Superpoderes que (não) gostaríamos de ter
Posso dizer sem falsa modéstia que, com o passar dos anos, o exercício de pinçar cenas triviais do cotidiano e traduzi-las em pautas que servissem a esse espaço me transformou numa espécie de estudioso do comportamento humano. Em se tratando de matéria-prima tão delicada, é preciso sempre estar atento a quase imperceptível fronteira que separa a fofoca propriamente dita do interesse profissional.
Não foram poucas, portanto, as ocasiões em que a lisura me dissuadiu de dissertar sobre temas promissores, verdadeiros diamantes brutos da vida alheia, pela simples razão de envolverem pessoas queridas; há, também, casos de autocensura, decorrentes da impossibilidade de descrever determinada situação sem expor os protagonistas.
O ofício dos cronistas, por assim dizer, exige a vigência de um código de ética individual, uma espécie de bússola moral intransferível que norteia a escolha dos assuntos passíveis (ou não) de serem aprofundados. Dentre as regras estabelecidas, ficou acordado comigo mesmo que me reservo o direito de abordar todo e qualquer assunto que possa ser captado através da janela da minha casa.
Longe de mim soar como futriqueiro, mas se estou em paz, sentado no sofá lendo jornal, e o sujeito resolve parar na calçada debaixo da minha soleira para contar a um amigo as peripécias da noite anterior, que culpa eu tenho? Se o casal aproveita a noite serena para sentar sob o capô de um carro e discutir a relação, como continuar assistindo a reprise chata de um filme na TV? Aí já seria como pedir ao cachorro para tomar conta da linguiça!
A questão é delicada porque, mesmo não querendo ouvir, em meio ao calor da discussão, um “hum-hum” que fosse só serviria para concientizá-los sobre como sua intimidade estava escancarada a um completo desconhecido, e isso pode ter consequências. Afim de evitar reações imprevisíveis, o melhor é permanecer no anonimato, pegar uma pipoca na cozinha e aproveitar o espetáculo. Mas, se a discussão que se impõe no momento errado é um aborrecimento, o contrário disso costuma ser o pânico de qualquer bom observador incidental; a conversa que apenas passa por ele.
Aquele papo do qual se pescam algumas frases, suficientes para despertar profundo interesse, e que depois vai embora junto com seu interlocutor, sem deixar pistas do desfecho. “Olha, você não me conhece, mas eu acabei ouvindo, agora senta aí e termina essa história”, quem nunca sentiu vontade de dizer isso? Nessas horas bate a inveja do Super-Homem, e de sua superaudição.
Aos que ficaram com a impressão de suas intimidades estarem ameaçadas, um único conselho: relaxar. Todos nós somos, ainda que sem perceber, objetos constantes do voyerismo alheio. No mais, é o tal negócio, quem está na chuva… bisbilhotar é inerente à nossa natureza, e se não o fazemos mais, sejamos sinceros, é por falta de oportunidade. Por outro lado, seria terrível estar à par de tantos enredos, já imaginaram a confusão? Pobre Super-Homem, pensando bem, a superaudição não é dom, é castigo!