O mundo gira como um rolo de cassete
Mesmo nestes dias em que ainda reverbera a primeira onda de efeitos ligados à notícia da morte de Michael Jackson, já é possível perceber o surgimento de dois grandes grupos – bastante distintos e quase antagônicos. O primeiro é formado por indivíduos que testemunharam o astro ainda negro, atuando no que são considerados seus melhores anos. Uma gente que quase derrubou o Google em busca de informações sobre o ídolo, responsáveis por catapultar seus discos às primeiras posições em todos os rankings dos mais vendidos, e que não se cansam de prestar homenagens ao finado rei do pop.
Já o segundo reúne os que só o conheceram branquelo, atravessando uma fase musical menos inspirada e afogado em escândalos. Estes, que passaram o fim de semana alheios à comoção generalizada, que riram ao saber do moonwalk coletivo nas ruas de Londres, e que não conseguem, nem querem entender a razão de tanta tristeza e rebuliço. Salvo exceções pontuais, a percepção da relevância e - por que não dizer – da influência que Michael exerce em boa parte dos performers de sucesso do cenário atual está bastante vinculada a uma questão etária.
A conclusão me levou a refletir sobre as prováveis discrepâncias inerentes às biografias das grandes personalidades, bem como aos registros históricos que eventualmente estiveram propensos a ser contaminados pelas paixões de seus relatores. Posto isto, só me resta torcer para que uma segunda onda de efeitos, ainda mais densa e reveladora, não varra de vez o pouco que ainda há para ser preservado sobre a vida e a obra do cantor.
E não é que uns desnaturados descobriram o segredo por trás daquele fabuloso passo do clipe de Smooth Criminal? Michael envergava o corpo num ângulo de 45 graus por conta de um sapato maior do que seu pé, que encaixava em pinos escondidos no piso. Sim, e daí?! Saudosos da magia que transbordava de números de dança antológicos como este, e do próprio conceito de entretenimento evidenciado pelo intérprete ao longo de sua carreira, os mais entusiasmados chegam a afirmar que sua morte sepulta também a era dos grandes artistas do vinil.
Concorde você ou não, acontecimentos como o que acabamos de presenciar tendem, invariavelmente, a se tornar marcos, em especial se considerarmos que a geração mais impactada por Jacko é justo a que se encontra em vias de assumir “o poder”, ou seja, com a mão na massa e a boca no trombone. Não me arriscaria a relacionar o trágico evento com qualquer tipo de transição, mas a verdade é que não se pode mesmo falar em vinil sem a impressão de evocar o período jurássico.
Some-se a isto o experimento realizado com um menino de 13 anos do qual, estupefato, tomei conhecimento ontem: tomaram-lhe das mãos o ipod e puseram no lugar um walkman de fita-cassete, daqueles gigantes, da primeira leva. Resultado? O menino demorou exatos TRÊS dias para constatar que a fita possuía dois lados, e perguntou se o botão normal-metal (utilizado para melhorar a performance do aparelho, a depender do tipo de fita) estaria relacionado a uma classificação de estilo do que estava ouvindo.
Aborrecido pela ausência do recurso random, não acreditou que existiu um tempo em que as músicas eram ouvidas sempre numa mesma sequência. Para aliviar o tédio, apertava a tecla rewind aleatoriamente. O mais intrigante, no entanto, ainda está por vir: uma corrente de pensamento, que vem ganhando adeptos “world wide”, diriam, defende a ideia de que eu – fã de Michael Jackson, amante dos vinis, que me alcei à carreira musical a partir de uma demo gravada em cassete – e este menino pertencemos a uma mesma geração.
O movimento se autointitula Generation-We ou The Millenials, e coloca no mesmo saco todos os que nasceram entre 1978 e 2000. De acordo com o manifesto, as características que nos unem são a noção de um mundo globalizado, a diversificidade étnica, a melhor adaptação à tecnologia, a consciência da degradação ambiental e a certeza de que herdamos de nossos antecessores um planeta em declínio.
Pode até fazer sentido, mas algo me faz pensar que, representada por integrantes com a perspicácia do garotão do walkman, nossa geração estará fadada a extinguir a humanidade.