Um controle remoto para desligar o mundo, por favor

sáb, 24/07/10
por Bruno Medina |

barComo todo sujeito que se preze, também eu tenho um pé sujo preferido. O botequinho do coração – vocês sabem – é aquele em cuja assepsia da cozinha não se deve confiar, que o banheiro não convém utilizar, onde a simpatia do atendimento compensa a falta de eficiência e em que há algo de único, que não se encontra em nenhum outro lugar; no caso do estabelecimento em questão, a grande vedete é, incontestavelmente, a esfiha de carne.

Fico na dúvida se é fato notório entre os frequentadores habituais do balcão do Seu Agenor a superioridade que elas exercem sobre os outros lanches ali servidos. A bem da verdade, por vezes já cheguei a me perguntar se aquelas benditas esfihas estariam a cargo do mesmo cozinheiro responsável pelos demais salgados, borrachudos e grosseiramente recheados, visto que não há vestígio de quem tenha ascendência familiar capaz de justificar tamanho talento em fazer quitutes árabes.

Bem, seja qual for o segredo por detrás da aparente incongruência, o importante é notar que o referido bar se revelou uma espécie de templo particular para a celebração do cotidiano, uma desejada escala na correria do dia a dia, onde é certo encontrar rostos conhecidos e esfihas bem feitas. Pelo menos foi assim até essa semana, quando, já do outro lado da rua, constatei que meu pequeno oásis no caos urbano havia se transformado em miragem.

Eu explico: o revés se deve a uma daquelas enormes e onipresentes TVs de plasma, adquirida, possivelmente, numa dessas promoções pós-copa que tem ofertado o eletrodoméstico mais amado do Brasil a preço de banana. Cabe ressalvar que nada tenho contra o costume de assistir televisão, muito pelo contrário, mas que execro com todas as minhas forças essa mania de instalá-las em qualquer lugar onde antes reinava o bate-papo amistoso, ou mesmo o silêncio.

Não bastasse a atual dificuldade em se encontrar restaurantes de qualquer natureza que não nos imponham goela abaixo a programação fruto do gosto da maioria, e os amigos que, durante a conversa e quando sentados de frente para o monitor, são abduzidos pela atenção dispensada à legenda da novela transmitida sem volume, agora também o bar do Seu Agenor engrossa as estatísticas.

Se antes minha presença era saudada com um largo sorriso do atendente Gouveia, dessa vez fui recebido pelo gorduchinho apresentador de programa policial sensacionalista, e pela cena de três meliantes sendo esfolados à pauladas num bairro de periferia dos confins do país. Gouveia, sempre tão solicito, passou a trabalhar de costas para rua, e trocou seu tradicional bordão de “em que posso lhe servir, meu jovem?” para “se precisar de alguma coisa, é só gritar”.

“Pô, Gouveia, eu não quero gritar para pedir o molho de alho”, pensei.

Entre uma mordida e outra na esfiha, que de súbito deixou de ter o mesmo sabor de outrora, a reportagem seguiu para o flagra de um motoqueiro atropelado por um caminhão na Marginal Tietê. Seu Agenor vem então lá de dentro, enxugando pratos, para espiar. Ao me reconhecer, entusiasmado comenta:

“Viu a novidade, freguês? Agora aqui também temos TV!”

“Sabe que eu nem tinha reparado?”, respondi pedindo a conta.

Viralweb: seus 15 minutos de fama em menos de 15 minutos!

dom, 18/07/10
por Bruno Medina |

ViralwebCansado de ser um Zé Ninguém? Aqui está a solução!

Nossa missão: A Viralweb é uma empresa especializada em marketing virtual pessoal. Através das mais modernas técnicas e ferramentas disponíveis no mercado, nossos criativos profissionais trabalham em prol de um só objetivo: transformar você num webhit!

Como funciona? A partir de uma rápida avaliação, identificamos as potencialidades que se escondem por detrás de seu perfil, visando mostrar ao mundo o que você tem de melhor*. Munidos da estratégia mais adequada, produzimos, então, o vídeo que o transformará numa celebridade. O sucesso é garantido, ou o seu dinheiro de volta! *em caso de absoluta falta de talento, não nos responsabilizamos pelo resultados obtidos.

Ofertas deste mês:

Pacote Silver – Que tal ganhar o mundo cantando e dançando? Fique famoso protagonizando a ridícula paródia de um hit do momento. A letra e a coreografia são por nossa conta, e se você for péssimo, as chances de sucesso são ainda maiores!

Pacote Gold – Diga adeus aos dias de solteiro! Duas belas atrizes se estapeando pelo seu amor, uma câmera ligada, e pronto, temos um novo Don Juan. O pacote incluí ainda assessoria para eventuais entrevistas a programas sensacionalistas.

Pacote Platinum – Nossas lentes indiscretas registram você na suspeitíssima companhia de uma estrela de TV, o resto é história. E você ainda leva grátis 5 fotos estilo “paparazzi” + vídeo erótico fake, gravado com câmera de celular.

Não perca mais tempo, fique famoso hoje mesmo! Ou vai dizer que acredita nessa conversa de talento?

Até 2014!

qui, 08/07/10
por Bruno Medina |

CopaNo apagar das luzes de mais uma Copa, somos, invariavelmente, assolados pelo comichão da retrospectiva; é tempo de olhar para trás, separar o joio do trigo, fechar para balanço e colocar os pingos nos ‘i’s, mas, sobretudo, reconhecer que o Mundial da África do Sul será para sempre lembrado por:

Técnicos chiliquentos a beira do campo, capazes de atrair mais atenção do que seus elencos estelares.

Seleções africanas taticamente aplicadas, sem aquela deliciosa irresponsabilidade que antes culminava em placares imprevisíveis.

Temperaturas gélidas nos termômetros, e mornas nos gramados.

Marmanjos voltando a infância, trocando figurinhas escondidos do chefe no trabalho.

A iminência de testemunhar Maradona correndo nu pelas ruas de Buenos Aires.

Erros grotescos de arbitragem, que tornam imprescindível a adequação das regras do jogo ao tempo em que vivemos.

Seleções campeãs que, a exceção de Alemanha e Uruguai, atuaram bem abaixo das expectativas.

O soar incessante das vuvuzelas, a pior invenção da humanidade desde a bomba atômica.

Atuações apagadíssimas de craques como Messi, Kaká, Rooney e Cristiano Ronaldo, de quem se esperava vir o espetáculo.

A pitoresca insurreição dos jogadores franceses, trazendo ao mundo a lembrança de que, não à toa, foram eles que inventaram as greves.

O irritante delay das transmissões em HD, que faziam a televisão do vizinho entregar de bandeja o lance, antes mesmo dele acontecer.

O ótimo ‘Cala Boca Galvão’, seguido de tantas outras campanhas sem graça que puseram o Twitter a serviço de piadas internas.

A Argentina voltando pra casa depois de uma goleada, tomando de 4, justo quando era considerada por todos uma das favoritas ao título.

Um Brasil atípico, retranqueiro, carrancudo, agressivo e sem alegria, dentro e fora dos campos.

Felipe Melo se transformando em vilão a altura de Odete Roitman.

Uma bola maluca, um molusco com poderes mediúnicos, uma corneta de plástico e uma peituda despudorada que, juntos, devem ter rendido mais resenhas do que os próprios jogos.

Posto isto tudo, a pergunta que não quer calar é:

Afinal, a Copa de 2010 vai ou não deixar saudade?

Por um futuro brilhante

qui, 01/07/10
por Bruno Medina |

bonecaoEncontrei, na fila do cuscuz, meu grande amor da sexta série. Passados exatos 20 anos, eis que o ardiloso destino resolve nos reunir, em torno de uma barraca de quitutes, na hora do lanche do meio da tarde, numa esquina qualquer do centro da cidade. Empenhada em acomodar duas fatias de bolo de cenoura numa embalagem em que uma só cabia, minha ex-paixão não chegou a me notar.

A bem da verdade, eu também demorei um tanto a perceber a singeleza da ocasião. Ocupado em impedir – através da força do pensamento – que a pessoa a frente também desejasse aquele derradeiro pedaço de cuscuz, a sambar solitário no tabuleiro quase vazio, como nos filmes não me dei conta de que ali estava quem já havia significado tanto para mim.

Não foram poucas, certamente, as tardes de domingo em que a melancolia se apoderou de meu ainda pouco experimentado coração, contando os minutos para que a primeira aula de segunda-feira não tardasse em chegar. Lembro das artimanhas que eu engenhosamente arquitetava, a fim de fazer parecer natural o fato de sempre nos sentarmos em carteiras próximas, e de como aqueles recados que ela escrevia em minha agenda com canetas de 10 cores eram lidos e relidos à exaustão.

Se não me engano, numa festa chegamos a dançar lambada, mas a emoção foi tão intensa que mal pude me concentrar nos pés, o que, obviamente, não me reservou o direito compulsório a outra dança. Fiquei ali, que nem bobo, olhando um colega conduzi-la pelo salão feito bonecão de posto de gasolina, desprovido que era de qualquer honra ou sentimento. Eu faria bem melhor, claro, se não estivesse apavorado.

Mas a timidez não permitiu à relação ter qualquer chance. Ao longo do ano letivo, o mais próximo que cheguei de transparecer meu amor foi através de uma providencial troca de fotografias com dedicatórias, antes que dezembro chegasse pondo fim a promissora amizade. Agora, ao vê-la subitamente depois de tanto tempo, não pude deixar de pensar: por onde andam estas fotos?

Eu até podia perguntá-la, mas o passo a frente, o toque no ombro, provavelmente culminariam, instantes depois, numa sem gracisse sem tamanho. Imaginem os dois, tendo em mãos suas respectivas guloseimas, engatando num papo-recapitulação a iniciar-se no longínquo verão de 1990, até os dias atuais. O protocolo nos exigiria falar dos colegas sumidos, de escolhas profissionais, relacionamentos amorosos, viagens, Copa do Mundo, filhos… uma pauta que não caberia.

E depois? Trocaríamos telefones ou e-mails, nos adicionaríamos no Facebook? Ou pior: “vamos combinar um reencontro da turma?!”. Optei por manter a compostura e o anonimato, deixando o acaso levá-la em meio a multidão, do mesmo jeito que a trouxe. Afinal, às musas da escola não cabem os fatos, as rugas ou a trivialidade de uma vida inglória. Seja o que for que tiver sido, prefiro não saber. Assim, permanecemos como naquele último dia de aula; tendo, ambos, todo um futuro brilhante pela frente.



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