De rodinhas
Tarde chuvosa de domingo, pouco mais de uma semana para o começo dos ensaios com a banda. Teclado ligado ao laptop e, na tela dividida em duas, uma janela aberta no iTunes, outra, no Garageband. Essa tem sido minha rotina. Ao longo das tardes – e começo das noites –, vou repassando as músicas do Los Hermanos para a mini-turnê, as prováveis e as desejáveis, recuperando detalhes esquecidos e, aos poucos, retomando a boa forma.
Antes dos shows de março do ano passado, lembro-me de ter escrito um post comparando a sensação de tocar um repertório conhecido, após um longo intervalo, ao ato de andar de bicicleta. Realmente a gente nunca se esquece, mas, de lá pra cá, mais de um ano e meio se passou, e é bem verdade que a tal bicicleta não perdeu o prumo, não esvaziou os pneus, nem a graxa da corrente secou, muito embora – devo confessar encabulado, assim como fazem as crianças – tenho precisado de rodinhas.
As rodinhas a que me refiro são as providenciais cifras das músicas da banda disponíveis na internet, sem as quais meu trabalho seria um tanto mais difícil. E que mal tem em dar uma mãozinha à sobrecarregada memória? Me pergunto o que, em outros tempos, fazia um artista quando se esquecia dos pormenores harmônicos das próprias canções? Ligava pra um grande fã, ou, quem sabe, para um músico renomado da cidade? Ouvia o disco de trás pra frente até decifrar o enigma ou criava algo novo, para preencher a lacuna?
Aos que estiverem torcendo o nariz desde o início do parágrafo anterior, faço uma ressalva: não, meus caros, as cifras da internet não resolvem todos os problemas, até porque, na imensa maioria das vezes, elas estão incompletas ou simplesmente erradas. No caso das músicas do Los Hermanos, me deparei com a expressão “cifras simplificadas”, ou seja, o detalhezinho procurado é justo o que o sujeito responsável pela publicação da harmônia não conseguiu tirar, e a cola acaba passando apenas como dica.
São trechos como o de Samba a Dois, quando a letra diz “o meu bloco tem sem ter e ainda assim”; amigo, aqueles 4 acordes, se não treinar uma vez por semana pelo menos, já era, caveirinha preta. Outra música tinhosa, que é uma imensa caveira, daquelas com lenço e duas espadas fincadas, é Dois Barcos. Tem mais acordes complicados do que método de jazz para piano.
Como se não bastasse o extenso dever de casa, ainda restam as encomendas, que chegam por todos os lados. Ontem mesmo meu filho Vicente me viu tocando e falou “grupo papai, ha,ha,ha,ha”. A frase, traduzida, significa um pedido pela versão que fizemos para “Hollywood”, dos Saltimbancos Trapalhões, que faz o maior sucesso no playlist do quarto dele. Na prática, esse singelo exemplo já é uma espécie de campanha antecipada, porque o Vicente vai estar nos shows de Salvador e eu tenho a missão de convencer os demais hermanos a tocar essa música, ainda que seja em prol das criancinhas! Agora joguei pesado…