O amor nos tempos da impessoalidade
Às quinze para as seis, sabia, era cedo demais para sair de casa. “Mas tem o trânsito…”, disse a si mesma, num esforço de justificar a incontrolável ansiedade. Durante o trajeto cumprido de ônibus, repassava mentalmente o protocolo a ser seguido. Pela janela, a paisagem da cidade corria pontuada por suspiros de ternura e pânico, se é que isso é possível.
Melhor seria, então, permitir que os minutos restantes daquela viagem fossem preenchidos por uma leitura, uma música quem sabe, mas, ao invés de distrai-la, qualquer tentativa de evitar a antecipação do fatídico encontro só aumentava a consciência de sua importância. Chegou ao destino rápido demais, muito antes até do que seria considerado cedo. Sentada no banco da praça, recorreu ao clichê dos inveterados solitários, filando o cigarro de um passante como companhia.
Aquela fumaça toda, que desde a época de escola não lhe era familiar, só fez aumentar o nó que já sentia dentro do peito. Na meia hora seguinte, sacou da bolsa tantas vezes o celular que seria mais prático simplesmente permanecer segurando-o nas mãos. No pequenino visor, o olhar percorria o roteiro de conferir as horas, o sinal da operadora e o ícone que indicava a entrada de uma nova mensagem, sempre nessa mesma ordem. Faltando dez minutos para o horário combinado, cogitou ligar para avisar que havia chegado um pouco antes. Não, isso seria, com certeza, um péssimo início, a repetição do padrão que tanto a incomodava, e que, dessa vez, gostaria de mudar.
O certo, na verdade, seria nem estar lá quando ele chegasse. Que houvesse tempo suficiente para acirrar as expectativas, até o ponto de deixá-lo feito uma adolescente histérica na iminência da presença do ídolo. E só então ela surgiria, plácida, altiva, serena, aproximando-se enquanto lia um livro, desviando os olhos das páginas apenas quando estivesse em frente a ele, como se aquele homem não fosse mais interessante do que o parágrafo seguinte da história que deixara de ler.
Dito e feito. De súbito pôs-se a caminhar, ainda que com as pernas trêmulas, para um ponto em que pudesse se reservar à condição de surpresa. Meia volta dada, um sujeito se aproxima do banco, o movimento de pescoço para os lados, como quem procura algo, sentenciava, não havia como não ser ele. O cair da noite e a distância do objeto impediam uma impressão mais segura, ou então era o coração, quase saltando pela boca, que não a deixava raciocinar direito. Decidiu chegar por trás, realçando ainda mais aquele indescritível momento:
- Nossa, você tá bem diferente daquela foto do perfil! Quase não reconheci…
- E você, que nem parece a mesma pessoa?!
(silêncio)
- E aí? O que que a gente faz então?
- A gente bebe. Prazer, meu nome é Photoshop…