4 ou 5 chances pra se apaixonar
Acontece sempre comigo: banda pouco conhecida e já “hypada”, daquelas que as publicações estrangeiras insistem em nos convencer de que são a oitava nova maravilha da humanidade. Apesar da preguiça e da inevitável desconfiança que o cenário inspira, resolvo ceder ao burburinho, ao apelo dos amigos bem informados e ao entusiasmo que, a esta altura, contamina também boa parte da crítica especializada nacional.
Uma via expressa me leva diretamente à página de Myspace dos caras; layout transadinho, um apanhado de boas críticas chanceladas por veículos respeitados, agenda pipocando de datas em capitais lado B da Europa. Consigo até imaginar a cerveja voando por sobre as cabeças do público espremido e suado, o coro desafinado de branquelos embriagados ricocheteando pelas paredes do pub mais cool da cidade. Tudo exatamente como deveria ser.
No box do canto superior direito da minha tela, a hora da verdade. Reconheço que há algo de injusto, quiçá perverso, no protocolo que se estabeleceu nesses últimos anos. Atualmente são poucas as chances que qualquer banda tem para me convencer de que vale à pena conhecê-la melhor. Restringem-se às quatro ou cinco músicas que o site permite disponibilizar, e que, na prática, serão consideradas, por mim e por quase todos os demais, como amostras do que de melhor aquele grupo sabe fazer.
É impossível não se sentir um crápula ao admitir isso, mas, sejamos honestos, não é assim que acontece? Afogados pelo excesso de novidades, de “promessas” que não se cumprem, elegemos o número sugerido como sendo critério suficiente para, ao menos, separar o joio do trigo. Pois bem, seguindo a lógica, boto para tocar logo a faixa mais acessada, a mais famosa, afim de entender o por quê de eu ter ido parar ali.
A prática me ensinou que preciso gostar de pelo menos três músicas de um artista para querer comprar seu disco e, se a matemática não falha, em tempos de Myspace a probabilidade disso acontecer parece bem reduzida. Na era pré-stream, vocês lembram, fazia parte do jogo arriscar. Ir à loja empolgado pelo que se ouviu no rádio ou comprar CDs no escuro mesmo, bastando como motivação que a capa fosse interessante.
No som de casa, a expectativa se dava em torno de chegar ao fim da audição sem constatar ter levado gato por lebre. Como a negociação nem sempre podia ser desfeita, era comum tentar se convencer da possibilidade de, com o passar do tempo, afeiçoar-se ao repertório que numa primeira ouvida havia batido meio estranho. De tanto insistir, a iniciativa até surtia efeito e, não raro, determinava o início de uma promissora relação. Mas isso acabou.
Hoje em dia a oferta é inversamente proporcional a paciência para garimpar, portanto, quando gosto de cara de uma banda que ainda não conheço, torço muito para conseguir transpor a tal barreira das três músicas e me apaixonar. Levar o CD pro carro e ouvi-lo em looping por semanas, sem enjoar, e ser o mala que vai perturbar os amigos descrentes. Enfim, se entregar aquela ótima sensação de descobrir uma boa banda.
O mais comum, no entanto, é enxergar-se no papel do carrasco, sentado em frente ao computador, à espreita de um deslize para degolar a vítima. O sujeito que, de tanto pular de galho em galho, de tanto escolher, acaba não conhecendo nada de fato.
Segunda vez que comento aqui, Bruno (a primeira foi quando você postou sobre o nascimento do seu filho).
Eu tenho a mesma sensação que você sobre o bombardeio de novas bandas e sobre a “graça” que era comprar um disco novo. Os tempos são outros e fazer música também mudou seu jeito de ser. Raros são aqueles que fazem por amor e o lucro de seu trabalho era apenas lucro.
Continue nos presenteando com seus textos, gosto muito do seu estilo de escrever. Quase nunca consigo responder a tempo seus posts, porque os leio no celular, entre um intervalo e outro das atividades no hospital. Mas saiba que sempre dou um pulinho aqui para ver o que há de novo sob seu ponto de vista.
Um abraço!
Eu tive contato com essa cultura na faculdade. E confesso que acho meio esquizofrênica essa relação com a música. Antes existia o rádio, e mesmo quando o jabá era forte dava pra conhecer músicas legais.
Agora estamos reféns da internet pra conhecer música nova. Em 2005 e 2006 baixei muita coisa hypada e maaaalaaaaaaaaaa. Agora baixo de vez em nunca alguma lista das melhores faixas do ano, ou alguns álbuns dos tops 10 (que escuto umas 3 músicas, pulando a primeira).
O mais incrível é que existe gente maluca que sente um prazer tão grande em ouvir as coisas hypadas antes do resto do mundo que parece que perdeu o prazer de ouvir música e ponto. E daí que eu cheguei atrasado 2 anos no CD da Feist?
Acredito que por mais que seja meio estanha essa nossa relação nova com a música, daqui alguns anos, Bruno, essas nossas divagações embasadas em maior ou menor grau não farão o menor sentido. Espero tirar proveito dessas mudanças e não ser um velho reclamão que pragueja que era melhor no meu tempo de jovem. Já sou muito raclamão.
Música é como mulher. No melhor sentido. Mesmo com toda a carrasquice e pulação, mesmo dizendo que essa é pra dançar ou essa é pra curtir de bobeira, tem sempre uma que a gente se apaixona no meio do caminho. E pensa: “Tu é prosa boa de curtir / Tu é moça feita pra casar”. Daí aparecem bandas como Fleet Foxes que eu nunca esquecerei.
Excesso de oferta, Bruno. Quanto mais coisas conhecemos menos conhecemos as coisas. No futuro que eu vejo, estaremos mergulhados em listas de ícones, que levam a outros ícones, add infinitum…
“…O sujeito que, de tanto pular de galho em galho.. ”
Efeito do post anterior?????
Beijos
Olá!
Passei aqui o blog apenas para sugerir a “escuta” de uma banda de Curitiba – o Trio Quintina. Estou em Curita e saindo de casa para assistir o show dos caras, que são em 3. (!)
Por força do destino, o post da vez é exatamente sobre isso…
Em tempo: no site da melhor mini-orquestra que já ouvi estão disponibilizados todos os CDs dos mais de 10 anos de história da banda.
Abraços
A internet possibilitou muitas oportunidades pra gente realmente boa, mas também, abriu uma porta gigante pra bizartices e afins. Mesmo sendo um ótimo meio de comunicação, alterou velhos hábitos, como o de comprar cds. Cresci vendo as lojas desse produto se extiguirem aos poucos e hoje, dificilmente, se tem lojas com esses artigos. A praticidade da internet, vez ou outra, é substituída pela saudades desse tempo.
Sim!
O pior é que tem muuuita coisa boa por aí, mas é bom e a gente não dá atenção porque tem que ouvir de tudo! Tenho certeza que eu seria fã de milhares de bandas se desse a devida atenção ao trabalho delas.
Quase todo mundo gosta do myspace da minha banda, mas vê se alguma pessoa aparece no show? É um “gostei, passa pra próxima” que não tem fim!
abraço!
Estou me identificando muito com teu texto e alguns dos comentários anteriores, o que me faz crer que talvez seja uma “síndrome” de nossa faixa etária ou tenha a ver com formação ou grupo social. Sinto falta de ter tempo para ficar horas em lojas de disco descobrindo qualquer coisa. Também estou ficando rabujento, mas me policiando para não piorar.
tristeza adorniana?
Bruno, às vezes, eu me considero uma estranha por não conseguir gostar de muita coisa atualmente. Escuto as mesmas coisas de sempre. Acho a música atual muito descartável. Dificilmente consigo gostar de um CD inteiro. Fico pulando de música em música, de artista em artista. Meus casos de amor musicais são antigos.
Olá Bruno! Estou precisando de um tecladista!
Concordo com isso. E há um tempo que já concordo.
É uma tendência que tende a aumentar, esse excesso de muito. Muitas bandas, muitos filmes, muitos livros, muita oferta, e vontade de absorver tudo. O problema? Somos só um e incapazes de ter tudo.
No fim, ficamos apenas com os classicos.
Então, ainda me lembro dos velhos tempos de garimpagem na loja de cd -quando havia loja de cd na minha cidade- era muito legal dá um tiro no escuro as vezes, ou ainda achar aquele disco raro que sempre quis adquirir mas nunca chegava. Hoje é só buscar nos Torrent da vida e baixar a esmo – gostou leva caso contrário é só dá um DELETE -embora nos últimos tempos tenho frequentado o show, apartir daí é que pode rolar adquirir o som dos caras. Aconteceu assim últimamamente com a banda do Fernando Catatau.
Pensei q vc fosse falar o nome de alguma banda! Fiquei na curiosidade… rs
Hj em dia tb acho difícil gostar de um “cd” inteiro. Mesmo tendo este apenas 10 músicas, às vezes…
Abç
Tá, mas e aí, a banda era boa?
Realmente, é interessante relembrar um processo de escolha que fazíamos há pouco tempo atrás. A tecnologia nos oferece muitas ofertas, mas com ela há também uma certa perecividade musical, com a substituição de uma coisa por outra com muita facilidade. Comprar um cd e trocar gato por lebre, ou acertar na escolha, é um risco que corríamos. Hoje podemos escolher e ouvir antes de comprar. Mas vivemos uma fase transitória, uma adaptação, sem nenhum modelo comum implantado e que nos divide em comunidades, em tribos cada vez mais divergentes.
Esperei até a última linha do seu post uma indicação de alguma banda que você descobriu há pouco tempo e ficou tão animado que não resistiu e veio correndo contar a nós, fiéis leitores do seu blog, mas foi em vão.
Há muito tempo não lia tão perspicaz análise sobre o consumo de cultura musical da era myspace e afins: vitrines de um “ame ou odeie”, onde o que vale é chamar a atenção num infinitésimo de tempo, fato que muitas vezes só se alcança apelando-se a não importa o que. Como se hoje a música servisse para chocar e impressionar, não para sensibilizar.
Mais uma vez, parabéns!
Compramosum CD por causa de duas ou tres músicas que se goste.As outras músicas aprenderemos a gostar, ouvindo-as.
cara, é EXATAMENTE assim.
Me acostumei a ouvir Radiohead por causa de uns clipes lá e cá na Mtv (ainda toca Radiohead na Mtv?), que eu por sinal detestava. Me acostumei, comprei o disco, detestei o disco, me acostumei, e hoje é minha banda preferida. Me acompanha há 10 anos.
Que saudade de sentir isso.