A Raspa do Tacho

ter, 27/12/11
por Bruno Medina |

A última semana do ano é, sem dúvida, uma grande arapuca para a incidência de inevitáveis clichês. Não só para mim – que ouso tentar escrever sobre o tema sem recorrer à velha fórmula de recapitular o ano que passou ou planejar o que está por vir – como para qualquer um, independente da atividade que se disponha a exercer durante estes dias.

A bem da verdade, dificilmente algo que ocorra ou porventura seja decidido entre 26 e 30 de dezembro será definitivo ou mesmo relevante, isso porque toda a atenção das pessoas nesta época se converte para a recuperação física e psicológica da comilança natalina ou para a tarefa de antever as conquistas que pretendem alcançar no próximo ano. Portanto, esteja trabalhando ou curtindo férias, você pode estar certo de que não será surpreendido por grandes acontecimentos ou imprevistos.

A fim de evitar possíveis alegações sobre a leviandade desta minha tese, realizei uma breve pesquisa sobre os fatos que marcaram o referido período ao longo da história. O resultado fala por si só: 27 de dezembro de 1948, por exemplo, destacou-se por coincidir com a data da independência político-administrativa do município de Jequitaí, no norte de Minas Gerais, olha que bacana. Já em 28 de dezembro de 1975, cantou-se pela primeira vez o hino do Timor Leste. E quem sabia dessa? Também foi num 29 de dezembro, em 1992, que fundaram o Independente Esportes Clube Macaé; ainda no quesito esportes, em 30 de dezembro de 2009, acreditem vocês ou não, o clube belga Excelsior Mouscron foi excluído do campeonato local, por não entrar em campo para disputar uma partida.

Reparem que não é implicância minha, mas sim as próprias evidências a sugerir que o Natal e o Ano Novo poderiam se fundir de uma vez sem qualquer prejuízo, evitando assim a semana moribunda que tradicionalmente se faz entre uma e outra data. Agora pensem nos benefícios de ir dormir na noite do dia 25 e acordar logo na manhã do dia 31. Que semana não seria essa, hein?! Três dias de festa ininterrupta, praticamente um segundo carnaval!

Para quem costuma receber parentes em casa, a compactação do final de ano representaria também o fim daqueles colchonetes espalhados pela sala, da fila pra tomar banho e da necessidade de fornecer comida para um batalhão. Se bem que o novo modelo praticamente aniquilaria a chance de passar o Natal em casa com a família e o Ano Novo com os amigos, bem longe dela. Aliás, como dizer para aquele tio que veio de tão longe para usufruir de míseros 3 dias na companhia de seus entes queridos que você tem outros planos para o Réveillon? Não dá, né?

Pelo sim pelo não, melhor deixar tudo como está, e aproveitar esses últimos dias do ano para arrumar a gaveta das contas antigas, ler um bom livro sobre apicultura, aprender a embaralhar cartas de baralho, lixar os calos dos pés, e o que mais sua imaginação determinar, tendo a certeza de que nada nem ninguém se porá em seu caminho.

Caso você discorde radicalmente das razões expostas neste texto e considere possuir argumentos que justifiquem a existência dessa derradeira semana de 2011, não hesite em dividi-los conosco através da seção de comentários deste blog. Se você concorda com o que leu, escreva também, quem sabe juntos não consigamos alterar o calendário?

Bom, se você não concorda nem discorda, tudo bem. Afinal, semana que vem será 2012 de um jeito ou de outro. Então, feliz ano novo!

O Último Presente

qua, 21/12/11
por Bruno Medina |

Engana-se quem porventura pensar que é por falta de empenho, incompetência ou simplesmente por azar que a essa altura ainda se veja às voltas com as compras de Natal. Pois saibam que, ao menos para mim, sempre foi dessa forma: não adianta, por mais enxuta que seja a lista, existe sempre um presente que caprichosamente não se deixa encontrar. Podem apostar que ao redor do mundo, neste exato momento, há um incontável número de pessoas nesta mesma situação, arrancando os últimos fios de cabelo por não ter ainda conseguido se ver livre da frustrante missão.

Para muita gente, aliás, o verdadeiro espírito natalino resume-se a esta angustiante experiência, capaz de transformar a imaculada imagem do bom velinho num algoz que personifica terror e opressão. Na prática, a tarefa de escolher presentes natalinos não difere muito de um jogo de azar, sendo que, no caso, a vitória consiste em apostar suas fichas no casamento perfeito entre o perfil das pessoas que estão em sua lista com os itens que você considera ideais, dentro do orçamento previsto.

No início das compras tudo corre bem, visto que o primeiro presente, por ser o mais óbvio, revela-se como o mais fácil também. A medida em que o número de sacolas penduradas nos braços aumenta, aumenta a expectativa de cumprir a meta em tempo recorde. Você se sente como uma ave de rapina, planado pelos corredores do shopping com os olhos vidrados nas vitrines, em busca de sua próxima presa. Quando algo lhe chama a atenção, você entra na loja num rasante cinematográfico, faz uma ou duas perguntas ao vendedor e, num piscar de olhos, já está na fila do caixa de novo.

Uma olhada rápida na lista e a constatação de sua inquestionável eficiência; foram dez presentes comprados em uma hora, e só falta um. Chega até a ser covardia, um mísero presente? Quanto tempo isso pode levar, cinco minutos? É aí que começa o drama. O vestido é lindo, mas muito caro, a sandália está com um preço ótimo, mas não há no estoque o número de que você precisa. Agenda você deu no ano passado, chocolate é muito impessoal, que tal um perfume? Não, isso ela já tem demais. Calça jeans não dá, só a pessoa experimentando. Um livro, mas qual? Sem se dar conta, a maldição do último presente recaiu sobre você.

Agora são duas horas pendurado por um único item da lista. As sacolas pesam, os pés estão cansados, a fome bateu. Uma pausa para o lanche e o contexto já é totalmente outro, a máquina de comprar presentes sorveu-se em exaustão, trazendo a reboque a certeza de que sua única pendência não será resolvida ali. A sensação se parece muito com quando se está de recuperação na escola, trocando as férias pelos livros e a desalentadora possibilidade de perder todo um ano de estudos, enquanto os demais colegas relaxam e aproveitam o verão. Talvez o pior seja perceber que no horizonte daqueles que ainda não concluíram suas compras de Natal estão lojas apinhadas de compradores aflitos, se acotovelando pelos presentes que por alguma razão ninguém quis comprar. Em resumo, a conhecida via crusis que não por acaso coincide com a mais rentável data do ano para o setor comercial.

Não sei se serve de consolo, mas, antes de entrar em desespero, pense que esta história pode ter um desfecho feliz: afinal, o amaldiçoado presente pode vir a agradar em cheio, e então todo o sofrimento por ele causado não terá sido em vão. Isso sem mencionar que o próprio leitor pode estar agora mesmo tirando o sono de um amigo ou parente. Seja como for, nada que não possa ser resolvido. Na temporada de trocas que se inicia a partir do dia 26.

Feliz Natal!

O Som da Inconveniência

dom, 11/12/11
por Bruno Medina |

– João, queríamos, antes de tudo, agradecê-lo muito por nos receber. Isso é simplesmente inacreditável! Devo dizer que nosso trabalho foi muito influenciado pelo seu, sempre aprendemos muito com seus discos…

– Gentileza sua … eu que tenho aprendido demais com vocês, em especial com a forma como lidam com a plateia.

– Sério?!

– Claro! Essa coisa de não permitir baterem palmas antes dos 30 minutos de show… de onde vocês tiraram isso?  É, é… simplesmente genial!

– Ouviu, Erlend? O pai da Bossa Nova acha que somos geniais!

– É. Eu mesmo nunca tive coragem de propor um negócio desses, não sei porquê. Outra: pedirem para estalar os dedos, ao invés de bater palmas para acompanhar as músicas? Fantástico!

– Obrigado! Aliás, quem aguenta tantas palmas desencontradas? Chega até a doer nos ouvidos.

– Agora eu queria saciar uma curiosidade minha: como é que vocês lidam com as tosses?

– Bem, a tosse é de fato um problema complicado, mas não sei se temos algo pensado para isso ainda…

– … Porque a tosse vem de dentro, né? Quer dizer, o sujeito supostamente não consegue controlar a própria tosse, ou vocês acham que a tosse pode ser administrada, colocando, por exemplo, um cartaz assim ó: “proibido tossir nos primeiros 15 minutos”? Porque aí, vejam bem, se todo mundo deixar pra tossir junto num mesmo momento, essa tossissão toda pode ser até introduzida no roteiro do show, tipo “pausa de 5 minutos para tossir”.

– A ideia é boa realmente, mas não sei se funcionaria com o público do Kings of Convenience.

– Ah é? E por quê?

–  Porque talvez o burburinho dos que não estão tossindo, ao coibir os que porventura tossirem no momento impróprio, poderia gerar um efeito sonoro pior do que a própria tosse em si.

– Entendo. É, pode ser.

(…)

– João, tudo bem aí?

– Sim, é só que eu estava pensando sobre uma ideia que tive no outro dia.

– Qual?

– Sabe aqueles fones de ouvidos que inventaram para escutar música dentro do avião? Eles funcionam porque emitem uma frequência idêntica ao barulho das turbinas, só que inversa, tendo, como resultado, a anulação do ruído. Imagina se fizessem uma engenhoca dessas para projetar nas caixas de som durante um show?

– Acho que não entendi.

– É simples. Junto com o canal de áudio que sai do palco, vai para o público uma camada sonora invertida, contendo som de tosse, de espirro, de pigarro, de papel de balinha abrindo, de risada, de conversa baixa e alta, de garrafas e copos tilintando no bar, de passos no corredor, de bunda se ajeitando na cadeira. Daí, essa frequência enviada se anularia com a produzida pela plateia, e o show não teria qualquer interferência. Imaginem que beleza não seria isso!? É como tocar no Espaço! Vocês acham que alguém lá na Noruega pode desenvolver um troço desses?

– O que acha, Eirik? Eu mesmo não saberia dizer se isso é fisicamente viável…

– Tá certo. Bom, mas se vocês puderem perguntar por lá, agradeço. Os noruegueses são muito bons nessas coisas de tecnologia.

– João, nossa conversa está ótima, mas gostaria de propor, se isso não for incomodá-lo, de subirmos até aí, no seu apartamento. Porque agora começou a chover e não teremos mais como falar no interfone sem nos molhar.

(…)

– João? Você ainda está aí?

As Quatro Estações

seg, 05/12/11
por Bruno Medina |

Uma cena trivial –vivenciada ontem no corredor de um shopping center– me fez refletir sobre o quão vasta e surpreendente é a gama de instrumentos que se tem ao dispor quando o intuito é medir a passagem dos anos. Devo concordar que um pensamento desta envergadura de fato parece incompatível com o propósito de realizar compras de Natal, mas ainda assim é melhor entreter-se com o existencialismo de botequim do que dar ouvidos ao CD de músicas natalinas em ritmo de pagode que ressoava pelos autofalantes de uma das lojas em que estive. Pois bem, voltando ao osso, além dos ponteiros do relógio, sempre implacáveis em não deixar escapar um segundo sequer de cada existência, há também as rugas, a tonalidade (e a quantidade) dos fios de cabelo, a ação da gravidade sobre o corpo, a falta de memória, o excesso de juízo, apenas para citar algumas dentre tantas outras evidências mais ou menos visíveis de que o tempo, como já disse Caetano, é mesmo um “compositor de destinos”.

Deixemos de lado as divagações e voltemos à historinha que quero contar: eis que lá estava eu, numa tarde de domingo, uma criança em cada braço, esperando a benevolência daquele homenzarrão vestido de Papai Noel em propiciar aos meus filhos um momento de encantamento e ternura, do qual, possivelmente, nunca irão se esquecer. Afinal, instantâneos tirados em companhia do bom velhinho pertencem àquela categoria de souvenires que potencialmente atravessam décadas, para se tornarem símbolos máximos de infâncias felizes, ainda que não o tenham sido. Portanto, quando a mocinha que assessorava o barbudo mor me perguntou se eu queria usar na foto o característico gorro, reagi com indignação. “Claro que sim!”, respondi, deixando implícita a questão sobre que espécie deplorável de pessoa é essa que se nega a utilizar o adereço, ousando arranhar, aos olhos dos pequenos, a magia do emblemático registro em detrimento da própria vaidade. Eu não, sobretudo após ter protagonizado ao longo dos anos tantas situações tão mais embaraçosas do que esta, algumas por causa dos filhos, outras por causa própria.

Foi então que me dei conta de como aquela relativização do que define um “mico” dizia sobre mim e sobre tudo que eu havia vivido até então. Assim somos nós, humanos; na primavera de nossas vidas, desconhecemos por completo o significado de sentir-se constrangido, e isso inclui o benefício de poder jogar-se no chão por não conseguir o que se deseja, chorar quando se sente medo ou ficar pelado sem pudores na frente de quem quer que seja. Quando chega o verão, tudo está a flor da pele, e apenas ser visto saltar do carro do pai na porta da escola ou não usar o tênis da marca que “todo mundo tem” já é suficiente para motivar semanas de sofreguidão e autoexílio. No outono, relativiza-se os extremos e finalmente compreende-se que é inevitável determinada dose do sentimento. Se não é mais possível jogar-se no chão por estar frustrado, até permite-se chorar de medo sem grande estardalhaço ou ficar pelado sem pudores na frente de um número limitado de pessoas. Por último, no inverno, ocorre justo o contrário do que na primavera, ou seja, tem-se plena consciência do que é constrangedor, mas nem por isso coíbe-se qualquer tipo de comportamento.

Mas é claro que não se trata de uma ciência. As fases podem se dar em intensidades variadas, ou mesmo ocorrer fora da ordem sugerida, a depender de cada pessoa. Caso você, leitor, tenha ficado em dúvida sobre o estágio em que se encontra, há um teste infalível e muito prático a ser feito. Basta identificar o que você sente ao olhar para a foto abaixo:



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