Caindo na pilha

seg, 28/02/11
por Bruno Medina |

Outro dia uma amiga fez uma observação curiosa, sobre a qual pouca gente deve ter se dado conta: o trote telefônico caminha para a extinção. A bem da verdade, ele ainda resiste em sua modalidade mais “profissional”, como atração de programas humorísticos transmitidos por rádio e, infelizmente, na forma de falsas chamadas para serviços públicos de emergência. Mas aquele trote inofensivo e pueril, resultado da explosiva combinação de um telefone dando bobeira e uma criança entediada, tornou-se, de fato, coisa do passado.

A suposição se confirma através da simples comparação entre o número de trotes que você, leitor, passou na infância versus quantos recebeu nos últimos anos. Eu pelo menos posso assegurar que, durante boa parte da minha vida escolar, a cada 10 vezes que o telefone de casa tocava, uma pelo menos era para responder se havia um caminhão de gelo na frente do prédio, se era do cemitério ou da padaria, ou mesmo apenas ouvir uma saraivada de palavrões, sem qualquer propósito. Como na imensa maioria das vezes as vítimas eram escolhidas ao acaso, a melhor estratégia sempre foi não esboçar qualquer reação, para ser esquecido e não correr o risco de ter o número marcado como sendo o do cara que “caiu na pilha”.

Encontrar o cara que cai na pilha é, sem dúvida, a maior glória possível para os adeptos desse tipo de entretenimento. Lembro-me da vez em que liguei para um sujeito qualquer e consegui convencê-lo de que participava ao vivo de um programa de rádio (só deu certo porque ele não possuía som em casa e, portanto, não pode confirmar a veracidade da situação). Sordidamente me aproveitando desse porém, fiz-lhe algumas perguntas bem fáceis e disse que ele havia conquistado o prêmio máximo que era, claro, um microsystem! Passei o endereço fictício mais distante que pude imaginar e ele anotou, perguntando se poderia ir buscar 2 dias depois. Acho que, de tanto remorso, depois desse, nunca mais passei trote algum.

Mas se fedelhos a procura de autoafirmação e pessoas de boa fé continuam existindo aos borbotões por aí, por que será então que os trotes telefônicos caíram em desuso? Desconfio que a explicação para o fenômeno tenha menos a ver com o advento do bina e mais com a tese de que aquela turma, que antes escrevia mensagens desaforadas nas portas de banheiro públicos, migrou em definitivo para a internet. Repare como qualquer discussão na web que tenha um mínimo de relevância é invariavelmente solapada por um sem número de comentários pouco edificantes, pra dizer o mínimo.

Pois basta alguém amar alguma coisa para aparecer logo um exército de gente disposta a odiá-lo exatamente por isso. E não é a universalização do acesso uma das mais significativas conquistas do poderoso canal? Além do que, convenhamos, ser espírito de porco na internet não só é de graça como mais cômodo e seguro, sem mencionar a visibilidade que pode conceder ao detrator. Afinal, não são raros os casos em que uma troça bem feita na internet acaba rendendo um convite para ganhar um bom dinheiro e ser babaca fora dela, em rede nacional, quiçá mundial! Ao passo que o trote telefônico, do alto de sua simplicidade, rende, no máximo, a solitária satisfação de ter feito alguém de bobo por um ou dois minutos; quando não uma reação extremada da diminuta plateia, manifestada através de um puxão de orelha dado pela avó.

Prezado Thom,

seg, 21/02/11
por Bruno Medina |

Lá se vão quase 2 anos desde que nos esbarramos nos corredores do backstage, naquele show em que Radiohead e Los Hermanos tocaram juntos aqui no Rio, na Praça da Apoteose, lembra? Na ocasião de nosso quase “encontrão”, você, tão esguio, chegou a cambalear, e desculpou-se pela pressa estabanada com um “sorry” que ninguém, além de seu guarda-costas, ouviu. O semblante do careca mal encarado não deixou pairar qualquer dúvida sobre de quem seria a culpa caso você chegasse a cair no chão.

Meu remorso de fã só seria atenuado minutos depois, ao constatar sua ilustre presença na plateia, durante a passagem de som da minha banda. Você dava impressão de gostar do que ouvia – o que me deixou bastante enaltecido, inclusive – e até arriscou um discreto remelexo de quadris, que se estendeu por não mais do que alguns segundos. A reboladinha, no entanto, foi de súbito interrompida, mais precisamente, assim que você se deu conta de que todos os olhos e lentes se voltavam para seus movimentos.

Sob o sol de fim de verão, pisando o chão acimentado da passarela do samba, você não era o ídolo de uma geração, o líder de uma das bandas mais cultuadas do planeta, mas sim um gringo branquelo e desajeitado, como qualquer outro que visita este país. De certa forma, era como se ali você estivesse desamparado, sem o paredão de som e a cortina de luz que costumam emoldurar e, por que não, até justificar suas pitorescas performances.

Posto isso, quero registrar meu reconhecimento ao esforço e a coragem que você empenhou na coreografia para o clipe de “Lotus Flower”, primeiro single do álbum que o Radiohead acaba de lançar. Posso imaginar como deve ter sido difícil para alguém tímido como você se despir de todas as censuras e simplesmente sentir a música na frente de uma câmera. Acredite, digo isso com o conhecimento de causa de alguém que anos atrás fez exatamente a mesma coisa; pedir a um amigo para captar imagens de uma dança esquisita, realizada em diversos pontos da cidade, foi a maneira menos custosa que encontramos para viabilizar a segunda versão de um determinado clipe.

Suponho, claro, que a limitação de orçamento não esteja entre as razões que levaram você e seus colegas a considerar tal ideia. Entre as possíveis justificativas, especula-se por aí egotrip, falta de bom senso ou mesmo provocação. Seja qual tenha sido a verdadeira motivação, o resultado pode ser mensurado pelo burburinho que o tal clipe tem causado, talvez até maior do que o próprio lançamento do disco. Em seu lugar, ao invés de se frustrar, eu encararia como homenagem as dezenas de versões e mashups que pipocam todos os dia na web, cada uma delas trazendo sua dança embalada por um estilo musical mais improvável do que o anterior.

Tiro no pé comercial ou estratégia de marketing minuciosamente elaborada? Mico do século ou prova de sensibilidade e liberdade artísticas soberanas?

O tempo dirá.

Enquanto isso, tenho certeza, você vai estar aproveitando cada minuto…

Forte abraço!

Bruno Medina

p.s: ah, já ia esquecendo: dá próxima vez que for me imitar, tente pegar mais leve.

#carnavalfail

seg, 14/02/11
por Bruno Medina |

Faltando menos de um mês para o início do Carnaval, qualquer folião que se preze um pouquinho já sabe: é chegado o momento de pensar nas fantasias que serão usadas durante os quatro dias de festa. Não sei se essa ainda é uma preocupação relevante Brasil afora, mas, pelo menos aqui no Rio, a recente retomada dos blocos de rua é suficiente para posicionar o tema entre os trend topics da vida social da cidade neste início de ano.

Mesmo não sendo exatamente um assíduo frequentador de bailes e afins, a conquista do 1o prêmio na Matinê Carnavalesca Lambari 1985 – trajando um impecável Drácula pré-Crepúsculo que até hoje resiste como lenda por aquelas bandas – me assegura as credenciais necessárias para escrever este texto. A fim de evitar possíveis constrangimentos, humilhações ou melancólicas noites solitárias terminadas na sarjeta, nos próximos parágrafos dividirei com vocês algumas valiosas lições do que fazer e, principalmente, do que não fazer quando o assunto é fantasia.

Bem, pra começar, como todo mundo sabe, o sucesso de um traje está diretamente relacionado ao teor de criatividade inerente ao mesmo, mas é justo aí que muitos se equivocam. No afã da busca por originalidade, escolhem temas demasiadamente elaborados, de difícil compreensão: “Como assim? Estou vestido de auxiliar de almoxarifado do Império Romano… vai dizer que você não percebeu?”. Se a sua intenção com a roupa não pode ser captada em instantes, é provável que não o seja em tempo algum. Portanto, aceite passar o resto da noite dando explicações sobre a proposta “inusitada”.

Outra dica de extrema importância é jogar a favor de seus atributos físicos. Parece meio óbvio, mas o que mais se encontra por aí é gente puxando o próprio tapete sem perceber. Por exemplo: meninas que porventura estiverem acima do peso devem evitar a Odalisca, a Cleópatra e a Sereia, sob risco de ficarem parecendo um pernil embalado à vácuo. Para os meninos, vale o mesmo conselho. Pneuzão de chopp inviabiliza o Super-Homem e até o Pirata (se for com colete aberto), melhor a autocrítica de um Sr. Barriga do Chaves, Rei Momo ou até Mobi Dick. Nessas horas de desespero, não duvide que o humor pode ser um grande aliado.

Há também um grupo bastante representativo que merece ser citado, o das pessoas que escolhem fantasias que dificultam uma possível aproximação. Na’vi, Smurf ou Incrível Hulk podem ser, em tese, boas escolhas, contanto que, após o beijo, a gata não saia parecendo que mergulhou num balde de tinta. O raciocínio também se aplica àquele rapaz que ficou famoso no Youtube se fantasiando de Transformers. De que adianta tamanha engenhosidade se até para receber um abraço o sujeito precisava desmontar metade da indumentária? Na dúvida, procure evitar trajes que o obriguem a esfregar constantemente a cara no chão.

A essa altura, o leitor atento deve estar em dúvida sobre o que pensar da antiga tradição que implica em homens se vestirem de mulher. Trata-se, de fato, de um caso emblemático. Por incrível que pareça, essa pode ser uma opção muito bem sucedida, uma vez que rapazes que, durante o Carnaval, adotam vestido, batom e seios de laranja são, de forma geral, considerados como sendo seguros de sua masculinidade, característica admirada por grande parte do público feminino.

Reparem, no entanto, como esta deve ser a única fantasia em que o desejável não é acertar completamente na caracterização; afinal, se o cara ficar bem demais vestido de mulher, é certo que o tiro saiu pela culatra!

Pela tela, pela janela

seg, 07/02/11
por Bruno Medina |

Caso me perguntassem, não saberia responder se as crianças de hoje acham alguma graça em observar o espaço através da lente de uma luneta. O hábito, que durante décadas manteve-se como um passatempo bastante comum, caiu em desuso, possivelmente devido a desleal concorrência desempenhada pelos incríveis vídeos que se encontram aos borbotões na web sobre o tema.

Difícil mesmo seria encontrar um pré-adolescente que ainda se dê ao trabalho de passar horas varrendo com os olhos os céus para, quando muito, se deparar com uma bolinha reluzente, ao invés de digitar logo o nome do astro que procura no Google e ter acesso a imagens detalhadíssimas, capturadas a partir do nariz de uma sonda qualquer enviada pela Nasa.

Seguindo o mesmo raciocínio, também não devem gozar de muito prestígio atualmente aqueles imensos binóculos, presente preferido de 9 entre 10 avôs, e odiado por 11 em cada 10 vizinhos do prédio em frente. Durante os anos 80, asseguro, era possível passar uma tarde inteira de férias dentro de casa sem sinal de tédio, apenas bisbilhotando a intimidade de ilustres desconhecidos pelas janelas de seus apartamentos.

Uma boa semana de “garimpagem” podia render, por exemplo, uma patética imitação de Michael Jackson diante do espelho do quarto, um casal de jovens namorados no maior amasso, quando os pais da menina deixavam a sala de TV, ou, quem sabe, no melhor dos mundos, a bela moradora do 6o andar de calcinha e sutiã, saindo do banho. Mas isso foi antes da internet… Em 2011, parece mais provável topar com a mesma bela vizinha de biquíni no Facebook, em imagens registradas pela indiscreta câmera de um amigo do amigo, num churrasco regado a caipirinha.

Pensando bem, o próprio conceito de voyeurismo, numa época de tamanha exposição e tão pouca privacidade, merece ser redefinido. A banalização da intimidade a que estamos constantemente submetidos, por vezes de maneira tão impositiva, já é uma tendência forte o suficiente para determinar o surgimento de uma geração que considera apertar o botão “curtir” a maneira mais usual de se relacionar com o universo a sua volta.  Como disse um sábio amigo meu, “não clicar no link é a nova forma de rejeição, e o scroll down, a nova brochada”.

A adrenalina desses tempos, portanto, não está em ser pego no flagra, com o binóculo nas mãos, e sim em não ser apontado por um aplicativo como o maníaco que por mais vezes visitou o perfil da gatinha; o que faz o coração da molecada disparar não é descobrir um corpo celeste ainda não classificado pela ciência, mas sim navegar na rede wi-fi sem cadeadinho, que o cara do apê de cima “deu mole” em deixar aberta. Posso até imaginar como seria uma versão atualizada de “Janela Indiscreta”, em que o protagonista – de molho em casa por causa de uma perna fraturada – descobriria um crime através do cruzamento de dados obtidos em redes sociais. E será que já não tem alguém em Hollywood pensando nesse roteiro?



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