Também morre quem atira

qua, 23/06/10
por Bruno Medina |

snor

Não sei se já cheguei a comentar isso aqui, mas eu ronco. Ronco legal. O distúrbio tão comum, que atinge gente de qualquer idade, em mim se manifesta devido a uma alergia respiratória crônica, sendo que quando o clima esfria como agora, minha vulvuzela interna soa, e soa alto. Pelo menos é o que diz minha mulher, e a mim, por motivos óbvios, só resta acreditar.

Pois a sina de todo roncador, se é que esse termo existe, é depender da avaliação de terceiros para mensurar o tamanho real de seu “problema”. Ao que pude constatar, supondo que houvesse uma Escala Richter para categorizar o grau de transtorno gerado por um ronco, o meu equivaleria a um daqueles tremores de terra amenos, que derruba coisas das prateleiras, desloca móveis, mas não culmina em vítimas fatais.

Mesmo o caso não se tratando dos mais graves, a síndrome gerou e ainda gera muito constrangimento, claro. Nesses vários anos de estrada e de quartos divididos com colegas, vocês podem imaginar que não foram poucas as vezes em que quis desaparecer no meio da noite, por testemunhar as consequências diretas do ato inconsciente.

Só para citar alguns exemplos, já me deparei com um sujeito dormindo de fones de ouvido para abafar o som ambiente, e com outro que preferiu levar cobertor e travesseiro para deitar no chão frio do banheiro. Mas o mais acintoso caso de desaprovação e intolerância foi, sem dúvida, protagonizado por um amigo que, durante uma viagem internacional, passou a noite em claro balançando meu pé, para me acordar e dizer que eu estava roncando.

“De que adianta isso?”, pensava, entre um e outro sonho interrompido. Como se alguém roncasse de propósito! Depois que a má fama se espalha não tem jeito, o pobre roncador passa a ser vítima de preconceito e, não raro, se vê relegado à indesejável companhia de seus semelhantes. Sim, porque, o fato de uma pessoa roncar não a impede de também se incomodar com o ronco alheio. Afinal, como diz o trecho da versão de Hey Joe, gravada pelo Rappa, “também morre quem atira”.

Não desejo, portanto, nem aos inimigos participar da lastimável competição – ou batalha se preferirem – que consiste em tentar desesperadamente dormir antes da esperada sinfonia começar. O vencedor leva como prêmio a noite de sono, o perdedor… E como se isso não fosse degradante o suficiente, o que dizer de quando uma surpreendente noite de amor termina com a mais surpreendente ainda constatação de que o saldo da noite passou de positivo a negativo em questão de segundos?

lionking4Atire a primeira pedra quem nunca viu o príncipe ou a princesa da balada, na intimidade, se transformar num javali roncador. O pior é, no dia seguinte, ao comentar com certo humor o ocorrido, lidar com a reação indignada da outra parte, e o clássico (e mentiroso) comentário: “Roncar? Eu? Imagina… você deve ter sonhado”. Covardia. Eu, pelo menos, sempre assumi.

Felizmente os casados não precisam lidar com isso. Visto que o calibre de seus roncos não precisam mais ser escondidos ou disfarçados, o máximo que pode acontecer é sua mulher te pedir para não deixar a babá eletrônica ligada durante a noite, a fim de evitar que o filho, dormindo no quarto ao lado, ao ouvir o ronco do pai amplificado, desperte chorando, assustado com o ensurdecedor ruído que prenunciaria o fim do mundo.

Na marca do pênalti

ter, 15/06/10
por Bruno Medina |

penaltiA imprevisibilidade é seu maior trunfo. Dentro das quatro linhas, quando arranca em disparada, mesmo que tentem alcançar, ao demais, resta apenas abrir caminho. Os goleiros, coitados, tremem só de ouvir seu nome; afinal, cabe a eles a ingrata tarefa de tentar decifrar o humor dos deuses que regem seus movimentos.

Muitos, aliás, são os que tomam por capricho o espetáculo que lhes é proporcionado, talvez por não compreenderem o quão difícil é concentrar tamanha expectativa. Aconteça o que acontecer, não importa, nos próximos dias todos os olhares estarão voltados para si. A bem da verdade, alegrias e tristezas dependem, fundamentalmente, de sua performance. Um toque preciso, no momento certo, é o suficiente para selar destinos, o seu próprio e o de milhões de torcedores.

Parece cruel e é. Mas o que seria do futebol sem isso? O futebol não chegou aonde está por ser um esporte cartesiano, previsível ou justo. Faz parte do jogo considerar, dentre os mais sensatos prognósticos, a força do imponderável. É por transitar no espaço delimitado pelo cruzamento do provável com o impossível, que sua atuação será lembrada.

Vocês acham que me refiro aos craques?

Claro que não, eu me refiro a bola!

Pensem bem: numa Copa esquisita como essa tem sido até agora, em que placar de 2X1 é tido por goleada, em que dois dos principais times da competição são referenciados mais pelos técnicos do que pelos jogadores, e em que as melhores partidas, quanto ao nível técnico, fazem lembrar peladas de bairro, é sem dúvida a bola o maior destaque da primeira fase. Uma bola sem gomos, safada, que desvirtua a trajetória, vive sendo isolada para fora de campo e samba na mão dos goleiros.

Messi? Kaká?

Jabulani, pode estar certa, essa Copa é sua, e de mais ninguém.

Quer pagar quanto?

ter, 08/06/10
por Bruno Medina |

figurinha- Alô?

- Faaaaaaaala, playboy! Tava esperando mesmo tu me ligar…

- Olha só, você pode ficar com esse telefone e com o cd player, tranquilo, mas o álbum eu queria de volta…

- Tu é maior manezão, hein? Como é que tu deixa um álbum da Copa, quase completo, faltando 2 figurinhas, dentro do carro, no banco do carona?

- Foram menos de 10 minutos…

- É, playboy, mas nóis é rápido. Bom, então vamos negociar: pelo álbum eu pedindo 500 contos.

- 500 reais?! Cara, eu não tenho essa grana.

- Claro que tem, playboy… diz aí quanto tu já gastou em figurinha?

- Você não pode dar uma baixada nesse valor?

- (…) Tu tá me achando com cara de palhaço? Aqui o papo é reto: 500 contos na mão ou tu pode dizer tchau pro teu albinho. Chicão, pega lá o isqueiro e taca fogo na seleção da Itália!

- Nããããão! Peraí, calma, vamos conversar. Eu vou tentar conseguir o dinheiro.

- Tu tem 2 horas pra deixar a grana num envelope, no mesmo lugar onde eu arrombei teu carro. E sem gracinha, senão eu encho esse álbum de bala.

Passados menos de 5 minutos, é o telefone do lado do “playboy” que toca.

- Playboy? Sou eu, tudo bom contigo?

- Eu ainda não consegui arrumar o dinheiro, o combinado…

- Não, é outra parada que eu querendo falar contigo agora. Seguinte, como tu é um cara responsa, resolvi aliviar pra tu. Vamos mudar um pouquinho o esquema, guarda tua grana porque o pagamento vai ser de outro jeito.

- Outra jeito??

- Então, chegou ao meu conhecimento que um companheiro nosso aqui também tá fazendo o álbum, de formas que o resgate vai ser cobrado em figurinhas. Você pode anotar os números que a gente precisa? 27-38-43-67-115-265 e 403.

- Mas eu não sei se eu tenho essas figurinhas especificamente…

- Ô playboy, pensa um pouco; fala com os amigos, né? Pede no Facebook, sei lá, dá teu jeito aí! Daqui a 2 horas no lugar combinado, ou então já sabe, eu vou esculachar teu álbum na tesoura, e vou começar pelo Kaká.

O fim abrupto da ligação deu início a uma voraz corrida contra o tempo. Se o empenho em conseguir figurinhas se apoiava na meta de completar antes dos amigos o álbum, dessa vez a motivação era tão somente a de preservar a integridade de seu bem mais estimado. Aos amigos que recorreu para concretizar a impensada missão, não houve tempo de justificar a estranheza da situação e do pedido.

Hora e local combinados, lá estava seu troféu, envolto numa sacola plástica de supermercado. O envelope contendo o resgate foi colocado no lugar. Ao folhear, aliviado, as páginas que estampavam a surreal conquista, encontrou um bilhete:

“Quanto tu paga nessas 2 que estão faltando? Se quiser negociar liga pro teu telefone.”

O indisfarçável disfarce

sex, 04/06/10
por Bruno Medina |

man.wigAtire a primeira pedra quem nunca se viu na desconcertante situação de ter que prender o riso – ou de deixá-lo escapar em momento extremamente inoportuno – ao depara-se com alguém que mais parecia carregar uma cotia morta sobre o cocuruto? Ou, quem sabe, no raríssimo caso do adorno ter passado despercebido, tomar um baita susto ao testemunhar uma vasta cabeleira mover-se por inteira, da franja ao pé, ao toque distraído dos dedos de um desavisado.

Pois é, a despeito de haver sido idealizada para suspender-se no topo das cabeças, a peruca, na verdade, se apóia numa incontestável combinação; quem as usa finge ter cabelos, e os demais fingem que acreditam. Ontem mesmo aconteceu comigo: sentado do lado de fora da sorveteria, distraído pelo ir e vir da multidão na calçada, eis que minhas atenções se voltam para esse sujeito de meia-idade que, de longe, aparentava ter algo de peculiar.

E quanto mais ele se aproximava, menos eu conseguia evitar observá-lo, visto que o aplique cor de mel, que em nada remetia ao seu tom de pele ou aos poucos cabelos naturais que ainda lhe restavam, sobressaia muito mais do que qualquer possível modalidade de calvície. Quando nossos olhares enfim se cruzaram, notei que sua expressão sinalizava algo como “putz, fui descoberto”, e é claro que me senti muito mal em ser o mensageiro da constatação. Mesmo porque, o mais provável é que sua “farsa” já tivesse sido descoberta por todos com quem cruzou no caminho desde sua casa.

A essa altura, acho que cabe registrar que nada tenho contra os carecas – os transitórios ou definitivos – e nem mesmo contra as difamadas perucas, apenas me intriga quando o uso do adereço se destina a passar por madeixas verdadeiras, o que quase nunca termina em bom resultado. Eu, se fosse velhinha de cabelo ralo, escolheria logo uma chanel cor de rosa, daquelas que gritam “sou uma peruca!”. Afinal, é sempre melhor uma peruca sincera do que uma calvície mal disfarçada.

A exceção da regra fica por conta do que se deu na França do séc. XVII, mais precisamente entre os membros da corte do rei Luís XIV. Reza a lenda que, ao notar seus cabelos indo pelo ralo, o monarca resolveu adotar a clássica peruca branca cacheada. Até aí nada, não fosse o séquito de puxa-sacos que passou a imitá-lo, no melhor estilo “não vamos deixá-lo pagar esse mico sozinho”.

A partir de então, os fios brancos oriundos de rabos de cavalos tornaram-se símbolo máximo de classe e nobreza, e a canhestra moda espalhou-se feito coqueluche através da Europa. A historinha vem bem a calhar, sobretudo em tempos pré-eleitorais, quando temos entre os principais candidatos à presidência da república um acintoso careca. E quem duvidaria das chances de José Serra, se eleito, protagonizar semelhante fenômeno, só que às avessas? Imaginem como um presidente calvo poderia influenciar uma impensada retomada do estilo… tá bom, admito que é mais divertido imaginá-lo de peruca à la Luís XIV.



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