São certamente poucas as circunstâncias em vida capazes de fazer um sujeito se enxergar mais impotente do que quando adentra uma oficina mecânica. Só mesmo quem já vivenciou a insólita experiência sabe como pode ser frustrante se deparar com o universo imponderável que se revela no ato da abertura de um capô. Ter um carro exige saber administrar esta sensação, de num momento estar tranqüilo ao volante, passeando ou dirigindo até o trabalho e, de repente, se ver obrigado a fazer manobras radicais para conseguir entrar numa birosca imunda que não inspira qualquer credibilidade. E, pior, sem saber como ou quando vai sair de lá.
Sinto que um mecânico de confiança estaria posicionado em algum lugar entre o médico da família e a professora das crianças, caso fossem listados por ordem de importância. Há, inclusive, semelhanças indiscutíveis entre seus ofícios, a começar pelo fato de serem especialistas em lidar com o que nos é imprescindível. Não duvide das muitas coincidências que unem o funcionamento do corpo humano, de um motor e da cabeça de uma criança, afinal, para dizer o mínimo, todos 3 são sistemas extremamente instáveis, sujeitos a constantes alterações.
Investigá-los mais a fundo significa arcar com risco comparável ao de meter a mão num vespeiro, uma atitude que dificilmente escapa de ter consequências. Mas nem sempre foi assim; no caso dos carros pelo menos, o conceito era criar uma carroça que não dependesse de tração animal, impulsionada por engrenagens simplórias, com as quais quase qualquer um conseguiria lidar. Quando uma dessas pioneiras máquinas enguiçava, a solução exigida podia muito bem passar por tirar o cinto da calça, afim de reproduzir o efeito de uma correia ou, sei lá, bater com a sola do sapato num pistão que houvesse emperrado.
Hoje, quando acende uma luz no painel, é preciso ler com atenção o manual para identificar qual das 56 possíveis falhas está sendo assinalada. Os automóveis se tornaram eletrônicos demais, tão sensíveis e complexos que o melhor seria… deixá-los estacionados na garagem! Impossível conter a descarga de adrenalina que sucede a iminência de uma pane, porque, além do pânico de ficar a pé, há ainda a preocupação com o bolso, que quase sempre se justifica.
Entregar as chaves nas mãos de um mecânico desconhecido é como convidar o Darth Vader para jantar em casa, a primeira etapa de uma sucessão de acontecimentos imprevisíveis. Nada impede, por exemplo, que se dê entrada na tal oficina para trocar o óleo do freio e se saia de lá com a conta da substituição da caixa de marchas. “Sabe como é, doutor, uma coisa vai puxando a outra”, dizem os profissionais da graxa, contendo certa satisfação diante da nossa cara de tacho.
Quem possui um carro “semi-novo” sabe que tem apenas duas alternativas: usá-los até se desintegrarem e poderem ser vendidos como carcaça ou se mudar logo para a rua da oficina. Como não segui nenhum dos sábios conselhos, agora estou aqui, me sentindo como um refém, esperando o telefone tocar anunciado as condições do resgate. Tenho que estar preparado para qualquer diagnóstico, ainda que seja a notícia de que o barulho e o mal cheiro se deviam a um casal de cotias habitando meu alternador.
Enquanto especulo o valor do prejuízo, que, independendo do defeito, sempre pode variar de R$80 a R$3.000, antevejo o protocolo a ser seguido: o cara do outro lado da linha fala mecâniques, a gente finge que entende, paga o que foi pedido, e torce para ganhar pelo menos um chaveirinho de brinde, com o nome e o endereço da oficina. Isso é o que eu chamo de lado negro da força.