Ameaça invisível

qua, 28/10/09
por Bruno Medina |

Pouco antes de dormir, entregue ao estágio meio barro, meio tijolo – aquele, limiar entre convicções plenas e impressões vagas – a voz masculina que ressoava, baixinho, do aparelho de TV me deixou alarmado. Numa reação instintiva, sentei-me na cama e tateei por sobre a colcha, em busca da tecla que aumenta o volume no controle remoto. Ainda recobrando a consciência, supus ser imprescindível ouvir com atenção a mensagem, que alertava para uma ameaça invisível e sua potencial capacidade de gerar óbitos.

“Meu Deus – pensei – será que estamos preparados?”. Àquela altura da noite é claro que não dispunha de recursos suficientes para evitar que a cena de uma chuva de asteróides ardendo em fogo, de um exército formado por zumbis assassinos e de um terremoto de proporções continentais, tudo em simultâneo, povoasse meus pensamentos. Nada disso. Segundo o locutor, o grande mal não viria do espaço ou do centro da terra. A bem da verdade, nesse exato momento ele pode estar à espreita, dentro de qualquer um de nós; eis que percebo, até com certo alívio, tratar-se tão somente da chamada de um documentário sobre os supervírus e as superbactérias.

Cabe esclarecer que não é minha intenção duvidar dos malefícios capazes de serem causados por microorganismos, muito pelo contrário. Mas os leitores hão de convir que, diferente do que estava sendo cogitado, esses, ao menos, costumam ser combatidos com comprimidos à venda em qualquer esquina. Ainda assim tenho notado que, de uns tempos para cá, a fauna de seres que não vemos, mas que sabemos estarem ao nosso redor, tem galgado importantes posições no ranking que assinala os maiores vilões da humanidade. Portanto é compreensível que – como diz-se da própria infecção “oportunista” – atrações televisivas aos moldes da citada tenham se alastrado no vácuo deixado por essa primeira onda de pandemia da gripe suína.

Pois, se o maior legado dos ataques terroristas do 11 de Setembro foi a exacerbação (com ares de paranóia) das medidas de segurança com as quais o mundo ocidental estará sempre obrigado a conviver, me parece inevitável que os supervírus e as superbactérias nos releguem um futuro onde frascos de álcool gel serão transformados em artigos de primeira necessidade.

O fato é que o item, antes apenas encontrado nas nécessaires dos aficionados por assepsia ou em consultórios médicos, ao longo do ano popularizou-se com espantosa rapidez. A versão viscosa, até então preterida ante à tradicional, líquida, passou de objeto encalhado à campeão de vendas, e, de uma hora para outra, o que sobrava nas prateleiras desapareceu. Alguns meses atrás, vocês lembram, era comum ouvir relatos sobre peregrinações por incontáveis farmácias, ou de quem, ao se deparar com o faltoso produto, ainda que superfaturado, decidisse levar quantos pudesse, afim de imunizar também amigos e parentes. “Três unidades por cliente apenas”, dizia o atendente detrás do balcão.

Nas fábricas, imagino, era com determinação e a certeza de receber muitas horas-extras que funcionários varavam noites produzindo no limite da capacidade. Nas ruas, quem tossisse ou espirasse recebia de imediato olhares de repúdio ainda piores do que os destinados a criminosos perigosos. E pensar que todo esse escarcéu se deu por conta de uns trocinhos que sequer conseguimos enxergar…

Agora que a peteca está no hemisfério norte, a tendência é relaxarmos um pouco, ao menos até inventarem uma outra terrível ameaça. Na loja que vende empadas aqui perto protagonizei outro dia uma passagem curiosa. Ao ver eu me lambuzar todo com o generoso recheio de palmito o sujeito, provavelmente dono da loja, orgulhoso, disse:

“está vendo ali? Aquilo é um dispositivo de álcool gel”

“estou mais pra um guardanapo mesmo, pode ser?”, respondi.

A música que mudou (nossas) vidas

sex, 23/10/09
por Bruno Medina |

Audrey Cuttler é uma estudante secundarista que finalmente toma coragem para dar um pé na bunda de Evam, autocentrado e pouco sensível. Inconformado com o desfecho do namoro o rapaz, que é também vocalista e compositor de uma banda iniciante, resolve traduzir em versos musicais as minúcias de seu drama particular. Surpreendendo até mesmo as previsões mais otimistas, a canção transforma-se num estrondoso sucesso, atingindo em poucas semanas o topo das paradas radiofônicas e alçando prematuramente à fama a banda responsável pelo hit, assim como aquela que lhes serviu de inspiração.

A sinopse, acima descrita, pertence a Audrey, wait! , livro de Robin Benway, que no Brasil recebeu o título de A música que mudou minha vida. Por motivos que dispensam maiores explicações, encarei como natural a sensação de intensa familiaridade que essa trama despertou em mim, e que, provavelmente, ainda irá despertar em tantos outros. No mais, serve como indício do que há muito já sabemos; vida real e ficção vivem se esbarrando e se confundindo por aí, ou alguém acredita que a jovem escritora norte-americana tenha sequer ouvido falar em Los Hermanos?

Salvo poucas ressalvas, os enredo são mesmo parecidos, a ponto de a própria Anna Julia ser quem assina o texto de apresentação da edição nacional. A exceção fica por conta da música de mentirinha ser uma narrativa das desventuras de um relação consumada, escrita em primeira pessoa. Já a outra música, a que conhecemos tão bem, retrata o olhar de um amigo que assiste aos desencontros de fora, e que especula sobre as causas que impediram um romance que nunca chegou a existir.

De resto, ambas as musas possuem em comum muito mais do que a letra inicial de seus nomes. Em especial, a inusitada experiência de terem sido convertidas – à revelia – em arquétipos pouco fidedignos de si mesmas, e de terem se transformado, quase que do dia para a noite, em objeto absoluto da curiosidade popular. Em recente entrevista, Anna Julia classificou como sorte o fato de ter sido submetida à tamanha exposição numa época que antecedeu o surgimento dos sites de relacionamento e do incremento da indústria nacional dos paparazzi, que em muito se deu pela democratização do acesso à internet.

Ainda assim, nossa colega de faculdade não teve como se esquivar do assédio implacável da imprensa. De ter que dar autógrafos nas ruas, de testemunhar seu nome tantas vezes sendo escrito com um “n” só, de não corresponder às expectativas idílicas que a associavam a uma semideusa esmagadora de corações alheios (tá certo que ter escalado a Mariana Ximenes para interpretá-la no clipe também não ajudou nesse quesito) e, com certeza, do pior em tudo isso: ter que passar o resto da vida respondendo se é ou não a mesma da música.

Entre nós da banda admito que sempre houve desconforto, diria até constrangimento, por tê-la atirado à cova dos leões sem o prévio consentimento. Em nossa defesa, argumento: quem poderia prever que as coisas seriam do jeito que foram? A imagem que ilustra esse post é a capa do CD no qual a dupla Teodoro e Sampaio (?!) gravou sua versão de Anna Julia que, não por coincidência, deu nome ao disco. A sugestiva ilustração é prova cabal de como a personagem mexeu com o imaginário coletivo.

Pois se nós mesmos perdemos as rédeas da música, que saiu trotando pelo mundo feito cavalo desembestado, o que poderímos fazer para minimizar os prováveis aborrecimentos pelos quais a Anna Julia de verdade teve que passar?

Quando a vi saindo das coxias do Domingão do Faustão para nos entregar o disco de ouro, lembro de ter suspeitado de que sua presença ali se devia a uma daquelas clássicas armações, passíveis apenas de serem idealizadas por promotores de gravadora. Não seria nenhuma surpresa descobrir, após quase uma década, que haviam lhe jurado ter sido nossa a ideia de chamá-la ao programa. Naquele instante preciso me arrependi de, dias antes, tê-la eu mesmo levado à frente do palco, num festival realizado em Florianópolis, afim de apresentá-la para uma multidão estimada em 30 mil pessoas.

Nas poucas ocasiões em que nos encontramos nesses anos que se seguiram não houve oportunidade de perguntá-la sobre que impressões guarda do período. Se bem que nem eu mesmo saberia responder a essa pergunta… parece-me, no entanto, razoável supor que estar no epicentro desse furacão tenha a propiciado momentos, no mínimo, divertidos. Pelo menos gosto de acreditar que sim.

De qualquer maneira, Anna Julia, se você vier a ler isso, saiba que sou dos que pensam que há coisas na vida que acontecem apenas porque tinham que acontecer. E, sem sombra de dúvida, é um alívio saber que a história de nosso maior hit se relaciona a uma pessoa consciente e íntegra como você.

Eu vou chamar o síndico…

ter, 20/10/09
por Bruno Medina |

Salvo engano deste que vos escreve, a imensa maioria das pessoas associa a expressão máxima do termo “democracia” ao sistema de representação – dito popular – vigente em diversos países como, por exemplo, o Brasil. Eu discordo. De uns tempos para cá tenho achado que o âmbito onde a palavra se aplica com mais legitimidade não é este monumental em que se inserem um sem fim de partidos políticos, urnas eletrônicas e emendas constitucionais; mas sim o da dimensão local, e das decisões triviais que nos afetam diretamente, como a necessidade de racionalizar o uso de elevadores, de respeitar a lei do silêncio e de ser cordial com pseudo-conhecidos.

Pois, como em nenhuma outra esfera passível de ser citada, é no modelo de convivência urbano, sugerido pelos prédios, que a democracia se põe à prova, todos os dias. Convenhamos, é menos indigesto tolerar um prefeito que não elegemos do que um vizinho daqueles verdadeiramente problemáticos. Ô se é. Ainda hoje me soa improvável que no passado alguém tenha considerado a viabilidade de um projeto que propunha famílias inteiras morarem encaixotadas uma por sobre as outras.

Apesar de já ter tido tempo suficiente para me adequar ao conceito, inclusive por tê-lo vivenciado ao longo de mais de vinte e cinco anos, quando entro num prédio por vezes me pego a divagar sobre o que torna possível o cruzamento e a sobreposição de tantas histórias. Sobre como uma porta fechada é capaz (ou, pelo menos, deveria ser) de separar realidades tão distantes. Então eis que esse bando de estranhos, quase sempre tendo em comum apenas o desejo de residir no mesmo endereço, precisa sentar-se para decidir questões que envolvem finanças, ética ou os limites do que deve ser considerado aceitável por todos.

Se a dona Terezinha dorme às 8:30h e o rapaz do 403 gosta de tocar violão nesse horário, se a filha do dentista brinca de queimado com as amigas no play, mas o morador do 101 se incomoda com os gritos e a bola espocando na parede, se o professor particular não consegue dar aulas com o arrastar das cadeiras no apartamento de cima, ainda que diga-se dele que prende a porta do elevador na garagem, tudo isso, em tese, é pauta para a reunião de condomínio. Assim como o orçamento das pastilhas a serem empregadas na reforma da fachada externa, o mal hábito do porteiro, que na madruga se refestela no sofá da portaria, e, é claro, o que fazer com a “mala” da dona Terezinha.

O mais interessante da democracia predial é a constatação de que o homem é de fato um ser político. Independente do que esteja em debate, observa-se a atuação de todos os peões do jogo que estamos cansados de testemunhar em qualquer escala de poder: é o sujeito que reclama mas faz igual, o que fala, fala e não chega a lugar algum, o que só pensa em si, o outro que cria um séquito para apoiar suas reivindicações apenas, e por aí vai.

Semana passada a visita a um edifício no qual nunca tinha estado me deixou intrigado. A decoração do hall de entrada poderia ser definida, para dizer o mínimo, como uma grotesca coleção de estéticas absolutamente díspares. Aquarelas de gosto um tanto quanto duvidoso ornavam paredes de tom verde-hospital, e o mobiliário de cana-da-índia com almofadões emborrachados de estampas geométricas se entulhava, separado por vasos gigantescos com bambus espetados, em alusão aos remos de uma gôndola veneziana. Ao fundo, como se não bastasse, um espelho de dimensões exageradas cuja moldura era cor de vinho e tinha aplicações de rosas em jato de areia. Quando falava ao interfone o porteiro fazia lembrar um personagem daqueles clipes trash dos anos 80. Em resumo, um cenário de circo dos horrores.

A desarmonia do ambiente era tamanha que me fez cogitar se aquele espaço, semelhante a um depósito de objetos a serem doados para desabrigados de uma enchente, era resultado da soma de contribuições individuais de alguns moradores equivocados ou obra da imaginação fértil de um síndico totalitarista, desprovido de qualquer bom senso. Seja como for, ao menos naquela portaria, a ausência completa ou o excesso de democracia pareciam separados por uma linha muito tênue.

Moralll!

ter, 13/10/09
por Bruno Medina |

No que se refere à capacidade de argumentação, parece haver consenso quanto ao fato de a humanidade se dividir em dois grandes grupos distintos: o dos que sabem e o dos que não sabem discutir. Reparem, no entanto, que esse talento ou, se preferirem, esse “dom”, em nada se relaciona a ter ou estar com a razão; a bem da verdade, desenvolver a referida aptidão costuma ser a estratégia adotada por quem tem hábito de entrar em bate-bocas desprovido de munição apropriada para defender seu ponto de vista, e, por isso, apela.

Pois se é a racionalidade o principal aspecto que difere o homem de todas as outras espécies, o que, em tese, nos desobriga de resolver disputas pela imposição da força física (embora muitos nem sempre se dêem conta disso), a incapacidade ou a impossibilidade de aplicá-la sobre questões do cotidiano é justo o que nos aproxima da porção animal. Afinal, existe algo mais enlouquecedor do que sair de um debate com a desconfiança de ter sido derrotado por ironia ou frase de efeito?

Porque, na prática, o que se leva de uma discussão não é a quantidade ou a qualidade dos argumentos proferidos, mas sim a lembrança de como ela terminou. Pouco importa o sujeito passar 10, 15 minutos enfileirando os motivos que lhe concedam toda razão do mundo sobre o tema abordado; se no final da pendenga, mesmo em desvantagem, a outra parte encaixar um daqueles golpes fatais em forma de sentença – desses para os quais não há forma de se precaver – toda falácia terá sido em vão.

Eu, por exemplo, pertenço ao que poderia ser denominada uma subdivisão da categoria dos que não sabem discutir. Estou entre os que formulam a resposta perfeita, mas alguns minutos depois do momento propício para dá-la. Sobretudo na infância, foram muitas as vezes em que a réplica para frases iniciadas por “e você que….” ou “mas eu pelo menos…” só veio a caminho de casa ou na manhã seguinte ao quiprocó, quando era tarde demais para se beneficiar de seu efeito arrasador. Para os que sofrem desse mal não há outro remédio senão apenas imaginar a sensação de vingança, a reação estupefata do oponente e a aclamação pública junto aos ocasionais espectadores.

Cá entre nós, agora que o dia das crianças já passou, podemos reconhecer a capacidade singular que elas em geral possuem para destruírem seus similares. É no pátio da escola, portanto, onde se encontram as melhores chances que qualquer pessoa terá para aprender a… pensar rápido. Pressionado pelo risco de tomar na frente da turma um “morallll”, “toma-te”, “créu” ou qualquer outra dessas temíveis interjeições, somos submetidos ao penoso porém necessário exercício do confrontamento.

A partir daí cada um escolhe – ou aceita – o tipo de discutidor que virá a se tornar. O mais interessante nessa história toda é que não se conhece o grau de habilidade de quem quer que seja a menos que se instaure uma situação de atrito. Trocando em miúdos, há sempre a possibilidade do ser amado se revelar um legítimo patife na hora do vamos ver. Pelo sim pelo não, a título de precaução, recomenda-se desde o início do namoro ter em mente uns defeitinhos do outro que possam ser úteis em momentos adversos.

Toda criança quer…

sex, 09/10/09
por Bruno Medina |

Carlos Octávio, Maria Cândida, Kauã e Giovanna são crianças cujas idades variam entre 8 e 10 anos. Nessa época do ano, assim como a imensa maioria de meninos e meninas, os quatro também sabem citar na ponta da língua a relação de presentes que gostariam de receber na próxima segunda-feira, dia das crianças.

Na tentativa de traçar um panorama dos hábitos e gostos comuns a essa faixa etária, o Instante Posterior solicitou aos participantes da pesquisa que se reunissem em pares, afim de redigirem uma lista de 10 itens que conjugasse as preferências de ambos.

Cabe mencionar que todos os envolvidos residem em áreas metropolitanas do país, e que pertencerem a famílias que possuem mesmo grau de escolaridade e poder aquisitivo. Entre as duplas, há, no entanto, uma única e importante distinção: Kauã e Giovanna são crianças de hoje, Carlos Octávio e Maria Cândida, de ontem.

Abaixo, as listas comparadas:

Exageros à parte, nem está longe de ser verdade. Seja como for, feliz dia das crianças!

Cinema Mudo

ter, 06/10/09
por Bruno Medina |

“Eu sou cada vez mais eu mesmo” é a frase-título da entrevista, publicada no domingo passado, que Herbert Vianna concedeu à Revista O GLOBO. A declaração contundente, pinçada da conversa que originou a matéria, me acompanhou durante todo o percurso entre o sofá de casa e a poltrona do Cine Odeon, no dia seguinte. Herbert de perto estreou inserido na programação do Festival do Rio, e é resultado dos 26 anos em que a câmera sensível de Roberto Berliner esteve apontada para a trajetória – por vezes pessoal – dos integrantes dos Paralamas do Sucesso.

O filme se soma à ótima safra de registros documentais que retratam personalidades da música brasileira, uma tendência que tem tudo para inaugurar o nicho. Assim como os filmes protagonizados por Wilson Simonal, Arnaldo Batista e pelos Titãs (todos lançados em 2008), esse também assume contornos épicos ao abordar sem rodeios as consequências do trágico acidente que ameaçou interromper a extensa carreira de êxitos do trio.

Mas engana-se quem pensar que trata-se de uma história triste. Consciente de seus desafios, dos já superados e dos que ainda estão por vir, Herbert se mostra aos espectadores como verdadeiro exemplo de superação e de otimismo, alguém que, apesar das enormes dificuldades cotidianas, ainda consegue compor músicas sobre o entusiasmo de estar vivo.

De quebra, o filme se presta a fazer merecida homenagem a essa que é, sem sombra de dúvida, uma das mais significativas e influentes bandas nacionais. A aquarela de tons desbotados, predominante no mosaico de imagens oriundas do princípio da década de 80, é capaz de propiciar a quem já passou dos 30 o resgate de preciosas recordações; da aura de frescor e encantamento, inerente à época em que o rock desempenhava um até então impensado posto de destaque dentro do cenário musical brasileiro, e de como Herbert, Bi e Barone faziam parecer mágico, e ao mesmo tempo trivial, reunir uns amigos e tocar daquele jeito.

Aliás, nunca tive a chance de dizer o quanto me emocionou olhar para o lado e ver o Herbert, ídolo da minha infância, nas coxia da Fundição Progresso, num daqueles shows que o Los Hermanos fez em 2007. A visita coroou nossa breve convivência profissional, tempo que, no entanto, me forneceu indícios para concluir que “talento” é um termo insuficiente para justificar a consistência e a qualidade do que ele e seus colegas construíram juntos.

Porque é a amizade, e não a adversidade, o tema central do filme, a que lhes é tão peculiar e que foi indispensável para que conseguissem voltar a ser uma banda de fato. Portanto a noite de ontem não deixou de representar uma conquista para esse grupo; inclua-se aí equipe técnica, familiares e todos os que de alguma forma contribuíram para a volta de Herbert aos palcos, e que compareceram à sessão para prestigiar o que pode vir a se tornar uma nova etapa em sua vida.

A inusitada possibilidade de recriar as lacunas da própria biografia foi o que provavelmente motivou o comentário destacado no início desse texto. Talvez, aos seus olhos, a oportunidade de reconstituir o passado a partir de um longa-metragem tenha lhe dado a impressão de estar mais próximo de um entendimento do que viveu, em especial nesses últimos anos.

É de Hermano Vianna a percepção que resume o viés da narrativa. Segundo ele, há ao menos um elemento coincidente entre os processos de maturidade artística e o de recuperação pós-acidente do irmão: o fato de terem se dado na esfera pública. Do lado de cá da plateia, de perto ou de longe, ambos são merecedores de nosso aplauso.

O primeiro dos românticos

sex, 02/10/09
por Bruno Medina |

É provável que, como quase todo mundo, você nunca deva ter parado para pensar sobre a real origem do amor. Não me refiro, obviamente, a esses corriqueiros, que nutre-se pelo namoradinho, por determinada especialidade gastronômica ou pela música que marcou aquele verão inesquecível. Digo, o amor sublime, o sentimento soberano que ao longo dos séculos inspirou nossa produção artística, o mesmo que rege a ordem de todas as coisas (embora, atualmente, muitos creditem ao dinheiro essa responsabilidade).

Por ser inerente à condição humana o amor é imprescindível como o são água e ar (nossa, que bonito…); enquadra-se, portanto, na categoria de sensações e atitudes involuntárias que, de tão fundamentadas, acabam por tornar-se quase invisíveis, ou alguém aí tem o costume de dedicar profundas reflexões à própria respiração? No mais, alegariam os pragmáticos, amor é para ser sentido, e não analisado. Certo?

Errado. Aparentemente não compartilham da mesma opinião alguns cientistas norte-americanos, que se empenham além do razoável para rastrear indícios do primeiro ato de amor ocorrido sobre a face da terra. A manifestação que nos é tão peculiar, segundo recentes pesquisas publicadas pelo grupo, nada teria a ver com romantismo ou cultura. Trata-se de uma reação química instintiva, herdada de nossos ancestrais, um desses manjados truques sujos do cérebro no afã de perpetuar nossa espécie.

Estudos que associam reações do nosso comportamento, tidas como espontâneas, a mecanismos de sobrevivência não chegam a ser novidade, mas o que chama atenção para esse caso em específico é a pitoresca teoria: no período que antecedeu o surgimento do homem moderno, mais ou menos há um milhão de anos, evidenciou-se o início da supremacia das relações monogâmicas. A decisão, imagino, não foi motivada por uma crise de consciência entre primatas que, de súbito, passaram a se incomodar com o caráter efêmero de suas relações.

Partiu das fêmeas, a altura ainda há pouco caminhando sobre os pés, a iniciativa de procurar parceiros fixos que as ajudassem a superar as enormes vicissitudes daqueles tempos. Se antes mães solteiras e bem resolvidas conseguiam acomodar numerosas proles nas costas sem maiores complicações, quando bípedes, tinham as mãos constantemente ocupadas pela obrigatoriedade de carregar seus filhotes no colo.

Esbanjando traços de liderança e de capacidade de convencimento que até hoje lhes são tão naturais, não tardou para que esse “protótipo de mulher” percebesse vantagens em ter um macho por perto. De preferência um que se deixasse afeiçoar pela cria, inclusive a gerada por outros varões, e que pudesse realizar tarefas cotidianas, que à época correspondessem a trocar lâmpadas, carregar sacolas ou levar as crianças para jogar videogame no shopping.

Aos leitores do sexo masculino, que possivelmente se indignaram com a condição subserviente de nossos equivalentes pré-históricos, pobres peões ludibriados pela ilusão do amor, lembro que o jogo não parece ter mudado tanto desde então. Vai ver está no nosso DNA a predisposição para sermos… úteis. Não me espantaria se tanto homens quanto mulheres explicitassem repúdio à ideia de que suas paixões fulminante e viscerais, consumadas ou idealizadas, teriam sido na verdade motivadas pelo fluxo ocasional de correntes elétricas cerebrais.

Em suma, o mecanismo que nos leva a amar não difere em quase nada do que condiciou os cães a se tornarem melhores amigos do homem: senso de oportunidade. Embora decepcionante a pesquisa ao menos sugere uma ótima desculpa para quando as parceiras nos acusarem de não estarmos sendo românicos: “bem, você sabe como é, nossa espécie já está garantida…”



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