Apague essa ideia!
Semana passada, na sala de espera de um consultório oftalmológico, me bateu uma daquelas constatações que, de tão óbvias, parecem já nos chegar defasadas. Engana-se, no entanto, quem pensa tratar-se de algo relacionado ao conhecido traço que aproxima carrascos e médicos, sobretudo aqueles que esperam entreter seus pacientes disponibilizando para leitura apenas revistas antigas. Como a prática se perpetuou? Jogue quatro desconhecidos num cubículo sem janelas durante mais de uma hora e note como até o verso de uma embalagem de shampoo será estudado com enorme interesse. Afinal, revistas novas para quê?
De certa forma, meu insight tem a ver com isso, na verdade ele se deu como consequência da observação de uma inusitada cena, protagonizada por este grupo de ‘pacientes’ em que eu me incluía; tudo começou quando a secretária do doutor – no afã de atenuar nosso inevitável tédio – ofereceu a opção de ligar a TV, até o momento despercebida. Dado o contexto, independente do canal sintonizado ou do programa a ser exibido, convenhamos, era uma senhora oferta, a qual o grupo recusou de forma unânime… ora, não somos nós o povo que respira televisão? O que teria então motivado a súbita indiferença ao aparelho que sempre nos foi tão indispensável? Resposta: um outro aparelho, bem menor e muito mais eficiente, chamado smartphone.
E assim seguiu-se, pela próxima meia hora ao menos, nosso pequeno calvário; nada de papo furado, nada de programa sensacionalista, cada um concentrado na sua própria telinha e no mundo de referências particulares constituído a partir dela. A essa altura o leitor pode estar se perguntando sobre a tal constatação mencionada no início desse texto, então lá vai:
Se ainda não o é, o smartphone seguramente irá se tornar o novo cigarro.
Pesquisando sobre minha recente descoberta, encontrei na web já algumas entradas sobre a analogia, também, pudera, as similaridades entre um fumante e um usuário de smartphone compulsivo são gritantes. Avalie se não procede a comparação:
(a) Ao chegar num restaurante adiantado, é ao smartphone que você irá recorrer para livrá-lo da desconfortável situação de estar sozinho num ambiente onde todos os demais encontram-se acompanhados. Sair de casa sem ele, nem pensar!
(b) Qualquer intervalo de tempo, por mais curto que seja, é suficiente para uma pesquisadinha, uma twittadinha, uma passadinha pelo Facebook.
(c) Checar as condições de trânsito ao volante, ou mesmo os e-mails, apesar do risco inerente, atire a primeira pedra quem nunca fez?
(d) Responder SMS dentro da sala de cinema e emitir aquele inconveniente feixe de luz, digno de um Cavaleiro Jedi. Que problema tem se ninguém reclamar?
A descrição destas situações corriqueiras, que acontecem aos milhares todos os dias, são indícios que evidenciam como smartphones e cigarros guardam semelhanças entre si. Quer ver? Ambos se traduzem como indispensáveis companheiros (a), objetos que despertam comportamento obsessivo (b), cuja utilização inapropriada envolve risco de acidentes (c) e que podem incomodar a terceiros (d).
Não demora muito e os smartphones serão alçados à condição de inimigos número 1 da sociedade. Posso até imaginar um futuro em que as engenhocas serão acusadas de causar danos físicos e psíquicos, além da dependência propriamente dita, sendo alvo de constantes campanhas de conscientização sobre os malefícios de seu uso, podendo, inclusive, sua venda ser sobretaxada e desaconselhada a menores de idade. Exagero? O tempo dirá…