O mundo gira como um rolo de cassete

ter, 30/06/09
por Bruno Medina |

Mesmo nestes dias em que ainda reverbera a primeira onda de efeitos ligados à notícia da morte de Michael Jackson, já é possível perceber o surgimento de dois grandes grupos – bastante distintos e quase antagônicos. O primeiro é formado por indivíduos que testemunharam o astro ainda negro, atuando no que são considerados seus melhores anos. Uma gente que quase derrubou o Google em busca de informações sobre o ídolo, responsáveis por catapultar seus discos às primeiras posições em todos os rankings dos mais vendidos, e que não se cansam de prestar homenagens ao finado rei do pop.

Já o segundo reúne os que só o conheceram branquelo, atravessando uma fase musical menos inspirada e afogado em escândalos. Estes, que passaram o fim de semana alheios à comoção generalizada, que riram ao saber do moonwalk coletivo nas ruas de Londres, e que não conseguem, nem querem entender a razão de tanta tristeza e rebuliço. Salvo exceções pontuais, a percepção da relevância e - por que não dizer – da influência que Michael exerce em boa parte dos performers de sucesso do cenário atual está bastante vinculada a uma questão etária.

A conclusão me levou a refletir sobre as prováveis discrepâncias inerentes às biografias das grandes personalidades, bem como aos registros históricos que eventualmente estiveram propensos a ser contaminados pelas paixões de seus relatores. Posto isto, só me resta torcer para que uma segunda onda de efeitos, ainda mais densa e reveladora, não varra de vez o pouco que ainda há para ser preservado sobre a vida e a obra do cantor.

E não é que uns desnaturados descobriram o segredo por trás daquele fabuloso passo do clipe de Smooth Criminal? Michael envergava o corpo num ângulo de 45 graus por conta de um sapato maior do que seu pé, que encaixava em pinos escondidos no piso. Sim, e daí?! Saudosos da magia que transbordava de números de dança antológicos como este, e do próprio conceito de entretenimento evidenciado pelo intérprete ao longo de sua carreira, os mais entusiasmados chegam a afirmar que sua morte sepulta também a era dos grandes artistas do vinil.

Concorde você ou não, acontecimentos como o que acabamos de presenciar tendem, invariavelmente, a se tornar marcos, em especial se considerarmos que a geração mais impactada por Jacko é justo a que se encontra em vias de assumir “o poder”, ou seja, com a mão na massa e a boca no trombone. Não me arriscaria a relacionar o trágico evento com qualquer tipo de transição, mas a verdade é que não se pode mesmo falar em vinil sem a impressão de evocar o período jurássico.

Some-se a isto o experimento realizado com um menino de 13 anos do qual, estupefato, tomei conhecimento ontem: tomaram-lhe das mãos o ipod e puseram no lugar um walkman de fita-cassete, daqueles gigantes, da primeira leva. Resultado? O menino demorou exatos TRÊS dias para constatar que a fita possuía dois lados, e perguntou se o botão normal-metal (utilizado para melhorar a performance do aparelho, a depender do tipo de fita) estaria relacionado a uma classificação de estilo do que estava ouvindo.

Aborrecido pela ausência do recurso random, não acreditou que existiu um tempo em que as músicas eram ouvidas sempre numa mesma sequência. Para aliviar o tédio, apertava a tecla rewind aleatoriamente. O mais intrigante, no entanto, ainda está por vir: uma corrente de pensamento, que vem ganhando adeptos “world wide”, diriam, defende a ideia de que eu – fã de Michael Jackson, amante dos vinis, que me alcei à carreira musical a partir de uma demo gravada em cassete – e este menino pertencemos a uma mesma geração.

O movimento se autointitula Generation-We ou The Millenials, e coloca no mesmo saco todos os que nasceram entre 1978 e 2000. De acordo com o manifesto, as características que nos unem são a noção de um mundo globalizado, a diversificidade étnica, a melhor adaptação à tecnologia, a consciência da degradação ambiental e a certeza de que herdamos de nossos antecessores um planeta em declínio.

Pode até fazer sentido, mas algo me faz pensar que, representada por integrantes com a perspicácia do garotão do walkman, nossa geração estará fadada a extinguir a humanidade.

Black and White

sex, 26/06/09
por Bruno Medina |

Se daqui a 20 ou 30 anos eu quiser me lembrar de Michael Jackson, tenho certeza de que meu mecanismo interno de busca aos arquivos do ídolo será iniciado pela palavra “sapatilhas”. É bem provável que esta associação não faça qualquer sentido para a imensa maioria das pessoas, mas, ao menos para mim, o cantor sempre estará relacionado a um tipo ordinário de calçado, daqueles que machucam o calcanhar e descolam o solado, ainda que novos.

Sinceramente não consigo ter certeza de que as tais sapatilhas eram réplicas das que foram vistas nos pés de Michael; talvez o simples fato de seu nome ter sido vinculado ao produto – quem sabe por um visionário importador de produtos chineses – já bastou para que a mercadoria vendesse feito água nas bancas de camelô do Rio, naqueles primeiros anos da década de 80.

Após muita insistência ganhei as minhas, e ainda no corredor do prédio, antes mesmo de entrar em casa, percebi que ter os sapatos apropriados não me assegurava nem a terça parte do que seria necessário para fazer o moonwalker. Não descartaria, inclusive, que as bolhas em meu calcanhar tivessem menos a ver com a qualidade das sapatilhas e mais com a perseverança em reproduzir aquela hipnótica forma de dançar.

A historinha serve para ilustrar este período, em que Michael tornou-se para minha geração o que Elvis e os Beatles foram para as anteriores. Entre o lançamento de Off the Wall (1979) , passando por Thriller (1982), até chegar em Bad (1987), não houve quem ameaçasse seu reinado absoluto na esfera da música pop. A bem sucedida parceria com o produtor Quincy Jones rendeu-lhe, entre outros louros, que o segundo disco desta impressionante série se consagrasse como o mais vendido da história da música, algo em torno de 100 milhões de cópias.

Mas os números apenas não seriam suficientes para expressar a hegemonia alcançada por Michael na primeira metade de sua carreira. Basta dizer que depois dele e de Madonna dificilmente alguém conseguirá atingir outra vez este patamar de sucesso, reservado aos seleto clube dos que ascenderam do posto de ídolos ao de mitos.

A estética de seus videoclipes não só instituiu o modelo vigente nas décadas seguintes como também ajudou a avalizar a existência da MTV. Aqui no Brasil, famílias inteiras se reuniam em frente à TV para assistir suas mirabolantes estreias no Fantástico, sempre recheadas de ousadas coreografias e intrigantes efeitos visuais, que culminavam em discussões extensíveis pelos recreios de toda semana.

Nem tinha 30 anos de idade, Michael já experimentava o status de um semideus, ao passo em que evidenciava-se a dependência que a indústria fonográfica desenvolvia em relação a ele. Tanta confiança depositada em seu carisma deve tê-lo distraído de fazer as escolhas certas, porque, daí em diante, seu império só fez declinar, como um castelo de cartas.

A extravagância do peculiar estilo de vida, aliado às manias e à obsessão pela autoimagem aprisionaram-no num personagem, um arremedo simbolizado pelos bizarros contornos que seu rosto assumia. Por trás desta máscara, Michael assistia à degradação de sua música, enquanto tentava resistir a sucessivos escândalos sexuais, bem como aos intermináveis e humilhantes processos de investigação criminal que resultaram em sua completa exposição. Ao logo da década de 90, os fãs do rei do pop precisaram, sobretudo, amá-lo, apesar dele próprio.

Frente a este cenário, Michael demonstrou ter consciência de que precisava desesperadamente desvincular-se da fama de malfeitor de criancinhas para reassumir a alcunha de “Elvis Negro”, que um dia lhe fora atribuída. Não por coincidência casou-se com Lisa Presley, filha do homem, muito embora a união dos dois só tenha servido para reforçar a aura de pouca transparência que sua vida pessoal exalava. Se foi armação para concedê-lo alguma credibilidade, não funcionou. Era tarde demais.

As apresentações que faria na Inglaterra no próximo mês selariam o fim deste nefasto ciclo de quase 20 anos, em que esteve mais presente no noticiário policial do que nas revistas de fofoca. Seria a ressurreição daquele fenomenal Michael Jackson, agora pai de 3 filhos, responsável e preocupado com as finanças, disposto a reaver seu contato com a música e uma parcela do prestígio que um dia teve.

Ontem, no entanto, o destino impediu-o de escrever este capítulo em sua biografia. Nos 40 anos dedicados ao showbusiness conheceu, como ninguém jamais conhecera, tanto a fama quanto seu revés. As circunstâncias de sua morte ainda não foram totalmente esclarecidas, mas há indícios de que o infarto tenha sido consequência do abuso de medicamentos. Assim sendo, Michael reservaria sua vaga no hall de celebridades que morreram de maneira trágica.

A surpreendente notícia – se é que, em seu caso, isto ainda é possível – deixa no ar uma pergunta para as futuras gerações: Michael Jackson será lembrado como o gênio que revolucionou a indústria do entretenimento na segunda metade do século XX, ou como um sujeito desequilibrado, autodestrutivo e atormentado pelas mazelas de sua infância?

Louco ou excêntrico? Culpado ou inocente? Bom ou mau? Afinal, quem foi Michael Jackson? A resposta pode estar na letra de um de seus maiores sucessos: “it don’t matter if you’re black or white”.

Como fazem as pessoas de bem

ter, 23/06/09
por Bruno Medina |

As próximas linhas servirão ao intuito de registrar para a posteridade um breve momento de fúria. Um desses que nos escapam o tempo todo, a ponto de quase esquecermos deles ao fim do dia, programados que somos para acreditar que o convívio civilizado resulta apenas da tolerância. Ontem, o meu programa falhou.

Seguia para o centro da cidade de ônibus (eu acredito em transporte coletivo), como fazem as pessoas de bem nas primeiras horas da manhã. O trajeto de pouco mais de quinze minutos me deu tempo suficiente para pensar sobre o motivo da viagem; não é incoerente que ainda hoje se faça necessário obter um carimbo em cartório sobre determinada assinatura, a título de provar que a pessoa é ela própria?

Numa época em que o scaneamento de retinas controla a entrada em prédios comerciais, e em que leitores de impressões digitais liberam catracas de academias de ginástica, não seria plausível haver algo menos dispendioso para comprovar a legitimidade de um documento? O método de comparação visual, que além de trabalhoso dá margem a equívocos, remonta ao apogeu das caravelas! Algo similar ocorre ao papel higiênico, no entanto prefiro preservá-los dos pormenores.

Pois bem, antes de despachar a papelada pelo correio era preciso xerocar vinte folhas, dispostas em ordem cronológica, mas não numeradas. Do outro lado do balcão o funcionário conversava animado ao telefone, dando a entender que minha permanência, plantado como um dois de paus em sua frente, aparentemente não representava qualquer motivo para que interrompesse a ligação.

Quando fartou-se de falar resolveu me atender. É provável que o assunto em questão – algo sobre a Leninha – tenha o distraído de perceber que a máquina precisava ser abastecida de papel. O lapso interrompeu o serviço pelo meio, num ponto em que nem eu, nem ele poderíamos precisar sem que fossem contadas e reordenadas, uma a uma, as vinte folhas. A confusão era tamanha que cópias e originais me foram devolvidos embaralhados, de forma que até agora não sei se enviei pelo correio os papéis que deveria.

Findada a missão e de volta ao ponto de ônibus, desta vez indo no sentido contrário ao das pessoas de bem, um caminhão de bebidas descarregava cascos de vidro na porta de um botequim. O veículo encontrava-se estacionado mais ou menos onde nós, os passageiros, deveríamos esperar pela condução. Como se isto não fosse suficiente, os motoristas de dois ônibus consecutivos julgaram que o fato do caminhão estar onde não deveria lhes assegurava a possibilidade de ignorar aquele parada e, com sorte, chegar um pouco mais cedo em casa.

Transtornado pela enorme demonstração de desrespeito, atravessei a rua e fui comprar uma panela de pressão. Não, isto não é uma simpatia, tampouco uma técnica de controle da raiva. A substituição da panela de alumínio aqui de casa por uma de aço inox já era uma providência que pendia em minha lista de afazeres. Na verdade o artefato tornou-se o grande vilão da cozinha, desde que minha mulher foi convencida de que o “vil metal” pode transferir-se para os alimentos e, ao longo dos anos, causar danos à saúde. Pelo sim, pelo não, considerei que procurar pela tal panela, naquele instante, seria uma ótima desculpa para não continuar mofando no ponto de ônibus.

Agora estou numa enorme loja de departamentos, mais precisamente aguardando, com a mercadoria nas mãos, na fila que se forma antes da área dos caixas. Apenas dois operam, e lentos que só. Quando por fim chega minha vez, sou avisado de que devo procurar o serviço de atendimento ao consumidor, para retirar o piloto (aquele que apita e solta fumaça) da panela. Mas qual seria a razão das duas peças não estarem na mesma embalagem? –– perguntei. “ É que se deixar na caixa o povo leva”. Santa inocência a minha…

No SAC, assim como na xérox, a funcionária falava ao telefone. Também como na xérox, minha presença não causava qualquer constrangimento, visto que, pelo que pude perceber, a conversa se dava entre colegas da mesma loja, muito embora o assunto não pudesse exatamente ser considerado de cunho profissional. Como forma de protesto, pensei em sentar sobre a caixa da panela e cruzar os braços, para, no momento seguinte, concluir que a atitude poderia ser interpretada como uma demonstração de que não havia nenhuma razão para se ter pressa.

Munido do piloto, optei por voltar para casa de metrô, evitando assim a repetição do traumático episódio vivenciado pouco antes. O metrô do Rio é acanhado, mas funciona bem. Há alguns anos a pequena extensão da malha de subterrâneos, insuficiente para atender à dimensão da cidade, originou um serviço complementar, chamado Integração. De cada uma das estações é possível partir para novas localidades sem pagar outra passagem, bastando ao usuário escolher a linha que melhor lhe atenda.

Ontem não consultei o horóscopo, mas não me causaria espanto caso houvesse uma recomendação específica para que os nascidos sob meu signo evitassem o transporte público naquele dia. O motorista do microônibus (adivinhem) conversava aos berros no telefone, indiferente aos idosos e estudantes da rede pública que se amontoavam por conta de um problema no leitor de seus cartões de gratuidade. Talvez fizesse mais sentido – e causasse menos aborrecimento – instituir logo as manhãs de segunda-feira como ponto facultativo, destinadas a colocar em dia as fofocas do final de semana.

Só depois de uns dois ou três gritos o sujeito, contrariado, resolveu nos colocar em movimento. A repreensão dos passageiros pela demora na partida resultou numa condução semelhante a que se faria numa pista de kart. O pesado veículo trotava feito mula brava, e a simples tentativa de se manter de pé em seu interior era desafio digno dos melhores peões. Lembrei-me então daquele filme do Michael Douglas, em que o cara simplesmente explode e sai barbarizando pela cidade. E foi nesta altura que experimentei um breve momento de fúria, rapidamente contornado.

A despeito da óbvia alusão a ser feita entre a panela e eu, cheguei ao destino final com a impressão de que uma década de ingestão de alumínio causaria menos prejuízo à saúde do que manhãs como esta.

Para Chico

sex, 19/06/09
por Bruno Medina |

No dia em que Chico Buarque completa 65 anos decidi prestar uma singela homenagem; mas não através de palavras, como seria apropriado e natural para quem tornou-se referência justo por saber usá-las tão bem. Pareceu-me mais autêntico sair por aí com uma câmera e fazer registros que contemplem o vasto universo de sua obra. Cada uma destas seis fotos pode ser relacionada a uma canção, composta ou interpretada por Chico. Será que vocês conseguem adivinhar o nome de cada uma delas? O resultado está no comentário de número 38.

(sub)versões

ter, 16/06/09
por Bruno Medina |

Tá bom, vou confessar: não sou muito afeito a versões. Partindo da premissa de que apenas as músicas realmente significativas deveriam ser dignas de tal honraria, que sentido existe, afinal, em recriar o que já foi tão bem feito? Por que razão profanar a delicada e intrínseca relação de uma obra com o intérprete que a consagrou se não para subverter por completo o sentido original?

Tenho a impressão de que, caso fosse lançado à popular categoria um olhar criterioso, nem uma a cada dez versões se salvaria. Seja para compilar sucessos de outrora em novos discos, alavancar carreiras nada promissoras ou até mesmo prestar justa homenagem, a verdade é que poucas são as vezes em que me deparo com uma releitura que considero de fato imprescindível.

Será que estou exagerando?

Receio que não. Nunca na história da música foram feitas tantas e tão ruins versões como agora! Em tempos em que nada se cria, tudo se copia, torna-se cada vez mais comum deparar-se com quem vislumbre atrair atenção através de fórmulas de comprovado êxito. O artifício tão utilizado – e aparentemente inofensivo – por vezes resulta em indesejado efeito colateral. Por mais que as tais versões, em sua maioria, não passem de arremedos, há de se considerar que uma montanha delas pode sim chegar a ofuscar o brilho das gravações oficiais.

Ou pior: num futuro não muito distante é provável que gerações vindouras se confundam ao tomar a parte pelo todo, ou seja, ao considerar as reproduções como registros definitivos. Claro que há quem prefira isto ao risco de que grandes canções de décadas passadas sucumbam ao esquecimento.

Este foi o caso de Marcos Valle; o cantor e compositor, de contribuições fundamentais para a segunda fase da bossa nova, amargou certo ostracismo em meados dos anos 80. O hiato se estendeu por quase dez anos, mais precisamente até que alguns DJs britânicos resolvessem adicionar beats eletrônicos a algumas de suas composições e tocá-las nas pistas de dança. O resultado da inusitada parceria rendeu a Valle a oportunidade de se reaproximar do público jovem, e serviu como trampolim para uma nova e bem sucedida etapa em sua trajetória profissional.

Exemplos como este, em que a versão propicia abordagem que acrescenta ao original, infelizmente contam-se nos dedos. Longe de mim ser purista, mas gosto de pensar que qualquer música sempre conecta-se com sua época de maneira muito singular e, por consequência, difícil de ser reproduzida ou explicitada em outro contexto.

O prazer de apreciá-las, para determinados ouvintes, consiste, portanto, na capacidade de se transportar para o momento em que foram criadas, e é justo isto que falta as releituras; este frescor, esta sensação de novidade e de ineditismo que vem junto com as notas nas gravações célebres. Ciente da raridade desta sintonia, o artista que se propõe a fazer uma versão só deve seguir adiante se encontrar na música em questão o que ainda mereça ser ressaltado.

Pelo menos esta foi a conduta que norteou todas as versões gravadas ou tocadas pelo Los Hermanos. Antes que me apontem o teto de vidro, prefiro eu mesmo citá-lo: minhas preferidas são Hollywood (Saltimbancos) , Esquadros (Adriana Calcanhotto), À palo seco (Belchior) e Desce (Arnaldo Antunes). Das nossas, gravadas por outros, Veja bem meu bem (Maria Rita), Deixa o verão (Mariana Aydar) e Casa pré-fabricada (Roberta Sá).

E, como não poderia deixar de ser, para terminar, uma lista de 25 versões que não podem deixar de ser ouvidas:

Iron Man (Black Sabbath) – The Cardigans

Satisfaction (Rolling Stones) – Devo

You’re driving me crazy (Guy Lombardo & His Royal Canadians) – Chet Baker

Sampa (Caetano Veloso) – João Gilberto

The man who sold the world (David Bowie) – Nirvana

Fever (Little Willie John) – Madonna

Mora na filosofia (Monsueto Menezes, gravada por Helena de Lima) – Caetano Veloso

Encontros e despedidas (Milton Nascimento) – Maria Rita

Easy (The Commodores) – Faith no More

Acender as velas (Zé Kéti, gravada por Nara Leão) – por ela mesma, em francês

Balada do Louco (Mutantes) – Ney Matogrosso

London, London (Caetano Veloso) – R.P.M

Vassourinha (Severino Araújo e Sua Orquestra Tabajaras) – Novos Baianos

She is my Shoo Shoo (Mutantes) – por eles mesmos

Smoke on the water (Deep Purple) – Señor Coconut

Carinhoso (Pixinguinha, gravada por Orlando Silva) – Maria Bethânia

Waters of march (Tom Jobim e Elis Regina) – David Byrne e Marisa Monte

Superstar (The Carpenters) – Sonic Youth

A flor e o espinho (Nelson Cavaquinho, gravada por Raul Moreno) – Elizeth Cardoso

I will survive (Gloria Gaynor) – Cake

Ciranda da Bailarina (Chico Buarque) – Adriana Partimpim

No rancho fundo (Lamartine Babo e Ary Barroso, gravada por Elisa Coelho) – Chitãozinho e Xororó

With a little help from my friends (The Beatles) – Joe Cocker

Live and let die (Paul Mc Cartney & Wings) – Guns n’ Roses

Maracatu Atômico (Jorge Mautner e Nelson Jacobina, gravada por Gilberto Gil) – Chico Science & Nação Zumbi

Que mais?

Amores Urgentes

ter, 09/06/09
por Bruno Medina |

Amanda e Rogério são namorados que nunca se encontraram pessoalmente. Ela, nascida e criada em Dourados, Mato Grosso do Sul, ele, capixaba de origem, mas transferido para São Luís a mando da empresa em que trabalha. Há 3 meses os dois se conheceram numa comunidade virtual dedicada ao filme Crepúsculo. Costumavam se digladiar quanto à adaptação cinematográfica da série – ela a favor, ele contra – quando, numa quinta-feira de março, perceberam que tinham mais em comum do que o gosto pela saga de Bella Swan.

Daí em diante as mensagens, trocadas com cada vez maior assiduidade, quase nunca diziam respeito ao sombrio universo dos vampiros, e sim sobre todo o resto que queriam saber um do outro. Apesar da curiosidade, resistiram o quanto puderam à trocar fotos, talvez por considerarem que isto implicaria em risco para a recém-iniciada relação. Durante as duas primeiras semanas contentaram-se em associar as informações que obtinham aos diminutos retratos que constavam do perfil de cada um, conscientes de que, assim, evitariam pular etapas.

As conversas, à altura diárias, passaram então a ser por telefone. Toda noite, precisamente no mesmo horário, Rogério utilizava um software que permite ligações via internet para burlar as enormes despesas que teriam com interurbanos. A deixa era esperar pelo fim da novela, para que os pais de Amanda saíssem da sala e a menina desfrutasse de alguma privacidade. Tão logo os créditos de encerramento subiam pela tela da TV seu coração vinha à boca, na iminência de ouvir o toque do aparelho.

Um dia brincavam que eles próprios pareciam vampiros, por passarem as madrugadas em claro, e a descontração daquele momento, quem sabe o excesso de sono, os encorajou a se conhecerem melhor. Adicionaram-se como amigos no site de relacionamento que os uniu e tiveram acesso simultâneo aos álbuns fotográficos. Naquele sábado, pouco antes do amanhecer, foram dormir namorados.

O mês seguinte passou voando, enquanto afinidades e intimidades afloravam entre os dois. Rogério consultava a agenda, fazia contas, mas era certo que antes das férias não conseguiria visitar Amanda. Chegaram a cogitar que ela fosse ao Maranhão, mas o elevado preço das passagens e a desconfiança do pai frustrariam qualquer iniciativa neste sentido. Secretamente, no entanto, não furtavam-se em tecer planos mais ousados; bastaria ao casal transferências no emprego e na faculdade para que realizassem o sonho de conviver na cidade que escolheram como cenário desta história de amor: São Paulo.

De volta à realidade, foi do rapaz a ideia de amenizar a vontade de estarem juntos através de uma webcam. Escolheu o artefato numa loja virtual e, sem avisar, mandou que entregassem no endereço da amada, como presente deste que seria o primeiro dia dos namorados a comemorarem juntos. Quando a caixa chegou pelo correio, Amanda suou frio e quase não conseguiu conectar o cabo na parte de trás do computador, de tanto que suas mãos tremiam. A instalação foi assistida passo a passo por celular, até que a imagem do dorso da moça debruçado sobre a bancada interrompesse de maneira abrupta a ligação. Estavam, enfim, frente a frente.

Pelas próximas 17 horas mantiveram-se conectados, e nem as eventuais falhas na transmissão do vídeo diminuíram o entusiasmo de descobrirem os detalhes, até então inéditos, de suas fisionomias. Almoçaram e jantaram diante da câmera, até saberem de cor todos os objetos do quarto alheio, todos os sons que vinham da rua e todas as expressões faciais passíveis de serem captadas por aquelas lentes. Rogério apresentou Amanda a um colega que, como fez questão de frisar, havia muito ouvido falar dela. Apesar da recusa inicial, o sogro também apareceu para conhecê-lo. Meio sem jeito, conversaram brevemente sobre futebol.

Aos poucos o ritmo alucinante das conversas iniciais cedeu lugar à contemplação. O que tinham criado ali era, de fato, uma janela escancarada para a vida um do outro. “Esse silêncio, né? É fogo…” , costumava dizer, encabulada, a moça quando o assunto lhes faltava. E a câmera, enviada com boa antecedência por Rogério, devido ao receio de que a encomenda não chegasse a tempo, ironicamente estará desligada neste dia 12. É que o namoro não resistiu aos tais silêncios.

15 minutos em 5.

sex, 05/06/09
por Bruno Medina |

Desde o último sábado, boa parte da imprensa internacional especula, atônita, sobre as possíveis razões que teriam impedido Susan Boyle de levar o prêmio máximo oferecido pelo programa Britain’s Got Talent. Antes de ser atropelada por uma das maiores zebras da história, a barbada era tão acintosa que, até o momento da final ser transmitida, a tradicional agência de apostas londrina Ladbrokes pagava apenas 6 libras para cada 5 que fossem apostadas na caloura.

O que mais chamou atenção neste caso, porém, foi a intrigante constatação de que ser considerada o maior fenômeno de audiência da web de todos os tempos aparentemente não serviu em nada para Susan. Nem mesmo as mais de 100 milhões de visitas recebidas pelo vídeo que a apresentou ao mundo lhe asseguraram a possibilidade de superar o Diversity, um grupo de street dance que nem figurava entre seus maiores opositores.

Só para se ter uma ideia de quão inesperado foi o resultado da votação, na mesma casa de apostas citada, o valor pago a quem acreditou nos jovens dançarinos foi de 16 vezes sobre o investido. Tendo em conta que boa parte de seus fãs não tiveram acesso à votação (disponibilizada apenas através de números telefônicos do Reino Unido), ainda assim é difícil acreditar como, dentro do universo de votantes, Susan não conseguiu obter maioria.

Possíveis explicações para sua derrota vão desde o congestionamento das linhas do programa, devido ao excesso de ligações simultâneas, até a desconfiança de que muitos de seus entusiastas deixaram de registrar seus votos, por desconsiderarem a possibilidade da candidata não vencer, num efeito que remete àquela fábula da corrida entre a lebre e a tartaruga.

Há, no entanto, uma outra teoria bastante plausível que promete botar lenha grossa na fogueira; em matéria publicada ontem pelo jornalão inglês Telegraph, levanta-se a hipótese de que Susan teria sido na verdade atrapalhada por um golpe baixo, uma fraude ocorrida no mesmo Youtube que a consagrou.

Foram detectados diversos vídeos não oficiais – ou seja, postados por usuários e não por produtores da atração televisiva – da apresentação da candidata associados ao número telefônico de outros concorrentes. A adulteração da legenda é relativamente simples e passível de ser realizada por qualquer pessoa com razoável conhecimento em softwares de edição.

A impossibilidade de aferir quantos votos teriam sido desviados por esta indução ao erro deve ser suficiente para evitar que a constatação do golpe se transforme em questionamento dos resultados. O fato é que Susan perdeu a competição – e o prêmio de pouco mais de R$ 300 mil – por uma diferença inferior a 5%. Considerando que a artimanha de seus detratores se deu justamente através do meio que a consagrou, e com o qual também ela é mais associada, não se deve duvidar da influência que a manobra escusa possa ter tido no resultado do concurso.  

Posto isto, confirmam-se as previsões pessimistas do outro texto que escrevi, sobre as prováveis implicações de se alçar à fama alguém tão despreparada para lidar com suas particularidades. Dentre promessas de gravação de um disco e os indícios de uma promissora carreira internacional alavancada pelo êxito no programa, o que há de concreto até então é a decepção avassaladora de Susan, e sua consequente internação numa clínica psiquiátrica, devido ao esgotamento causado pelo excesso de expectativas depositadas em seu desempenho.

Ao que parece, aquela senhorinha brejeira, capaz de cativar tantos corações, como não poderia deixar de ser, iludiu-se pelo interesse que despertou para, no momento seguinte, descobrir o quão volúvel podem ser os amores nestes dias. Confiou na solidez da empatia cativada, a mesma que dava como certa sua vitória, sem considerar, entretanto, que a internet é ainda terra de ninguém. Derrotada pela presunção ou por um truque sujo, o que lhe resta deste episódio é a percepção de que a carruagem virou abóbora cedo demais. E que os 15 minutos de fama, hoje, não devem passar de 5. 

Shit happens

ter, 02/06/09
por Bruno Medina |

Qualquer fã de rock que se preze reconhece o biênio 1970-1971 como um período de inestimáveis perdas para o gênero. A dissolução dos Beatles, aliada as mortes de Janis Joplin, Jimi Hendrix e Jim Morrisson sentenciaram o prematuro encerramento de um ciclo que provou-se como um dos mais relevantes da história da música, reverenciado pela influência que exerceu nas gerações que se seguiram.

Quanto aos “três J” – coincidentemente falecidos no auge e com os mesmos vinte e sete anos de idade – cabe ainda lamentar a abrupta interrupção de carreiras tão promissoras, e imaginar o que poderiam ter realizado caso tivessem vivido um pouco mais. Hendrix em especial, a quem três álbuns registrados em estúdios e algumas poucas apresentações ao vivo bastaram para proclamá-lo referência máxima de seu instrumento.

Dentre os citados coube a ele, talvez, o incidente fatal mais estapafúrdio. Tornou-se célebre a versão que condiciona seu óbito à ingestão de analgésicos, seguida de axfia por vômito. Não deixa de ser trágico pensar que um gênio como ele morreu de maneira banal e passível de ser evitada. Ou será que não? A pulga atrás da orelha veio à tona recentemente, a partir da publicação da biografia de um roadie que trabalhou com o músico. Segundo consta, o homem que tocava guitarras em chamas fora na verdade assassinado por Michael Jeffery, à época seu empresário.  

A versão teria sido confidenciada pelo próprio ao autor do livro durante uma noite de bebedeira, ainda em 1971. O crime supostamente fora impulsionado pela desconfiança que o agente tinha de que Hendrix o dispensaria logo após o término do contrato que haviam assinado. O rompimento da relação profissional culminaria na anulação de uma apólice de seguro no valor de US$ 2 milhões, da qual Jeffery era beneficiário.

O assassino teria se aproveitado do estado avançado de relaxamento do artista para invadir o quarto de hotel em que estava, colocar em sua boca um punhado de pílulas e fazê-las descerem goela abaixo com algumas doses de vinho. O esforço, no entanto, teria sido em vão, afinal apenas dois anos após o ocorrido Jeffery morreria num acidente aéreo.

Frente a acusações tão graves, haveria indícios suficientes para questionar os laudos oficiais? Bom, a existência de algumas lagunas relacionadas à morte de Hendrix de fato dá margem a especulações; não se sabe até hoje, por exemplo, o motivo pelo qual a porta do quarto estava escancarada, ou mesmo quem fez a ligação que acionou a equipe de socorro. Há, no entanto, o relato do médico que atendeu o guitarrista no hospital, atestando que a quantidade de álcool encontrada em seu sangue seria insuficiente para matá-lo.

Se, por um lado, não se pode excluir a possibilidade desta trama maquiavélica ser real, por outro a teoria apenas se soma as inúmeras que tentam desvendar, ou até quem sabe remontar de maneira – digamos – criativa as circunstâncias de morte de importantes nomes da música. Sobre este episódio em específico, o falatório na ocasião foi tamanho que Jim Morrisson chegou a afirmar que não seria de se estranhar se ele também sucumbisse de maneira misteriosa, a mando do governo norte-americano. E não é que ele morreu menos de um ano depois?

Elvis Presley, John Lennon e Kurt Cobain, só para citar os principais, são alguns dos artistas que poderiam ter falecido por razões diferentes das que foram noticiadas. O que parece mais plausível é a impressão de que quanto mais famoso é o sujeito, menores são as chance de sua morte ser atribuída ao acaso. A exceção de Lennon que foi assassinado, não pela CIA, mas sim por um louco, todos os outros provavelmente foram vítimas do abuso – consciente ou não – de substâncias químicas. Uma pena, mas o que se há de fazer?

Entre o mirabolante e o trivial, o artifício inventado para vender mais livros ou a simples constatação de que todos somos iguais (e mortais), existe uma gíria que contempla todas estas possibilidades. Como qualquer um dos ídolos mencionados poderia dizer a respeito da própria morte, “shit happens”. Traduzido em bom português, “m…. acontecem”, para todo mundo.



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