Um controle remoto para desligar o mundo, por favor
Como todo sujeito que se preze, também eu tenho um pé sujo preferido. O botequinho do coração – vocês sabem – é aquele em cuja assepsia da cozinha não se deve confiar, que o banheiro não convém utilizar, onde a simpatia do atendimento compensa a falta de eficiência e em que há algo de único, que não se encontra em nenhum outro lugar; no caso do estabelecimento em questão, a grande vedete é, incontestavelmente, a esfiha de carne.
Fico na dúvida se é fato notório entre os frequentadores habituais do balcão do Seu Agenor a superioridade que elas exercem sobre os outros lanches ali servidos. A bem da verdade, por vezes já cheguei a me perguntar se aquelas benditas esfihas estariam a cargo do mesmo cozinheiro responsável pelos demais salgados, borrachudos e grosseiramente recheados, visto que não há vestígio de quem tenha ascendência familiar capaz de justificar tamanho talento em fazer quitutes árabes.
Bem, seja qual for o segredo por detrás da aparente incongruência, o importante é notar que o referido bar se revelou uma espécie de templo particular para a celebração do cotidiano, uma desejada escala na correria do dia a dia, onde é certo encontrar rostos conhecidos e esfihas bem feitas. Pelo menos foi assim até essa semana, quando, já do outro lado da rua, constatei que meu pequeno oásis no caos urbano havia se transformado em miragem.
Eu explico: o revés se deve a uma daquelas enormes e onipresentes TVs de plasma, adquirida, possivelmente, numa dessas promoções pós-copa que tem ofertado o eletrodoméstico mais amado do Brasil a preço de banana. Cabe ressalvar que nada tenho contra o costume de assistir televisão, muito pelo contrário, mas que execro com todas as minhas forças essa mania de instalá-las em qualquer lugar onde antes reinava o bate-papo amistoso, ou mesmo o silêncio.
Não bastasse a atual dificuldade em se encontrar restaurantes de qualquer natureza que não nos imponham goela abaixo a programação fruto do gosto da maioria, e os amigos que, durante a conversa e quando sentados de frente para o monitor, são abduzidos pela atenção dispensada à legenda da novela transmitida sem volume, agora também o bar do Seu Agenor engrossa as estatísticas.
Se antes minha presença era saudada com um largo sorriso do atendente Gouveia, dessa vez fui recebido pelo gorduchinho apresentador de programa policial sensacionalista, e pela cena de três meliantes sendo esfolados à pauladas num bairro de periferia dos confins do país. Gouveia, sempre tão solicito, passou a trabalhar de costas para rua, e trocou seu tradicional bordão de “em que posso lhe servir, meu jovem?” para “se precisar de alguma coisa, é só gritar”.
“Pô, Gouveia, eu não quero gritar para pedir o molho de alho”, pensei.
Entre uma mordida e outra na esfiha, que de súbito deixou de ter o mesmo sabor de outrora, a reportagem seguiu para o flagra de um motoqueiro atropelado por um caminhão na Marginal Tietê. Seu Agenor vem então lá de dentro, enxugando pratos, para espiar. Ao me reconhecer, entusiasmado comenta:
“Viu a novidade, freguês? Agora aqui também temos TV!”
“Sabe que eu nem tinha reparado?”, respondi pedindo a conta.