Os últimos (nunca) serão os primeiros

seg, 29/08/11
por Bruno Medina |

Já notaram como todo mundo anda muito ansioso ultimamente? Observem nas ruas, nos restaurantes, nos elevadores, nas praias paradisíacas, nos domingos de manhã; seja quando ou onde for, não importam as circunstâncias, há sempre alguém na iminência de literalmente surtar em razão do tempo que está sendo perdido. Aliás, “perder tempo” tornou-se o novo sinônimo do processo que qualquer coisa demanda para acontecer, ainda que este seja breve ou muito menor do que tenha sido um dia. Aos olhos de um ansioso, a verdade é que pouco importa se o avião encurta para um punhado de horas a viagem que no passado se estenderia por semanas, ou até meses. Um atraso, de 15 minutos que seja, já é motivo para despertar angustia e irritação.

Não deixa de ser curioso observar como, a medida que a tecnologia avança e o mundo torna-se mais prático e ágil, ao invés de regredirem, os índices de ansiedade só fazem aumentar, ao passo que a síndrome estranhamente começa a ser encarada com naturalidade, a ponto de quase transformar-se em virtude. Nas entrevistas de emprego, quando vem a clássica pergunta “cite seu maior defeito”, quase todo mundo responde “ansiedade”, pois aí está um aspecto negativo da personalidade que, se bem explorado, pode até render frutos positivos para o futuro chefe, né?

No trânsito, por exemplo, a julgar pelo comportamento de certos motoristas, não raro é possível se sentir como um oponente a ser vencido ou eliminado, um mero obstáculo impedindo a passagem. Não duvide que muita gente por aí adoraria ter aquelas bombinhas do Mario Kart, só para eliminar carros morosos de seu caminho e… chegar antes. A essa altura, acho que já posso confessar minha condição de ansioso inveterado. Reconheço isso sem um pingo de orgulho ou romantismo, afinal, só quem padece desse mal sabe quanto sofrimento pode causar.

Com o intuito de ajudar você, leitor, que ainda não sabe o que pensar sobre os níveis de ansiedade que transparecem em seu cotidiano, foi criado um questionário, capaz de indicar a seriedade do suposto problema. Bem, vamos as perguntas:

 

1) Em sua opinião, qual foi o maior advento da humanidade?

a) roda

b) energia elétrica

c) Penicilina

d) banda larga residencial de 100 MB

 

2) O que o deixa realmente frustrado?

a) nada

b) injustiça

c) corrupção

d) o tempo que o microondas demora para esquentar o jantar

 

3) Antes de deitar, um pensamento que costuma te ocorrer é:

a) “como amo minha família e amigos!”

b) “que bom que tive um dia produtivo”

c) “amanhã será um dia longo, preciso descansar”

d) “será que já tomo o remédio logo ou espero conseguir dormir por conta própria?”

 

4) O que poderia ser melhor em sua vida?

a) ter mais tempo para fazer as coisas de que gosta

b) ser mais tolerante com os outros

c) se empenhar mais em aprender coisas novas

d) ter unhas maiores para poder roer/conseguir roer as unhas do pé

 

5) Em sua opinião, qual é a melhor maneira de aproveitar o tempo livre:

a) ficando de pernas pro ar, sem fazer nada

b) assistir a um bom filme ou ler um livro

c) dormir

d) fazer uma lista de tudo que precisa ser feito nos próximos meses

 

6) Defina “felicidade”:

a) o estado de espírito de quem pratica o amor

b) nosso maior objetivo na vida

c) um sentimento pelo qual vale a pena lutar

d) chegar no cinema cedo o bastante para conseguir ser o primeiro a entrar na sala

 

7) Ao perder um ônibus e descobrir que o próximo só passará dentro de uma hora, você:

a) sorri e aproveita a espera para fazer novos amigos

b) reclama um pouco, mas logo se conforma, afinal, que outro jeito?

c) desiste de esperar e pensa em outra alternativa

d) sai correndo atrás do ônibus, ao mesmo tempo em que pede carona e liga para uma companhia de táxi

 

8 ) Para terminar, o que deseja para o futuro?

a) que a humanidade se torne livre das guerras

b) que o meio ambiente seja tratado com mais seriedade

c) que o Brasil se torne um país mais justo

d) que haja mais caixas e menos filas nos supermercados

 

Bom, se você não desistiu no meio e conseguiu chegar até aqui, parabéns, o caso não é tão grave quanto se imaginava, mas se você respondeu muitas vezes a letra “d”, o ideal seria refazer o teste escolhendo outras opções.

Por trás das 5 estrelas

seg, 22/08/11
por Bruno Medina |

Mochilão pela Europa, antiga viagem dos sonhos que finalmente se concretizou. Passagens aéreas garantidas com vaquinha dos parentes, roteiro extenso, grana curta, é chegada a hora de escolher um albergue em… Budapeste. Você pensa: “que bom que existem pessoas generosas o suficiente para fazer resenhas virtuais dos lugares onde se hospedaram, e assim ajudar outros viajantes como eu”. Baseado no princípio que rege a democracia das opiniões na web, você se decide por um hostel que não impressiona pela aparência, mas que possui incontáveis qualificações muito positivas, afinal, como diz o ditado, “a voz do povo é a voz de Deus”, né? Mas e se, neste caso, a voz de Deus fosse um coro orquestrado em prol de interesses escusos, formado não por mochileiros, mas por resenhistas profissionais, que nunca sequer pisaram na cidade em questão?

A existência de uma máfia das resenhas positivas na internet foi denunciada neste último final de semana, através de matéria publicada na edição digital do New York Times. O jornalão norteamericano apurou a atuação de empresas que, em troca de pagamentos que variam de U$5 a U$10, redigem comentários positivos para hotéis, livros, restaurantes ou eletroeletrônicos que careçam de um “empurrãozinho” para ganhar fama ou notoriedade. É importante ressaltar que não há grau de comparação com a clássica estratégia de solicitar a amigos e parentes que escrevam elogios rasgados a produtos e serviços ofertados por entes queridos.

Não se trata de meia dúzia de gatos pingados, mas de uma verdadeira indústria especializada na arte de adulterar a realidade e que se alastra silenciosamente. Em tempos em que o comércio eletrônico representa uma fatia cada vez mais significativa da economia mundial, a descoberta de um esquema capaz de comprometer a credibilidade deste que sempre foi o mais popular instrumento de apoio a tomada de decisão na web, potencialmente, coloca todo o sistema em xeque. Para se ter uma ideia da importância com que o assunto vem sendo tratado, um grupo de cientistas da Universidade de Cornell já está trabalhando na criação de um algoritmo orientado a distinguir as avaliações reais das fictícias. O estudo até agora apontou alguns traços determinantes, tais como o fato das resenhas falsas tenderem a ser mais focadas, por exemplo, numa narrativa recheada de superlativos da experiência num determinado hotel, muito embora sejam pouco ou nada descritivas quanto aos detalhes.

Procurado pela reportagem do New York Times para comentar o escândalo, um representante da Amazon alegou que a empresa já conta com iniciativas para combater o comércio das falsas avaliações virtuais. O interessante foi descobrir através da matéria que há um grupo de avaliadores considerados muito ativos neste site que costumam ser presenteados pelos fabricantes de diversos produtos por sua – digamos – predisposição a “gostar das coisas”, ou seja… Acredito que o maior dano que a máfia das resenhas positivas pode causar não se aplica aos casos extremos, tais como o de hotéis com reputação claramente duvidosa melhor avaliados do que o Copacabana Palace; para estes, o bom senso do consumidor sempre serão o melhor remédio. Mais delicados seriam os casos de livros medianos que, a partir da intervenção de seus editores, poderiam passar de regulares a ótimos, apenas com base no poder da influência de opiniões em cadeia.

Agora, já pensou se a moda chega no Brasil?

… E quem garante que não chegou?

Sonhar não custa nada

seg, 15/08/11
por Bruno Medina |

Devo admitir que num primeiro momento não soube bem o que pensar dessa propaganda protagonizada pelo Byafra, que se espalha pelos 4 cantos da web com velocidade e força consideráveis. Para quem não sabe do que estou falando, trata-se de uma peça publicitária de seguro automotivo, na qual o cantor destila os agudos característicos entoando seu maior hit – o clássico oitentista “Sonho de Ícaro” – no banco de trás de um carro que está sendo roubado. Apesar da tentativa de ignorá-lo no afã de cumprir seu ofício, o ladrão acaba desistindo do delito, supostamente por não conseguir suportar o show particular endereçado a ele. Ao final, um locutor ainda aconselha: “vai que o seu carro não vem com o Byafra cantando…”.

Bem, para começar, talvez seja verdade que minha comoção (se é que podemos chamar assim) em relação ao conceito da propaganda esteja diretamente relacionada ao fato de que o mesmo Byafra, não faz muito tempo, foi vítima de um dos incidentes mais tragicômicos jamais registrados desde que vídeos curiosos postados no Youtube passaram a ser o ponto alto das discussões em mesas de bar. Afinal, como perder tempo debatendo pormenores de escândalos políticos locais ou a dilaceração do sistema econômico mundial se um sujeito toma um parapente no meio da fuça e ainda por cima havia uma câmera ligada, não é mesmo? Pois é. Meu incomodo com o comercial da seguradora tem, portanto, origem na sensação de que o episódio do parapente, somado ao auto-direcionado deboche, seriam um fardo demasiadamente cruel para qualquer artista que se preze carregar.

Na tentativa de identificar compensações que justificassem a brincadeira de gosto duvidoso a que Byafra agora se submete, considerei uma polpuda soma em dinheiro, quem sabe a agenda de shows mais movimentada, e a convicção de que, após duas décadas de ostracismo, dificilmente seria possível para ele alcançar tamanha repercussão de outra maneira. Ao que parece, tendo como referência declarações do cantor sobre sua participação na polêmica propaganda, a grana recebida pelo trabalho não foi tão significativa (segundo ele, um pouco mais do que costuma receber por uma apresentação), restando como legado da empreitada, então, apenas o trunfo da atenção a ser conquistada.

Antes de seguir a diante, não custa lembrar que, nesse exato instante, Byafra trava com os já consagrados Pôneis Malditos uma árdua batalha pelo posto de webhit da temporada; ou seja, dentre os vídeos mais populares do momento no país, estão duas campanhas publicitárias. Mas o que isso significa exatamente? Bom, além de atestar a eficiência de nossos publicitários em transformar o infame em sucesso, seria uma clara demonstração de que nos dias de hoje a natureza do fato tem pouca ou nenhuma influência sobre sua repercussão. Em tempos de mudanças tão dramáticas quanto a obtenção, a classificação e, por quê não dizer, a relevância do que consumimos como informação, o incidente do parapente, o comercial da seguradora, o artigo do jornal que o noticia e até o post deste que vos escreve, estão inseridos numa única categoria, a mesma que se aplica a qualquer conteúdo disponível na web, sem distinção.

Dessa maneira, sendo todas as peças partes de um imenso mosaico onde verdades, mentiras, humor ou tragédia convivem lado a lado, o comercial que rende fama repentina ao cantor nada mais é do que um fragmento diminuto deste novo panorama, onde não importa mais se a exposição é positiva ou negativa, real ou inventada, contanto que ela… repercuta. Seja como for, Byafra pretende aproveitar a boa fase para lançar um disco ao vivo em outubro, além de um livro cujos personagens serão inspirados na música que o alçou ao estrelato em 1984. Fico na torcida para que seu sonho, quase trinta anos depois, perdure tempo suficiente para tanto.

A grama do vizinho

seg, 08/08/11
por Bruno Medina |

– olha lá, é daquilo ali que eu estou falando…

– daquilo, o que?

– aquele casal de pé, perto da entrada do restaurante…

– que que tem?

– como o que que tem? Dá pra sentir no ar que eles se amam de verdade, que têm respeito um pelo outro, cumplicidade. Repara no jeito carinhoso com que ele olha pra ela. Devem ser muito felizes…

– tipo, o contrário da gente, né?

– é você que tá dizendo…

– olha como você é engraçada: me trata com indiferença por dias, ríspida, agressiva, dando patada o tempo todo, agora vem se queixar de falta de romance?

– se você está se referindo ao que aconteceu esta semana, saiba que tive meus motivos pra ficar com raiva de você, ok?

– mas o que foi que eu fiz?!

– você sabe o que você fez…

– não sei não. Diz então: o que foi que eu fiz pra você ficar 2 dias sem falar direito comigo?

– você quer mesmo que eu diga?

– quero! Não é uma pergunta retórica, responde aí, vai…

– bom, no momento, assim, não me lembro, mas aposto que foi algo que me tirou do sério. Uma daquelas coisas absurdamente sem noção que você faz de vez em quando, só pra me irritar…

– tá vendo, você nem sabe por que a gente brigou… isso é o cúmulo!

– cúmulo é o jeito com que você me trata. Parece que gosta mais do seu instrutor de pilates ou, sei lá, do seu Ipad, do que de mim, que sou sua mulher.

– putz, que absurdo… frente a esse argumento eu tenho que me render! Não dá pra argumentar, porque, por mais que esteja errada, você nunca aceita ser contrariada.

– eu nunca aceito ser contrariada?! De onde você tirou isso?

– tá bom, chega! Vamos só terminar o jantar em silêncio, pode ser?

(…)

– pô, amor, não vamos ficar nesse clima horrível não… a gente tá brigando por cada besteira…

– pois é, estamos aqui nesse restaurante incrível, comendo esses prato delicioso, desperdiçando um momento que tinha tudo pra ser especial…

– exatamente… olha, vamos passar uma borracha nisso tudo, tá bom? Eu me sinto ruir por dentro quando penso que você não está feliz…

– ai, que coisa mais linda, amor.

– vem cá, me dá um beijo…

Enquanto o casal se beija, de uma mesa localizada a alguns metros de distância, um outro casal observa a cena:

– olha lá, é daquilo ali que eu estou falando…

A verdade está lá fora

seg, 01/08/11
por Bruno Medina |

O post de hoje começa com uma pergunta cuja resposta parece ser relativamente óbvia: ao utilizar a internet, você considera sofrer algum tipo de censura? A maioria dos leitores, suponho, diria que não. Baseariam suas argumentações no fato de vivermos num país regido pela democracia e pela liberdade de expressão, princípios que por si só asseguram aos seus cidadãos acesso pleno a qualquer tipo de informação disponível na web, certo?

Bom, era assim que eu pensava até muito pouco tempo, mais precisamente desde que fui convencido de que a Internet, como a conhecíamos, morreu. “Como assim, Bruno, tá louco? Hoje mesmo eu chequei meu e-mail várias vezes, conversei com meu primo via Skype, twittei com amigos, publiquei umas fotos do fim de semana no Facebook, ou seja, passei o dia todo na web…”.

Uma pequena correção: o hipotético autor da afirmação passou o dia todo navegando através de aplicativos, os mesmos que estão progressivamente substituindo a internet aberta e irrestrita por plataformas de acesso controlado. A verdade é que, por mais que amássemos a sensação de liberdade propiciada pela “world wide web”, aceitamos trocá-la por serviços que simplificam o dia-a-dia, ou que apenas se adequam melhor às nossas necessidades triviais.

Tá, mas o que há de tão errado nisso?

Bom, aí depende, digamos, do seu apetite pela “verdadeira informação”; consideremos como exemplo o impressionante relato de um especialista no assunto, Eli Pariser, durante apresentação realizada no TED do ano passado: dizia ele que, ao acessar o Facebook, começou a notar que amigos de orientação política distinta da sua começaram a desaparecer do feed de notícias, sem qualquer explicação; mais tarde veio a descobrir que isso aconteceu porque o site conhecia a inclinação partidária de Eli e de alguns dos seus conhecidos, e que portanto decidiu de maneira arbitrária que pessoas de correntes políticas contrárias não deveriam receber informações constantes uma das outras.

Não satisfeito, Eli resolveu ir um pouco mais a fundo. Propôs a dois colegas que buscassem simultaneamente a palavra “Egito” no Google e que salvassem as telas que exibiam os achados das pesquisas para posterior comparação. Apesar de tratarem-se de homens com idades semelhantes, ambos residentes na cidade de Nova York, surpreendentemente, os resultados obtidos não poderiam ser mais discrepantes. Enquanto um recebeu dicas de restaurantes e passeios turísticos disponíveis no Cairo – nada muito relevante – o outro obteve diversos links de reportagens sobre os protestos que ano passado culminaram com a renúncia de Hosni Mubarak.

Ao buscar explicações para o estranho acontecimento, Eli soube por um técnico do Google que o site analisa nada menos do que 57 sinais, tais como modelo de computador, browser e localização geográfica para filtrar resultados das buscas que eu e você realizamos todos os dias. A conclusão aterradora é a de que não existe um resultado padrão do Google, mas sim um que varia de acordo com enigmáticas conjunturas.

Do jeito que a rede se estabeleceu atualmente, o universo do que enxergamos na internet é delimitado apenas pelo que esta acha que desejamos enxergar. É como se estivéssemos dentro de uma grande bolha, que utiliza nossos presumidos gostos para filtrar toda a informação do entorno, sem nos dizer como ou por que. Não é o caso de fazer apologia ao fim dos diversos filtros que incidem sobre nossa jornada pela web, afinal seria não só ingênuo como também impraticável conceber a ausência de qualquer tipo de controle. Talvez uma reivindicação mais plausível, e também mais realista, seria cobrar dos senhores que controlam as portas de entrada e de saída das informações que circulam na web a divulgação dos critérios que utilizam para tal.

Para terminar, proponho uma nova reflexão sobre a pergunta que abre este texto. Será que sua resposta ainda seria a mesma?



Formulário de Busca


2000-2015 globo.com Todos os direitos reservados. Política de privacidade