Hiper-sinceridade: como matar uma mosca com bala de canhão
Aposto que, assim como eu, em toda sua vida você nunca deve ter conhecido alguém que não gostasse de sorvete, certo? Não se sabe ao certo porquê (deve haver alguma explicação científica para isso) a deliciosa – e aparentemente unânime – receita que mistura leite, açúcar, gordura hidrogenada a infindáveis sabores resulta num dos mais universais ícones do prazer degustativo. Sejam quais forem as circunstâncias, convenhamos, uma bola de sorvete oferecida quase sempre é uma bola de sorvete tomada.
Mas e se mudássemos um pouco a perspectiva das coisas? Digamos se, ao invés de uma bola, a oferta consistisse num daqueles potes de 2 litros de sorvete, inteirinho pra você, assim, como sobremesa pós-almoço. A estapafúrdia proposição nada mais é do que uma maneira bastante didática de comprovar a tese que inspira um conhecido provérbio: a diferença entre remédio e veneno está na dose.
Conceito assimilado, sigamos a diante para o verdadeiro tema desse post, que é a hiper-sinceridade. Talvez você ainda não tenha tido a oportunidade ou o estímulo apropriado para pensar sobre ela, ou, quem sabe, até a conheça por outro nome, mas o fato é que aqui está o genuíno exemplo de uma qualidade que, quando exacerbada, transforma-se num terrível defeito.
A ficção já nos deu ideia do que pode ocorrer quando se abandona a polidez que intermedeia as relações cotidianas em prol de adotar a verdade estrita como bússola. Os personagens de Luis Fernando Guimarães em Super Sincero e de Jim Carrey no filme O Mentiroso são os primeiros que me vem a mente entre os que personificaram arquétipos extremados de quem não hesita em dizer tudo o que pensa.
Descontados os exageros, na vida real acontece muito de um sujeito reconhecidamente sincero ser estimulado por sua virtude ao ponto de, sem notar, atingir o outro extremo; ou seja, sua opinião, antes requisitada, de tão “eficiente” passa a ser evitada. Este é o caso da hiper-sinceridade adquirida. Há também a que já vem de berço, a que deriva de uma demanda profissional, a que surge a partir de um ciclo de convivência e a dos que abraçam a categoria apenas por a confundirem com autenticidade. Tá complicado de entender? Então vamos aos exemplos comentados:
Situação 1 – casal de namorados em crise, ela faz a típica pergunta sem se dar conta de que o ser amado é um hiper-sincero:
“Você me ama?”
“Claro que eu te amo…” (o bom senso recomendaria parar por aí, no entanto por que facilitar o que pode ser muito complicado?) “… mas assim, não sei se é aquele amor de imaginar uma vida juntos, de casar, de ter filhos. Isso a gente só tem como descobrir mais para frente”.
Situação 2 – mãe e filha conversam, sendo que a segunda pede opinião sobre o vestido que acabara de comprar:
“Me diz o que você achou. Ficou legal em mim?”
“Bom, você sabe que eu sou sincera, né?” (quando a resposta começa com essa introdução é melhor se preparar, porque lá vem bomba) “… o vestido é bonito sim, não combina com o sapato, que é feio, e nem com essa bolsa cafona que você está pensando em usar, muito embora eu pense que enquanto você não perder uns 10 quilos nada vai te cair bem”.
Situação 3 – um rapaz solicita ao colega de trabalho ajuda para finalizar seu projeto, cabendo a este a incumbência de ler o material em busca de possíveis erros ortográfico e de pequenos ajustes:
“E então, pegou alguma coisa aí?”
“Bom, sendo muito franco…” (notem como a escolha da obsoleta expressão sempre anuncia que alguém está prestes a ser descascado) “… os vários erros que identifiquei nem são o mais grave. O problema é que a conclusão final é tão fraca que depõe contra você profissionalmente. Faz o seguinte, joga essa porcaria no lixo e começa tudo de novo.“
Com um amigo desses quem precisa de inimigo?
Se algum dos casos acima fez lembrar uma pessoa conhecida, fica a sugestão de encaminhá-la o link do texto, vai que a carapuça serve. Agora, se a carapuça já serviu… cuidado, porque, cedo ou tarde, não duvide, vai aparecer alguém ainda mais sincero do que você. Para terminar, uma frase do pensador alemão Emanuel Wertheimer:
“Um mérito se deve reconhecer na hipocrisia: aprendeu a falar com sinceridade.”
As mulheres são experts nisso (o ato de perguntar algo que merece, na maioria das vezes uma resposta hiper-sincera!).
Pra evitar maiores problemas, as respostas devem ser imediatas, sem pensar!
-Tô gorda?
-Não, tá ótima.
-Ela (alguma outra mulher passando) é bonita?
-Nem chega aos seus pés.
A recíproca da ideia também é verdadeira:
-Tamanho importa?
No caso perguntado por um homem. Ela responde sem pensar:
-Não, amor… o seu mais que me satisfaz!
Viu? Não é fácil viver assim, meu caro Bruno?
Abração.
ADOREI O TEXTO, SERÁ QUE SOU UM HIPER-SINCERO? ESPERO QUE NAO. PARABENS MEDINA. ESCREVA LOGO UM LIVRO, FICO NO AGUARDO.
Adorei o texto. Será que sou um hiper-sincero? Espero que nao. Parabéns Medina, escreva logo um livro, fico no aguardo.
Abraço
O problema da hiper-sinceridade é que em um dado momento as pessoas param de emitir suas honestas opiniões para dar vida a um personagem. Quero dizer, a maior parte dos hiper-sinceros deixam de dar a opinião e passam a fazer cena. Ao invés de somente falar o que querem, criam frases de efeito (quase que tiradas de uma peça de teatro) e encenam um monólogo, como que para exaltar a sua “qualidade” de sincero. Será que consegui me fazer entender?
É mais ou menos assim:
Quando indagada sua opinião sobre um determinado assunto, o hiper-sincero não diz simplesmente se gostou ou não e o porque, mas cria um discurso, este muitas vezes mal educado, para se justificar sem se importar com o que vão pensar, pois ele tem uma “desculpa”, ele é hiper-sincero e ponto. É nesta hora que nasce o personagem “Hiper-Sincero” que dá lugar aquela pessoa que você estimava. Tipo o Dr. Bruce e o Hulk.
Conheço muita gente assim.
PS: Ah sim, já ia me esquecendo! Eu não gosto de sorvete…rs…também não gosto de lasanha, morango e camarão. Sim, eu sou uma pessoa estranha com gostos duvidosos. =D
Adoro seu blog!
Até!
Acho que a super sinceridade é uma atitude totalmente rara. Na realidade, a maioria das pessoas floreia, floreia, mas não diz a verdade com medo de magoar alguém, de não ser aceito…
Bruno, posso ser hiper-sincero?
Você escreveu “intermedia” enquanto o correto é “intermedEIa”. Perdão! Não pude resistir! Eu sei que isso é muito chato, perdi muitas amizades assim (não precisa nem aprovar meu comentário…)!
=D
Poxa, Bruno. Não precisava ser tão sincero, né?
Grande Bruno Medina, ótimo texto!! Eu costumo acompanhar o seu blog, acho a forma de vc escrever muito fácil e agradavel. Não sei se será possível, mas se puder, dá uma olhada no myspace da minha banda, que tem grande infulencia do los hermanos…deveria ter postado esse comentário no post sobre o myspace que vc fez, mas ainda não tava pronto. Vê lá essas 3 chances de ganharmos sua atenção…um abraço
Bruno, eu não gosto de sorvete!!!
:p
Hiper-sinceridade = magoar pessoas =/
Ei, vc tá falando de mim no post. Pois é, sou eu! Tenho um mau humor que me faz querer ser bastante sincero quando qualquer um me faz uma pergunta. Acabei com fama de grosso; tem gente que até acha que eu tô fazendo graça, quando tudo que eu digo é a mais pura verdade…
putz… a carapuça serviu.
Ótimo texto..
Sendo super-sincera, as duas palavrinhas mágicas que resolvem o mundo são “bom senso”. Até a verdade possui formas de ser dita. Precisamos ser sinceros.. Mas “com o jeitinho brasileiro”..
Talvez o eufemismo seja uma espécie de “lubrificante social”.. um facilitador da convivência..
Quem dera um pouquinho mais de sinceridade, principalmente na nossa política, sim? Já imaginou?
Horário eleitoral obrigatório
-Boa noite. Eu me chamo Francisco Benetito Sebastião, do partido VRV (vou roubar você), candidato a deputado federal. Já vou avisando que a minha maior proposta é empregar meus 18 filhos, e mais 39 parentes, fazer 46 “caixas-dois”, comprar uma super mansão na Barra, e ter 8 carros na garagem. Vote em mim.
Pelo menos seria sincero… Mas, se na política a sinceridade muitas vezes (quase sempre) falta, sejamos sinceros, não necessariamente suuuuuper, em casa.
;D
Medina parabéns por mais um texto.
Ja pensou nesse Lance de escrever um livroo?..Se não Acho que Deveria…!
Adorei o comentário da Clarisse Simão..
Complementou o seu post perfeitamente, me deu uma visão ampliada do que vc disse.. Foi um “quê a mais” um “Além do que se vê”..
Sobre a frase do Wertheimer, ela é complexa.
Eu não a entenderia se ela me tivesse sido atirada ao vento, e só pude compreendê-la, fazendo muito esforço e tentando associá-la ao seu post!
A hipocrisia e a sinceridade, são como mãe e filha!
hauhauhauhahau
Stand up Fábio Rabin:
- Amor, vc acha que esse vestido me deixa gorda?
- Não, o que te deixa gorda é sua barriga.
[]\’s
Olá Bruno…vc e os leitoes dêem uma olhadinha no blog de uns amigos que têm um programa na rádio univerit.da minha cidade natal:
https://www.std11.com
(teor musical bem concentrado)
e concordo com o Leo…escreva um livro…
Eu sou um “hiper-sincero” e me orgulho disto. Se as pessoas fossem mais verdades consigo mesmas e com os outros, este mundo estaria bem melhor. Não suporto falsidade e hipocrisia.
“A verdade é linda como a flor do pessegueiro, mas dura como o diamante”
A minha tia perguntou o que voce achou do meu vestido novo[amarelo manga com um mega laço roxo]eu disse nossa esta um escandalo e ela pensou que estava escandalo pra bom mas era totalmente ao contrario.
Acho que o meio do caminho entre o sincero e o mentiroso é o humor, não minta apenas fale a verdade de um modo engraçado e pronto voce não sera um supersincero.
A hiper-sinceridade às vezes constrange, mas vale mais do que a falsidade.
Como eu adoro a hiper-sinceridade, Bruno, “conclusão final” foi forte…
Geralmente, esse “fenômeno” acontece quando uma pessoa está ficando mais “politizada” e ainda não consegue ser sincero, sem passar por cima da sensatez. A sensatez vem junto com a maturidade, quando a gente vê que nem tudo se fala só porque é verdade.
“Hiper-sincero” é só uma espécie de eufemismo para não chamar as pessoas de “sem noção” ou “boca aberta”. E o problema mesmo, mais do que ser “sincero” desse jeito, é não conseguir passar dessa fase. Se a pessoa está estagnada nessa fase há muito tempo, isso é preocupante, porque ela acredita ter alcançado um nível alto de verdade em si mesma e com as pessoas, quando na verdade está tendo um comportamento infantil e que as pessoas em volta, percebem isso facilmente.
O costume dos “hiper-sinceros”, além do citado uso de introduções que denunciam que a frase será de autoapreciação, é acreditar que a verdade tem que ser dita, não importa do que se trata. É uma mistura de achar que estrá fazendo um bem ao mundo, junto com um certo romantismo e idealismo (no pior sentido), que torna a “verdade” que é dita, uma atitude infantil.
Eu já fui desse jeito e percebi que era terrível ser insensato dessa forma. Falar as coisas só porque “é verdade”. Hoje, livre desse comportamento, me sinto muito melhor e vivo muito mais em harmonia com as pessoas. É uma questão que, inclusive, pode até diminuir os stress.
Tadinho do Bruno, Eduardo B., tadinho….rsrsrsrsrsrsr
Lucas, onde estão os leitões???
Medina, bom com os dedos…
Seja pra tocar, seja pra escrever!!!
SAUDADES “Ana Júlia” (superfalsa )
Bruno, já tinha lido esse post na época em que havia sido atualizado. Mas esses dias pedi comida Japonesa e junto com ela vinha um biscoito da sorte que dizia: \"A honestidade, sem as regras do decoro, transforma-se em grosseria.\" Lembrei de você, e do post, na mesma hora.
Para ser sincera, eu não gosto muito de sorvete, não…
rsrsrsrsrssr
Muito bacana esse texto…acho que uma amiga minha se identificará bastante com as situações que você descreveu, ela sofre de hipersinceridade…
Meu namorado é um caso de “Hiper-sinceridade”, haha.