Dia da caça
Não estou certo se já mencionei isso aqui, mas eu moro em uma casa. Casa mesmo, com telhado, área externa e janelas voltadas para a calçada da rua. Na zona sul do Rio, nem precisaria dizer, são muito poucos os que se aventuram a viver fora do perímetro de presumível segurança determinado pelas grades dos prédios. Tanto que até já me acostumei aos olhares de incredulidade e reprovação, disparados sempre que o assunto moradia vem à tona.
Mesmo quem, como eu, passou boa parte da vida habitando apartamentos sabe que as maiores ameaças aos moradores de casas localizadas em centros urbanos são gatunos e ratos. Nestes cinco anos em que resido aqui, desafiando as estatísticas, posso me gabar de nunca ter tido problemas com nenhum dos dois; pelo menos era assim até o início dessa semana, mais precisamente até encontrarmos um cocozinho em cima do tampo da máquina de lavar.
Pronto, lá se foi meu sossego. No dia seguinte o invasor deixou sua “marca” no quarto do bebê e, depois, dentro do box do banheiro. Pesquisas preliminares realizadas na internet indicam que dificilmente um rato se deixa ver à luz do dia e que apanhá-lo num momento de descuido é, portanto, tarefa árdua. Ratoeiras e venenos foram descartados de cara como possíveis soluções, afinal este é também o lar de um bebê e de um cachorro bobo.
Acho que o pior aspecto de ter um roedor frequentando sua casa não é o receio de cruzar com ele de madrugada, a caminho da geladeira, ou de ser contaminado pelas terríveis doenças que podem ser transmitidas. Assim como prega a cartilha dos mais temíveis terroristas, tudo indica que o objetivo principal deste rato não é causar prejuízos diretos, e sim instaurar junto as suas vítimas um clima de constante apreensão. Para tal, ao invés de detonar uma bomba, tudo que ele precisou fazer foi defecar em diversos pontos da casa.
Agora varo as noites em estado de alerta, tentando discernir entre os ruídos da vizinhança e seus passos, numa possível investida ao andar de cima. Por vezes me pego arquitetando planos mirabolantes que culminem em sua captura, ou mesmo abrindo portas, vasculhando fundos de armário e arrastando móveis de supetão, na expectativa de surpreendê-lo.
Para um visitante desavisado não seria improvável testemunhar alguém aqui em casa andando feito louco, com o olhar fixo para o chão, em busca de nova pista que auxilie a desvendar a rotina do bicho. Cocozinhos de rato representam para nós o que são para a CIA bilhetes deixados por serial killers. Esta tem sido, até o momento, a maneira pela qual ele interage conosco e nos desafia.
A título de ilustrar o pesadelo em que a ameaça invisível pode se transformar, um pouco antes de sentar para escrever este post chutei um saco de lixo, dei dois passos para trás e… nada. Estava certo de tê-lo encurralado. Minha mulher – talvez inspirada pela exposição excessiva na infância aos desenhos de Tom & Jerry – decidiu colocar um pedacinho de queijo no chão da cozinha. “Para que?”, perguntei.
A menos que ela esteja preparada para, num golpe mortal, sentar a vassoura na cabeça do aprendiz de terrorista, montar guarda não surtirá qualquer efeito. Suponhamos que ela consiga atingi-lo, quem iria querer retirar a carcaça de um rato morto? Afim de evitar a indesejável experiência, continuo a favor de resolver o impasse na diplomacia: bastaria pegar emprestado por uns dias o gato de alguém para que o rato entendesse que sua presença por essas bandas não é bem-vinda. Sem derramamento de sangue, sem traumas para a posterioridade.
Mas o plano corre risco de ir pelos ares quando o imagino como Jerry, sentado na poltroninha de sua toca ornada por armários feitos de caixinhas de fósforo, zombando da minha inabilidade em expulsá-lo. Pois que ele nunca duvide, se um dia é da caça…