Tempo
É sempre inspirador (pelo menos pra mim) perceber como o tempo, a todo tempo, nos dá mostras de sua passagem. E é claro que não poderia ser diferente com o Natal, uma data muito emblemática, carregada de simbolismo e emoção, que se repete quase da mesma maneira para quase todo mundo ao longo dos anos, mas que, ainda assim, é capaz de, a cada edição, significar algo novo.
A título de comprovação da tese, tomemos por exemplo o ícone máximo dessa festa; quando se é muito pequeno, apesar da insistência ansiosa dos pais, loucos para impregnar o espírito natalino em seus filhinhos, é difícil simpatizar com a figura rechonchuda e barbuda, trajando a inusitada indumentária vermelha e soltando “ho ho hos” em tom grave, como se fossem grunhidos de um bicho ainda desconhecido pela ciência. Nunca falta quem force uma aproximação do bebê com o bom velinho, e o resultado, invariavelmente, é o pânico e o choro convulsivo.
Alguns anos se passam, e aquela mesma figura – que antes era capaz de despertar ojeriza- transforma-se em grande herói da infância. Não exatamente por conta de sua história, sua candura, suas renas ou sua casinha no Pólo Norte, mas por representar a personificação dos sonhos de qualquer criança, na forma de um saco cheio de brinquedos.
Mas, como diz o ditado, o que é bom dura pouco. Através de um primo estraga-prazeres, de um tio muito mal caracterizado ou mesmo das perguntas sem resposta que a gente insiste em se fazer, a verdade chega. E dói. Dói tanto que a dor se confunde com o orgulho bobo de se ter consciência, como se, ao deixar de acreditar no sujeito, o que antes nos fazia tão contentes, conquistássemos a glória de “saber”, não se sabe bem o quê.
Os Natais seguintes ficam marcados como aqueles em que a magia vai embora de vez, em nome desse tal “segredo” que não podemos contar aos menores. E quem já não se deliciou com a perversa sensação de poder estragar o Natal alheio?
Daí, a gente cresce um pouco mais, e por muitos, muitos e muitos anos nos tornamos indiferentes a ele. Estampados nas propagandas, plantados nas portas dos shoppings, representados nos enfeites espalhados pelo balcão da lanchonete ou na mesa do porteiro do prédio, ele é só um personagem que aparece no fim do ano para tentar nos persuadir, em vão, a acreditar que a vida não é feita só de Facebook, trabalho, academia, cineminha e contas a vencer.
Eis que um dia você se encontra como eu, zapeando na TV, numa manhã de 24 de dezembro, à procura de filmes e desenhos natalinos que cumpram o papel de trazer um pouco daquela graça toda de volta. É como nadar rumo à foz de um rio, sabendo que a correnteza nunca vai permitir que a façanha se realize. Sem muito remédio, sento à margem desse rio, tendo meu filho, Vicente, no colo. Nem tudo está perdido, pois é tempo de convencê-lo de que o Papai Noel, de quem ele agora sente tanto medo, é um grande cara!