Aonde os calos apertam

sáb, 29/01/11
por Bruno Medina |

Essa semana um fato trivial da convivência doméstica ressaltou o que seguramente pode ser considerado como um dos mais evidentes aspectos capazes de diferenciar os gêneros masculino e feminino: a atenção que cada um destes dispensa ao que calça. Salvo pontuais exceções, não seria exagero afirmar que homens costumam se contentar em dispor de 4 ou 5 pares de sapatos, quando muito (inclusos chinelos e tênis), tidos como mais do que suficientes para conduzi-los a seja qual for a ocasião. Já as mulheres…

Bem, a minha, que está longe de poder ser classificada como consumidora voraz de tais acessórios, se dizia impossibilitada de comparecer a uma festa, visto que a roupa recém comprada não combinava com nada apresentável para cobrir os pés. A fim de solucionar o dilema, cogitou que, antes da festa, fizéssemos uma escala estratégica no shopping. Enquanto avaliava a proposta e cogitava alternativas menos emocionalmente dispendiosas, me senti como o Shrek chafurdando na lama ao constatar que, naquele instante, calçava o que julgo ser meu melhor par de sapatos, o mesmo, inclusive, que utilizara horas antes para ir ao supermercado.

Sim, porque homens, quando gostam muito de um determinado sapato, passam a usá-lo todos os dias, ao contrário das mulheres, que os poupam para situações especiais. Talvez por esta razão nunca se tenha ouvido falar de príncipe ou magnata que possuísse coleção de sapatos à altura sequer do closet de uma das integrantes da série “Sex and the City”. Muito menos de amigos, que a exemplo de Carrie Bradshaw e suas fiéis escudeiras, combinassem de ir juntos a uma sapataria em liquidação para afogar as mágoas.

Sendo pai de um menino e de uma menina, provavelmente não poderei estender aos meus filhos o saudável hábito que havia na casa dos meus pais, o de repassar, de um irmão para o outro, bons sapatos com pouco uso. Eu até tento investir em cores e modelos híbridos, muito embora o mercado de calçados infantis pareça sempre estar mais motivado a apostar no binômio azul e rosa. A despeito de pais preocupados em não torrar fortunas em sandalinhas que se perdem em poucos meses, me parece natural que a maioria das pessoas prefira não suscitar dúvidas sobre a que gênero se destinam os sapatos que usam.

A princípio não foi o que pensou minha mãe quando, anos atrás, resolveu me presentear com um modelo de calçado que poderia ser definido como impermeável e “unissex”. Dizia ela que o sapato se ajustava tanto ao solo pedregoso de recifes e cachoeiras, quanto a homens e mulheres. Acreditando na força da novidade, levei-o comigo para um final de semana em Mauá, de quando guardo vívidas na lembrança as sensações de fazer laminha entre os dedos e de ser observado com desconfiança pelos locais, aparentemente despreparados para compreender o conceito libertário do dito sapato anfíbio.

Para me confortar, minha namorada na época alegou que, na França, é comum se deparar com rapazes trajando suas Melissinhas, mas desconfio que isso não seja verdade. Ao menos quanto aos sapatos, continuarei acreditando que homens e mulheres habitam planetas distantes; a não ser, claro, que alguém me convença dos benefícios de se passar uma noite inteira com os dedos espremidos sobre o salto agulha de um scarpin.

Signo “Esquema Novo”

seg, 17/01/11
por Bruno Medina |

Reparem o quão ingrata pode ser a vida de um colunista: basta que este se afaste dois ou três dias da habitual tarefa de acompanhar o noticiário para que, do nada, um bando de astrônomos no Minnesota decrete que tudo o que o mundo ocidental sabe sobre horóscopo sempre esteve errado. A notícia pegou muita gente de surpresa, afinal faz aí uns bons 3.000 anos que a astrologia goza de relativa credibilidade, não tendo, durante todo esse tempo, surgido argumentos suficientemente convincentes para colocá-la em xeque de maneira contundente.

O fuzuê – de acordo com os cientistas norte-americanos responsáveis pela tese – se deve a atração gravitacional que a Lua exerce sobre a Terra, esta que, por consequência, teria, ao longo dos anos, empurrado o alinhamento das estrelas pra frente em cerca de um mês. Soma-se a isso o fato de que os estudiosos da Antiga Babilônia, ao conceber os pilares da disciplina, consideraram apenas 12 das 13 constelações existentes, ignorando a de Ophiuchus, que, seguindo a regra, deveria também ser representada por um signo, e é aí que começa a confusão.

Trocando em miúdos, a inclusão de um novo signo no zodíaco alteraria o período de vigência de todos os outros, determinando novas classificações, em especial para os nascidos entre 29 de novembro e 17 de dezembro, que passariam a ser do signo de Ophiuchus ou Serpentário. A proposição, é claro, já começa a repercutir, a começar pelo prenúncio de hordas de “Serpentarianos” (será esta a designação adequada?) correndo para encomendar mapas astrais, assim como o farão, provavelmente, muitos nativos de outros signos, sentenciados a se acostumar com as características de seus novos regentes.

As consequências dessa avassaladora mudança, no entanto, não param por aí. Vejam o meu caso, por exemplo; continuo sendo leonino, mas minha mulher, que era de Áries, passou a ser de peixes. A afinidade que nos unia como nativos de signos de fogo foi drasticamente abalada, tanto que, desde a semana passada, tenho notado que as coisas aqui em casa andam diferentes. A mesma questão parece afetar também outros casais. Ontem, no shopping, ouvi uma moça confessar aos prantos à amiga que sua sina era se desiludir com rapazes de Serpentário. Coitada.

Nas redações de revistas e jornais a novidade tem sido recebida com cautela, uma vez que obrigaria diagramadores preguiçosos a recriarem o alinhamento de páginas que nunca foram alteradas, afim de gerar espaço para mais um signo. Por sua vez, astrólogos estão sendo advertidos por seus editores sobre a necessidade de serem um pouco mais criativos do que de costume, afinal agora serão previsões diárias para 13, e não mais 12 signos. No comércio “astral”, ao contrário, a nova ordem está sendo encarada como a possibilidade de inundar um mercado há muito engessado com livros, camisetas, adesivos, chaveiros e toda a sorte de produtos contendo o símbolo da serpente.

Mas é definitivamente entre os fãs da série Calaveiros do Zodíaco que a polêmica teoria promete causar mais impacto. Levados pelos falsos boatos da criação de um 13o personagem, muitos camelôs aguardam ansiosamente o lançamento do novo brinquedo, apostando que 2011 representará uma grande oportunidade para queimar de vez aquele estoque de bonecos encalhado desde meados da década de 90.

Pra quem ficou perdido, segue a tabela contendo os novos períodos que determinam a regência de cada signo:

Capricórnio: de 20 de janeiro a 16 de fevereiro
Aquário: de 16 de fevereiro a 11 de março
Peixes: de 11 de março a 18 de abril
Áries: de 18 de abril a 13 de maio
Touro: de 13 de maio a 21 de junho
Gêmeos: de 21 de junho a 20 de julho
Câncer: de 20 de julho a 10 de agosto
Leão: de 10 de agosto a 16 de setembro
Virgem: de 16 de setembro a 30 de outubro
Libra: de 30 de outubro a 23 de novembro
Escorpião: de 23 a 29 de novembro
Serpentário: de 29 de novembro a 17 de dezembro
Sagitário: de 17 de dezembro a 20 de janeiro

Nós vamos invadir sua praia

seg, 10/01/11
por Bruno Medina |

Quando o verão chega chegando, o sol desponta generoso e soberano no horizonte, os termômetros passam dos 30 graus e você está no Rio de Janeiro, convenhamos, não há nada mais adequado a fazer do que procurar a praia mais próxima e se esbaldar, certo? O programa, aparentemente unânime entre cariocas e visitantes da cidade, esconde, no entanto, considerável potencial de tornar-se de “índio”, caso algumas precauções não sejam tomadas; as mesmas que menosprezei quando levei toda a família para Ipanema, no último sábado.

A primeira coisa a se observar, jovem leitor, é que ir à praia sozinho, com amigos ou namorado (a) representa uma experiência muito, mas muito diferente do que quando acompanhado de crianças. Você, que está acostumado a acordar, tomar um iogurte com mamão papaia, levar R$10,00 enroladinho na lateral do biquíni ou da sunga, uma toalha pra sentar e um bom livro (quando muito), pode ter dificuldade de imaginar que pais de família – antes de se deitarem na areia e relaxarem como os demais – precisam cumprir um extenso e meticuloso cronograma.

A começar pelo fato de que, como todos sabem, o recomendável é chegar cedo, e esta é uma situação pouco comum na vida de quem, como eu, possui não só um, mas dois filhos. Providenciar toda a tralha inerente ao passeio, arrumar os pequeninos e, ainda assim, estar à postos no horário apropriado, é tarefa apenas comparável aos 12 trabalhos de Hércules.

Considerações feitas, vamos aos detalhes da minha epopeia particular; carro estacionado na sombra, crianças no colo – alimentadas e besuntadas de protetor, bolsas e demais bugigangas penduradas nos ombros, atravesso a areia como o camelo de um beduíno que busca um oásis em meio ao deserto. Ao depararem-se com a vulnerável figura deste que vos escreve, os barraqueiros entram em polvorosa, se digladiando pelo direito de explorar o pobre pato até o limite do possível.

“Fala amizade antiga! Vai uma cadeira pra sua senhora? Piscina pros garotos? Trouxe a barraca extra, pra fazer aquela sombra responsa?”, diz um deles. Consciente de minha adversa condição, pressionado pelo peso da carga e a sola dos pés em chamas, só me resta negociar: “Quanto sai o pacote completo?”, pergunto. “Pro senhor faço, na promoção, R$ 4,00. CADA item”. Aceito sem questionar.

Acampamento montado, filhotes pipocando na água, tento abrir o jornal, apesar das irritantes e excessivamente persuasivas ofertas dos ambulantes. Para estes, uma piscina contendo duas crianças representa o mesmo que um copo de refrigerante para um enxame de abelhas. “Olha o sorvete mais gostoso do planeta!”, diz o vendedor, esfregando o mostruário no nariz do meu filho mais velho. Truque sujo, mas eu dou o troco, na mesma medida: “Filho, o moço tá brincando. Esse sorvete é de mentirinha, o de verdade é o daquele outro moço ali”.

E tome canga, bronzeador, amendoim, peça de teatro, queijo coalho, sanduíche natural, boné, empada, óculos de sol, pipa. É tanta coisa para recusar que o melhor é sempre fingir que está dormindo, ou mesmo dormir de verdade, até ser acordado pela urgência do pedido: “pai, quero xixi…”. “Calma, na piscina não! Vamos até o mar”, respondo aflito.

Lá chegando, o cenário não era dos mais convidativos. Helicóptero dos bombeiros dando rasante, correnteza puxando pra dentro e pra direita ao mesmo tempo, paredão de espuma batendo na areia, cada onda que vinha derruba dois ou três. O velhote se assanha e toma um caldo, a gatinha mergulha e sai trocando as pernas, pagando cofrinho, o surfista olha pro amigo e sinaliza com a cabeça que não.

Intimidado pelo belo, porém assustador espetáculo, meu filho agarra minha perna feito bicho preguiça em tronco da árvore, e a preocupação nesse instante passa a ser a de impedir que o xixi seja feito em mim! Tendo a perna urinada, as alternativas mais plausíveis seriam encarar a ressaca ou a piscininha, provavelmente já batizada. Boa dose de psicologia e um pouco de descrição, no entanto, foram determinantes para que o problema fosse resolvido ali, sem maiores consequências.

Passadas pouco mais de duas horas, sol já castigando a moleira, era chegado o momento de partir, visto que ir à praia com crianças, como diz minha mulher, é “uma experiência a ser construída aos poucos”, e isso inclui, é claro, o “processo” de ir embora. Processo sim, afinal de que outra maneira poderia ser designada essa etapa, que consiste em convencer a garotada a dizer adeus, se limpar e permanecer sentada, sem virar um bife a milanesa enquanto o papai recolhe a tralha toda? O momento em que as cadeiras têm que ser dobradas guarda semelhanças à estar cercado por exércitos inimigos no tabuleiro do jogo WAR, quando qualquer movimento precipitado da tropa pode representar um enorme retrocesso.

Tendo o areial escaldante pela frente, a melhor estratégia é botar tudo nas costas (inclusive os filhos) e sair correndo, sem olhar pra trás. Dentro do carro vem a suspeita de, apesar de tudo, serem estes os melhores e mais importantes momentos da vida.

Estranho no Ninho

seg, 03/01/11
por Bruno Medina |

Pois então cá estamos, em 2011; a despeito destes primeiros dias de janeiro – que sempre dão a impressão de se arrastar numa mesma tediosa semana, iniciada no séc. I da era cristã – pressinto termos pela frente um ano repleto de (…), err, quer dizer, que será lembrado por (…) ser, bem, (…) um ano incrivelmente cheio de, (…) não, um ano, um ano… ESTRANHO (#prontofalei)!

Eu juro que tentei, mas não deu. Sinto, de coração, se decepcionei quem esperava encontrar aqui pensamentos positivos, previsões otimistas ou dicas que os levassem a acreditar que esse será um ano “supimpa”. Pode até ser, mas, por enquanto, 2011 se parece apenas com um primo adolescente desengonçado, com aquele modelo de blusa feminina que tem alça de um lado só, com micro-systems que conjugam leitores de MP3 e decks de cassete ou com restaurantes que servem pizza, sushi e churrasco no mesmo rodízio. Ou seja, tudo que é pitoresco.

“Pitoresco”, aliás, é um termo que definitivamente combina bastante com 2011, afinal que outra palavra cumpriria a função de se referir a “estranho” de um jeito mais estranho? A essa altura você pode estar se perguntando: “mas de onde saiu essa maluquice de achar que 2011 vai ser estranho?”, como se essa fosse uma pergunta passível de ser respondida. É claro que saber eu não sei, mas desconfio. A aura cabalística a pairar sobre o ano que agora nasce se deve, na verdade, ao emblemático 11, e isso eu afirmo confiante de que não será necessário debater aqui a estranheza do número.

Por que o 11 é estranho? Como assim?? Para começar, trata-se de um número primo, o primeiro com dois algarismos. O 11 é, também, o primeiro número que, a contar do 1, não pode ser representado através dos dedos das mãos. Eu poderia parar por aí, mas vou continuar: se um acorde completo com 11a tem quase todas as notas da escala diatônica e 11 é o máximo de Oscars que qualquer filme já recebeu, então por que o F11 foi a tecla designada para esconder todas as janelas no Mac OSX? Hummm, estranho…

Agora, adivinhem quantas pontas têm a folha de maple, ícone supremo da bandeira do Canadá – país este que, justo por ser o que incontestavelmente melhor representa o 11 no mundo, também utiliza um hendecágono como formato para suas moedas de 1 dólar? Bom, se todas as razões citadas ainda não forem suficientes, basta lembrar que 2011, caso se confirmem as profecias atribuídas ao calendário Maia, pode ser o penúltimo ano de existência neste planeta.

Se acontecer assim, impossível não concluir que perder por tão pouco a chance de saltar do completo ostracismo para o protagonismo absoluto da civilização humana consiste num grandessíssimo vacilo.

Seja como for, feliz 2011!



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