Caindo na pilha
Outro dia uma amiga fez uma observação curiosa, sobre a qual pouca gente deve ter se dado conta: o trote telefônico caminha para a extinção. A bem da verdade, ele ainda resiste em sua modalidade mais “profissional”, como atração de programas humorísticos transmitidos por rádio e, infelizmente, na forma de falsas chamadas para serviços públicos de emergência. Mas aquele trote inofensivo e pueril, resultado da explosiva combinação de um telefone dando bobeira e uma criança entediada, tornou-se, de fato, coisa do passado.
A suposição se confirma através da simples comparação entre o número de trotes que você, leitor, passou na infância versus quantos recebeu nos últimos anos. Eu pelo menos posso assegurar que, durante boa parte da minha vida escolar, a cada 10 vezes que o telefone de casa tocava, uma pelo menos era para responder se havia um caminhão de gelo na frente do prédio, se era do cemitério ou da padaria, ou mesmo apenas ouvir uma saraivada de palavrões, sem qualquer propósito. Como na imensa maioria das vezes as vítimas eram escolhidas ao acaso, a melhor estratégia sempre foi não esboçar qualquer reação, para ser esquecido e não correr o risco de ter o número marcado como sendo o do cara que “caiu na pilha”.
Encontrar o cara que cai na pilha é, sem dúvida, a maior glória possível para os adeptos desse tipo de entretenimento. Lembro-me da vez em que liguei para um sujeito qualquer e consegui convencê-lo de que participava ao vivo de um programa de rádio (só deu certo porque ele não possuía som em casa e, portanto, não pode confirmar a veracidade da situação). Sordidamente me aproveitando desse porém, fiz-lhe algumas perguntas bem fáceis e disse que ele havia conquistado o prêmio máximo que era, claro, um microsystem! Passei o endereço fictício mais distante que pude imaginar e ele anotou, perguntando se poderia ir buscar 2 dias depois. Acho que, de tanto remorso, depois desse, nunca mais passei trote algum.
Mas se fedelhos a procura de autoafirmação e pessoas de boa fé continuam existindo aos borbotões por aí, por que será então que os trotes telefônicos caíram em desuso? Desconfio que a explicação para o fenômeno tenha menos a ver com o advento do bina e mais com a tese de que aquela turma, que antes escrevia mensagens desaforadas nas portas de banheiro públicos, migrou em definitivo para a internet. Repare como qualquer discussão na web que tenha um mínimo de relevância é invariavelmente solapada por um sem número de comentários pouco edificantes, pra dizer o mínimo.
Pois basta alguém amar alguma coisa para aparecer logo um exército de gente disposta a odiá-lo exatamente por isso. E não é a universalização do acesso uma das mais significativas conquistas do poderoso canal? Além do que, convenhamos, ser espírito de porco na internet não só é de graça como mais cômodo e seguro, sem mencionar a visibilidade que pode conceder ao detrator. Afinal, não são raros os casos em que uma troça bem feita na internet acaba rendendo um convite para ganhar um bom dinheiro e ser babaca fora dela, em rede nacional, quiçá mundial! Ao passo que o trote telefônico, do alto de sua simplicidade, rende, no máximo, a solitária satisfação de ter feito alguém de bobo por um ou dois minutos; quando não uma reação extremada da diminuta plateia, manifestada através de um puxão de orelha dado pela avó.