o propósito de amenizar – junto aos funcionários de uma construtora com mais de  5 mil funcionários – os efeitos nocivos e até traumáticos da implementaçāo de um novo sistema ERP. Para minha satisfação, esse projeto foi selecionado para ser apresentado em maio nos Estados Unidos, durante um congresso de soluções relacionáveis ao problema; uma palinha do que ando fazendo, para quem pensa que eu passo os dias flutuando numa boia dentro da piscina quando o Los Hermanos nāo está fazendo shows, rsrs!

Pois bem, o que todo mundo aqui em Sāo Francisco quer entender diz respeito às outras aplicações,  aos métodos provindos dos jogos que podem solucionar grandes problemas de nossa socidade, estes em que as iniciativas convencionais não têm obtido sucesso. Será que um game é capaz de ensinar crianças, de maneira eficiente, sobre a necessidade de preservar o mundo que vão herdar? Será que a partir de um jogo é possível auxiliar um doente crônico a administrar os cuidados com sua saúde, ou a populaçāo de uma cidade a denunciar pequenos delitos e assim contribuir para a segurança de todos? Por último, seria possível utilizar um jogo online para  fiscalizar e colocar os políticos na linha durante as próximas eleições municipais? Difícil? Nem tanto. É só pensar que praticar e se deixar envolver por jogos é uma atividade natural, de caráter essencialmente humano, presente em todas as sociedades de que se tem conhecimento. Numa delas, de que agora não me recordo o nome, há milhares de anos, a obsessāo pelos jogos era utilizada como estratégia de controle populacional, uma vez que, enquanto estavam entretidos nas competições, os habitantes do povoado nāo sentiam fome e, assim, as escassas reservas de alimento eram racionalizadas.

Jogos como estratégia de controle? Não. Como vocês podem constatar, este caso já nāo guarda qualquer semelhança com os dias atuais, muito menos com um joguinho de colecionar amigos, que tornou-se incrivelmente popular ao permitir que as pessoas disponibilizassem detalhes de seus gostos e preferências para um carinha bacana mesmo chamado Mark, que no fundo só pretende ajudar todo mundo a saber o que seus conhecidos andam fazendo.



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