Dia da caça

sex, 28/08/09
por Bruno Medina |

Não estou certo se já mencionei isso aqui, mas eu moro em uma casa. Casa mesmo, com telhado, área externa e janelas voltadas para a calçada da rua. Na zona sul do Rio, nem precisaria dizer, são muito poucos os que se aventuram a viver fora do perímetro de presumível segurança determinado pelas grades dos prédios. Tanto que até já me acostumei aos olhares de incredulidade e reprovação, disparados sempre que o assunto moradia vem à tona.

Mesmo quem, como eu, passou boa parte da vida habitando apartamentos sabe que as maiores ameaças aos moradores de casas localizadas em centros urbanos são gatunos e ratos. Nestes cinco anos em que resido aqui, desafiando as estatísticas, posso me gabar de nunca ter tido problemas com nenhum dos dois; pelo menos era assim até o início dessa semana, mais precisamente até encontrarmos um cocozinho em cima do tampo da máquina de lavar.

Pronto, lá se foi meu sossego. No dia seguinte o invasor deixou sua “marca” no quarto do bebê e, depois, dentro do box do banheiro. Pesquisas preliminares realizadas na internet indicam que dificilmente um rato se deixa ver à luz do dia e que apanhá-lo num momento de descuido é, portanto, tarefa árdua. Ratoeiras e venenos foram descartados de cara como possíveis soluções, afinal este é também o lar de um bebê e de um cachorro bobo.

Acho que o pior aspecto de ter um roedor frequentando sua casa não é o receio de cruzar com ele de madrugada, a caminho da geladeira, ou de ser contaminado pelas terríveis doenças que podem ser transmitidas. Assim como prega a cartilha dos mais temíveis terroristas, tudo indica que o objetivo principal deste rato não é causar prejuízos diretos, e sim instaurar junto as suas vítimas um clima de constante apreensão. Para tal, ao invés de detonar uma bomba, tudo que ele precisou fazer foi defecar em diversos pontos da casa.

Agora varo as noites em estado de alerta, tentando discernir entre os ruídos da vizinhança e seus passos, numa possível investida ao andar de cima. Por vezes me pego arquitetando planos mirabolantes que culminem em sua captura, ou mesmo abrindo portas, vasculhando fundos de armário e arrastando móveis de supetão, na expectativa de surpreendê-lo.

Para um visitante desavisado não seria improvável testemunhar alguém aqui em casa andando feito louco, com o olhar fixo para o chão, em busca de nova pista que auxilie a desvendar a rotina do bicho. Cocozinhos de rato representam para nós o que são para a CIA bilhetes deixados por serial killers. Esta tem sido, até o momento, a maneira pela qual ele interage conosco e nos desafia.

A título de ilustrar o pesadelo em que a ameaça invisível pode se transformar, um pouco antes de sentar para escrever este post chutei um saco de lixo, dei dois passos para trás e… nada. Estava certo de tê-lo encurralado. Minha mulher – talvez inspirada pela exposição excessiva na infância aos desenhos de Tom & Jerry – decidiu colocar um pedacinho de queijo no chão da cozinha. “Para que?”, perguntei.

A menos que ela esteja preparada para, num golpe mortal, sentar a vassoura na cabeça do aprendiz de terrorista, montar guarda não surtirá qualquer efeito. Suponhamos que ela consiga atingi-lo, quem iria querer retirar a carcaça de um rato morto? Afim de evitar a indesejável experiência, continuo a favor de resolver o impasse na diplomacia: bastaria pegar emprestado por uns dias o gato de alguém para que o rato entendesse que sua presença por essas bandas não é bem-vinda. Sem derramamento de sangue, sem traumas para a posterioridade.

Mas o plano corre risco de ir pelos ares quando o imagino como Jerry, sentado na poltroninha de sua toca ornada por armários feitos de caixinhas de fósforo, zombando da minha inabilidade em expulsá-lo. Pois que ele nunca duvide, se um dia é da caça…

ter, 25/08/09
por Bruno Medina |

É, essa história do sumiço do Belchior tem tudo para assumir contornos ainda mais folhetinescos. Desde a exibição da reportagem, no Fantástico de domingo passado, especulações e enredos mirabolantes têm sido cogitados como possíveis explicações para o mistério. Não demora e alguém dirá que o cantor foi abduzido por uma civilização extraterrestre aficionada por música brasileira, ou que ingressou numa seita religiosa, cujo profeta o convencera a abdicar da vida pregressa.

Teorias menos fantásticas, no entanto, relacionam sua ausência ao súbito desejo de cair na estrada sem dar satisfações ou, quem sabe, à tentativa de atrair um pouco de atenção para a própria carreira. A despeito da justificável preocupação de familiares, amigos e fãs, o que realmente intriga a maioria das pessoas é o fato de que Belchior desapareceu sem deixar vestígios.

Como todos sabem faz uns quinze anos que não é mais permitido a qualquer pessoa pública escafeder-se. Por mais obscuro ou longínquo que seja o rumo seguido, e por menor que tenha sido o período de exposição na mídia, há sempre uma câmera fotográfica, de celular que seja, disposta a revelar paradeiros improváveis. Informações atualizadas associam a aparição mais recente de Belchior ao relato de alguns conterrâneos que estavam de passagem por Colônia de Sacramento, Uruguai, em junho último.

Na ocasião o compositor cearense comentou seus planos de produzir um DVD com imagens da América Latina (?), o que teria soado inconsistente aos ouvidos do grupo de promotores com quem conversou. Talvez a prática do ofício, que os obriga a colher depoimentos com frequencia, tenha corroborado para que levantassem suspeitas sobre a veracidade do que lhes era dito. Mas, afinal, que motivação teria Belchior para mentir?

Estaria ele fugindo de alguém? Afogado em dívidas que o obrigaram a deixar tudo para trás, ou será que, após tantos anos, cansou-se de lutar por um lugar ao sol da MPB? A elucidação do caso ainda parece distante, mas tenho razões de sobra para acreditar que um dia iremos rir disso tudo. Visto que a aparição “papagaio de pirata” no Fantástico me qualifica como testemunha, eis o que penso:

As duas vezes em que estive com Belchior – na gravação do Altas Horas, em 2003, e num show que fizemos juntos no Rio três anos depois – foram suficientes como prova de que trata-se de um sujeito extremamente espirituoso. Um piadista nato, conversador, daqueles que sempre tem um “causo” para contar. Não me espantaria descobrir que seu desaparecimento é na verdade um grande sarro, uma bem-humorada tentativa de concentrar olhares e angariar novas plataformas de divulgação para o período “pós-sumiço”. A estratégia seria semelhante à adotada por Joaquim Phoenix, aquele galã hollywoodiano que tenta nos convencer de que surtou.

Se estiver vivo, e Deus permita que sim, a essa altura o bigodudo já deve saber que está sendo procurado. Mesmo que não tenha querido sumir de maneira intencional, se não veio até agora a público esclarecer os boatos é porque também não lhe interessa encerrar as buscas por notícias suas. Vai ver que Belchior apenas decidiu brincar de Wally, aquele andarilho de blusa listrada e gorrinho que adorava se esconder pelos quatro cantos do mundo, lembram? Assim sendo, ganha o jogo quem estiver atento as pistas; a começar pelo carro abandonado, há quase um ano, no estacionamento do Aeroporto de Congonhas: pô, o maior sucesso do cara se chama “Medo de Avião”!

4 ou 5 chances pra se apaixonar

sex, 21/08/09
por Bruno Medina |

Acontece sempre comigo: banda pouco conhecida e já “hypada”, daquelas que as publicações estrangeiras insistem em nos convencer de que são a oitava nova maravilha da humanidade. Apesar da preguiça e da inevitável desconfiança que o cenário inspira, resolvo ceder ao burburinho, ao apelo dos amigos bem informados e ao entusiasmo que, a esta altura, contamina também boa parte da crítica especializada nacional.

Uma via expressa me leva diretamente à página de Myspace dos caras; layout transadinho, um apanhado de boas críticas chanceladas por veículos respeitados, agenda pipocando de datas em capitais lado B da Europa. Consigo até imaginar a cerveja voando por sobre as cabeças do público espremido e suado, o coro desafinado de branquelos embriagados ricocheteando pelas paredes do pub mais cool da cidade. Tudo exatamente como deveria ser.

No box do canto superior direito da minha tela, a hora da verdade. Reconheço que há algo de injusto, quiçá perverso, no protocolo que se estabeleceu nesses últimos anos. Atualmente são poucas as chances que qualquer banda tem para me convencer de que vale à pena conhecê-la melhor. Restringem-se às quatro ou cinco músicas que o site permite disponibilizar, e que, na prática, serão consideradas, por mim e por quase todos os demais, como amostras do que de melhor aquele grupo sabe fazer.

É impossível não se sentir um crápula ao admitir isso, mas, sejamos honestos, não é assim que acontece? Afogados pelo excesso de novidades, de “promessas” que não se cumprem, elegemos o número sugerido como sendo critério suficiente para, ao menos, separar o joio do trigo. Pois bem, seguindo a lógica, boto para tocar logo a faixa mais acessada, a mais famosa, afim de entender o por quê de eu ter ido parar ali.

A prática me ensinou que preciso gostar de pelo menos três músicas de um artista para querer comprar seu disco e, se a matemática não falha, em tempos de Myspace a probabilidade disso acontecer parece bem reduzida. Na era pré-stream, vocês lembram, fazia parte do jogo arriscar. Ir à loja empolgado pelo que se ouviu no rádio ou comprar CDs no escuro mesmo, bastando como motivação que a capa fosse interessante.

No som de casa, a expectativa se dava em torno de chegar ao fim da audição sem constatar ter levado gato por lebre. Como a negociação nem sempre podia ser desfeita, era comum tentar se convencer da possibilidade de, com o passar do tempo, afeiçoar-se ao repertório que numa primeira ouvida havia batido meio estranho. De tanto insistir, a iniciativa até surtia efeito e, não raro, determinava o início de uma promissora relação. Mas isso acabou.

Hoje em dia a oferta é inversamente proporcional a paciência para garimpar, portanto, quando gosto de cara de uma banda que ainda não conheço, torço muito para conseguir transpor a tal barreira das três músicas e me apaixonar. Levar o CD pro carro e ouvi-lo em looping por semanas, sem enjoar, e ser o mala que vai perturbar os amigos descrentes. Enfim, se entregar aquela ótima sensação de descobrir uma boa banda.

O mais comum, no entanto, é enxergar-se no papel do carrasco, sentado em frente ao computador, à espreita de um deslize para degolar a vítima. O sujeito que, de tanto pular de galho em galho, de tanto escolher, acaba não conhecendo nada de fato.

Macaco não paga mico

ter, 18/08/09
por Bruno Medina |

Calma, eu explico. A frase acima pode não ser mesmo o suprassumo do bom gosto, mas veio parar aqui, no topo deste texto, porque não houve jeito de tirá-la da cabeça. Para os que estranham a opção pela rudimentar metáfora e pensam, “poxa, Bruno, existem provérbios de temática animal bem mais sutis e elaborados do que este”, adianto: tudo fará sentido em breve.

A indesejável imagem que me acompanha desde hoje cedo, de um símio peludo e truculento envolvido em alguma situação embaraçosa, me foi incisivamente sugerida pelo cartaz avistado dentro de uma loja; o título do post, alias, é homônimo desta companhia teatral que, sem maiores rodízios, promete ensinar aos pretensos alunos mecanismos que demovam de suas personalidades quaisquer traços de inibição.

O rosto do mentor do grupo, de quem, presumo, partem os conhecimentos que originaram a referida técnica, adorna todo o espaço do anúncio, não deixando dúvidas quanto à eficiência do serviço oferecido. Afinal, aquele olhar sincero e penetrante emoldurado pela frase, propositadamente ou não, é prova cabal de que o curso forma “macacos” de peso, imunes, de fato, a qualquer modalidade de mico.

Os jovens atores que porventura se submeterem à metodologia já adquirem de cara a desenvoltura para, quando perguntados, dizerem que estudaram na Macaco Não Paga Mico. Muito além de ser considerado peculiar, o nome da companhia é na verdade uma tipo de mantra que relativiza a possibilidade de constrangimentos futuros.

Corta a cena para mim, esgueirado por sobre o balcão da loja para enxergar as pequenas letras que associam a experiência do professor à participações em quadros de pegadinha e a uma ponta no filme “Meu nome não é Johnny”. Naquele instante me veio a certeza: quero ser como esse cara, preciso muito fazer esse curso!

Pois eu, que evito misturar bermuda quadriculada com blusa listrada, que me preocupo em não ser contraditório, que procuro não falar alto para não acordar os vizinhos, que não faço “psiu” para chamar alguém na rua, acabo de transformar a frase “Macaco não paga mico” no meu atual lema de vida.

Gente, sem brincadeira, esse homem é um profeta dos novos tempos. Superou eventuais conflitos éticos e dedos em riste para admitir, na cara de pau, que a maior virtude de seus alunos é ser… cara de pau. Olhem para o entorno e me digam se atualmente esta não é a qualidade mais apreciada no Brasil.

Talento continua sendo importante, mas o bacana mesmo, o que enche as famílias de orgulho, é ter um filho cara de pau. Nesse mundo de câmeras apontadas para todos os lados, em que se elege a futilidade e a trivialidade do cotidiano como objeto de profundo interesse, os “macacos” são a evolução da espécie, e o mico, seu troféu.

Melhor eu correr com a inscrição, porque algo me diz que esse curso tem tudo pra bombar.

Paz e amor, nos olhos dos outros, é refresco

sex, 14/08/09
por Bruno Medina |

Em 15 de agosto de 1969, há exatos 40 anos, o mundo conhecia Woodstock, sem saber que, após este dia, nunca mais seria o mesmo. O festival, anunciado como uma “celebração aquariana”, representou muito mais do que poderiam sonhar seus idealizadores; em apenas um fim de semana sagrou-se como o mais influente de todos os tempos, bem como a principal vitrine para os movimentos de contracultura que se opunham a caretice e a intolerância política, social e sexual vigentes na época. O resto, é história.

O fato é que o ideal de paz e amor, difundido pelos hippies e contestado desde sempre por sua utópica natureza, nunca esteve tão próximo de se tornar realidade como naqueles 3 dias. O legado deste inigualável evento sobrevive até hoje na imaginação dos aficionados pela boa música, sobretudo entre aqueles que ainda consideram ser possível de alguma forma repeti-lo.

Ledo engano. Em 1999 uma tentativa de reeditar o festival, em virtude de seu aniversário de 30 anos, terminou em quebra-quebra, pancadaria, incêndios e casos de estupro. Prova, indiscutível, de que os tempos já eram outros. Recentemente um projeto semelhante nem saiu do papel, sucumbiu por falta de quem o financiasse. Melhor assim.

Posto isto, a seguir, um top 10 contendo razões pelas quais Woodstock seria impensável atualmente:

1. Um evento em que se padece por falta de banheiros, tendas de alimentação, atendimento médico, local apropriado para camping e por engarrafamentos quilométricos pode ter despertado compaixão em 1969; em 2009, suscitaria reclamações e processos judiciais.

2. Considerar que um festival de rock atrairia público estimado em meio milhão de pessoas sem recorrer à escalação de bandas de apelo radiofônico e artistas cujo carisma supera o talento é utopia maior do que acreditar na viabilidade da paz e do amor.

3. E o que dizer do Motel El Monaco, única hospedaria da região? Sem sala de ginástica, heliporto, wi-fi zone, telão de plasma, jacuzzi, cama king size… duvido que as estrelas de hoje topariam passar sequer uma noite lá.

4. Quatro jovens se conhecem, a partir de um anuncio de jornal, e resolvem tocar um projeto que se torna o maior encontro musical da história. Bonito, mas sem se associar a um grande patrocinador, daqueles que metem uma logo-marca gigante da empresa atrás do palco? Impossível.

5. Isso sem mencionar que reunir num mesmo festival um elenco a altura de Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Who, Crosby Still, Nash & Young, Gratful Dead e Creedence Clearwather Revival seria, no mínimo, bastante improvável.

6. Complicado, também, seria encontrar hoje em dia uma plateia disposta a acreditar que um festival de música pode chegar a transformar o mundo para melhor.

7. Os hambúrgueres eram vendidos por U$ 1, o que nem na época representava muito dinheiro, e ainda teve gente que reclamou de exploração. Mal sabiam eles como isso iria piorar.

8. Apesar de ser idealizado como um evento comercial, quando a organização percebeu que o público atraído superava em muito a estrutura disponível ordenou que as cercas fossem postas abaixo. Todo mundo entrou de graça e tudo certo. Quem duvida que, fosse agora, centenas tomariam cacetada ou parariam no xilindró?

9. Aliás, em 2009, que corpo de bombeiros, defesa civil ou similar liberaria um evento para 500 mil pessoas muito loucas numa fazenda lamacenta no meio do nada? Apesar da necessidade de se declarar calamidade pública na região, uma catástrofe maior foi evitada e apenas 2 pessoas morreram. Isso sim é sorte.

10. Woodstock, tal como foi, não seria possível nem no ano seguinte, quiçá 40 anos depois. O trauma na cidade que abrigou o festival, Bethel, foi tamanho que logo após o encerramento os moradores aprovaram uma lei que impedia qualquer iniciativa semelhante no futuro. Paz e amor, nos olhos dos outros, é refresco!

Tudo que vai…volta

ter, 11/08/09
por Bruno Medina |

Conforme reza a famosa lenda, a vitória dos gregos sobre os troianos não teria sido possível sem a utilização de um engenhoso artifício, que, como todos sabem, passou à história sob a alcunha de Cavalo de Tróia. Estratégias militares à parte, esta pode e deve ser considerada a manifestação do primeiro grande espírito de porco de que se tem notícia. Afinal, como se referir ao sujeito que teve a brilhante ideia de presentear o inimigo com um imponente cavalo de madeira repleto de soldados?

Cerca de 3 mil anos após o suposto acontecimento especialistas ainda divergem sobre a veracidade do fato, muito embora o mito tenha se mantido vivo ao longo dos séculos através da expressão “presente de grego”. E a cada novo ano a tradição (ou seria maldição?) se renova toda vez que se faz necessário puxar lá do fundo aquele mecânico sorriso amarelo e soltar, meio sem jeito, um “obrigado, adorei!”.

A situação descrita, que, tenho certeza, soa bastante familiar a maioria dos leitores, pode ser resultado da absoluta falta de conhecimento da pessoa presenteada, ou apenas a constatação da latente divergência de gostos entre os envolvidos. Nestes casos o bom senso recomenda sublimar, até porque ninguém está livre de cometer deslize semelhante, certo?

O que pouca gente sabe, no entanto, é que o “presente de grego” que recebem pode ser o cume de uma inescrupulosa pirâmide, a continuação de um enredo protagonizado por outros atores, iniciado em tempo indeterminado. Ao abrirem as embalagens os inocentes nem podem imaginar serem a segunda ou a terceira geração de presenteados com aquele mesmo objeto, vítimas da ação indiscriminada dos regifters.

O termo – aqui empregado em inglês pela falta de equivalente em nossa língua – refere-se a quem tem o costume de reciclar presentes que recebeu e não gostou. A catalogação da espécie remonta ao memorável sitcom norte-americano Seinfeld, que em sua sexta temporada teve um episódio inteiro dedicado ao tema. Seja por economia, comodidade ou maluquice mesmo, conscientemente ou não, estes indivíduos ferem, ao mesmo tempo, a ética e a aura de generosidade, carinho e consideração que envolve o ato de presentear. Imperdoável.

Por experiência própria aprendi a identificar o bote; desconfie sempre que receber caixas mal embrulhadas, itens sem etiqueta para troca, produtos perecíveis com data de vencimento próxima, roupas e sapatos de tamanhos acintosamente errados, presentes caros, porém totalmente inadequados (portarretrato para uma criança, por exemplo) ou se ouvir a suspeitíssima frase “não servindo me devolve que eu troco pra você”.

Há na minha família, acreditem ou não, o caso de uma regifter distraída que, certa vez, conseguiu a façanha de repassar um presente para a própria pessoa que havia lhe dado! Afim de evitar gafes como esta, já existem sites destinados a orientar iniciantes que almejam “representear” sem deixar vestígios. Nos Estados Unidos, alias, o regifting é tão corriqueiro que possui até data oficial no calendário. Segundo pesquisas realizadas por lá, 40% dos presentes recebidos nas comemorações realizadas em escritório são passados adiante. Por aqui não deve ser muito diferente.

Em tempos em que praticamente tudo – de pneus a namoros – se recicla, o hábito parece estar longe de terminar (…) Tá bom, vai. Confesso que já repassei uns presentinhos sim, e atire a primeira pedra quem nunca o fez também. Prefiro me abster dos pormenores, pois o que importa é que não fui pego, eu acho. No mais, como ouviu-se em Tróia naqueles idos, ainda vale a máxima: a cavalo dado não se olha os dentes.

O CD vai ficar mais barato: e daí?

sex, 07/08/09
por Bruno Medina |

Chega com certo atraso, para dizer o mínimo, a aprovação esta semana da proposta de emenda constitucional que reivindica a redução de taxas incidentes sobre a fabricação e comercialização de CDs, DVDs e afins. A notícia é positiva, tanto para quem produz quanto para quem consome música no Brasil, muito embora pairem dúvidas a respeito de sua verdadeira eficácia.

Se o engajamento de representantes da classe artística, que se deram ao trabalho de comparecer à votação em Brasília na última quarta-feira, deve ser interpretado como esforço para estancar a sangria desatada que assola o mercado fonográfico, me parece que a providência soa como oferecer uma aspirina a alguém que foi ferido à bala.

Eu explico: segundo cálculo de especialistas, na prática, entre isenções e insumos aplicados aos impostos vigentes, o preço final dos produtos poderia cair entre 5% e 10% apenas. A vantagem mais expressiva estaria, portanto, reservada às gravadoras, que teriam um desconto considerável em seus encargos, se aplicado à escala de milhões de unidades.

A “economia”, ao menos em tese, seria investida em maiores tiragens, capazes de diminuir os custos de fabricação, bem como no aumento da receita destinada à contratação e à divulgação de novos talentos. Há, no entanto, alguns incrédulos escolados que cogitam a possibilidade de, num futuro próximo, surgirem justificativas para que o benefício não seja repassado ao consumidor, nem aos artistas, e isto não seria nenhuma novidade.

Frente a este cenário, não vejo tantas razões para comemorar, exceto, talvez, pelo fato de que a emenda, se aprovada, poderá incentivar a disseminação dos pequenos selos regionais, aqueles que são os maiores afetados pela carga dos impostos. Os defensores do projeto alegam, e com razão, que a imunidade tributária – atualmente aplicada aos livros – deveria, também, se estender aos formatos musicais, visto que não há porque não considerá-los como pertencentes à uma mesma categoria.

Mais difícil do que conquistar a preterida equiparidade será me convencer de como um disco que hoje é vendido por R$ 33.00, e, depois da lei, por R$ 30.00, resultará num reaquecimento do mercado e, por consequência, em duro golpe na pirataria. Sinceramente não consigo enxergar como os novos parâmetros acirrariam a competição com arquivos baixados de graça na internet ou CDs adquiridos por R$ 5,00 nas banquinhas do camelô.

Claro que qualquer medida nesta direção será sempre bem-vinda, mas o que esse povo parece não querer ou conseguir entender é que pouco resta ainda a ser recuperado. Uma parcela significativa dos consumidores, por motivos ideológicos ou orçamentários, migrou, e não parece estar disposta a voltar atrás, para este outro modelo de troca, que não admite intermediários entre fãs e artistas.

Reconheço, por sentir na pele, que existe aí um grave prejuízo no que se refere a direitos autorais, mas de nada adianta continuar se enganando com paliativos. Mais eficiente do que esta derradeira tentativa de salvar o formato físico de sua morte anunciada (algo que só faria sentido 10 anos atrás) seria empreender tempo e dinheiro no estudo e no desenvolvimento de mecanismos mais transparentes, e portanto mais afeitos à esta época, de remuneração para quem produz e distribui música.

Exemplos criativos não param de surgir: há bandas que têm a gravação de seus discos financiada pela soma de pequenas contribuições dos fãs, ou empresas que subsidiam, em troca de propaganda, o download de faixas. A partir de soluções como estas conclui-se que o “fim do mundo” alardeado pelas gravadoras é tão somente o virar de uma página. Os recursos continuarão existindo, só mudaram de mãos. Das deles para as nossas.

A caixinha

ter, 04/08/09
por Bruno Medina |

Quer seja por distração, ou por desinformação mesmo, só há pouco me dei conta da iminente estreia de G.I.Joe: The Rise of Cobra, filme que dá pinta de ser o blockbuster desta temporada. Para quem não está conseguindo ligar o nome à pessoa, trata-se da versão cinematográfica (um pouco atrasada?) para a antológica série de bonecos que durante a década de 80 tornou-se onipresente nas estantes de brinquedos de quase qualquer garoto da época.

Lembro-me de como os soldadinhos de não mais do que 10 cm marcharam, em questão de semanas, do anonimato absoluto ao posto de item imprescindível, daqueles que, por razões distintas, costumam levar pais e filhos a loucura. A paz dos adultos estava sempre ameaçada pela veiculação de anúncios hiperrealistas que colocavam os personagens para se digladiarem em cenários belíssimos, mas impossíveis de serem reproduzidos fora de um estúdio. Aquele sedutor espetáculo de explosões e lama não raro despertava nos moleques um incontrolável impulso consumista, capaz de infernizar quem estivesse à volta.

Pouco importava se os polegares dos heróis quebrassem logo nas primeiras brincadeiras, ou se os anéis de borracha que ligavam troncos e membros inferiores se rompessem; as possíveis deformidades só faziam enaltecer a bravura dos combatentes, além de servirem como ótimo pretexto para a aquisição de novos modelos. As meninas sonhavam com o salão de beleza e a piscina da Barbie, nós, com o quartel general e o hovercraft do Comandos em Ação.

Uma breve pesquisa me indicou que a bem-sucedida linha de brinquedos foi descontinuada em 1994. De lá pra cá, os G.I.Joe estiveram relegados aos fundos do baú, à seção de relíquias do Mercado Livre ou à memória dos que um dia os conheceram. Da minha vasta coleção, que incluía aviões, tanques, jipes, e um sem fim de bonecos, tudo que restou foi este mergulhador – de mão fraturada e perna colada – que, gosto de pensar, teria lugar garantido na minha caixinha “Amélie Poulain” de recordações.

Este pequenino troféu, no entanto, não é o único souvenir da infância aqui em casa. Dentro da geladeira – sim, eu disse na geladeira –, ocupando um dos compartimentos da porta, encontra-se o pequinês de pelúcia, xodó da minha mulher. Ainda criança, alguém a convenceu de que seria necessário manter o bicho eternamente em baixa temperatura, evitando assim que sua tenra pelagem, mesclada em tons de preto, marrom e bege, se desprendesse toda de uma vez. Duvido que haja qualquer relação entre calor e queda de pêlos, mas a essa altura ninguém ousaria tirá-lo da companhia de ovos e iogurtes.

Acabo de assistir ao trailer do filme dos G.I.Joe e não me parece provável que a produção arrebate espectadores da minha geração. Assim como já ocorreu com os Transformers e ocorrerá com os Thundercats, existe um enorme hiato entre os desenhos animados, protagonizados por estes personagens mais de 20 anos atrás, e a tentativa de adequar suas histórias aos tempos de hoje. Nos três casos citados a iniciativa, ao invés de saudosista, soa apenas como tentativa de obter lucro certo através de uma ideia previamente testada. Ou, no mínimo, a derradeira oportunidade para vender lancheiras, brinquedos e jogos eletrônicos.

Sendo assim, quando quiser me lembrar da infância, prefiro abrir a gaveta da escrivaninha e olhar para o Homem-Rã de perna colada. Ou então recapitular, um a um, os itens da minha caixinha imaginária de souvenires. Será que você também tem uma?

Souvenires da infância de Bruno Medina:

Boneco do Homem-Rã

Figurinha do álbum Chapinha e Chapão

Mini-engradado de Guaraná Taí

Jogador de botão roxo de madrepérola

Ingresso do Holiday on Ice no Maracanazinho

Super-Trunfo Automóveis de Luxo

Chocolate Lolo

Chaveiro-revólver de espoleta

Pirocóptero

Cópia do filme História sem Fim

Almanacão da Turma da Mônica

Partitura de Carruagens de Fogo

Bloquinho de batalha naval



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