Idiota, quem?
“Se atribuo à minha música um preço que ninguém está preparado para pagar estou cometendo um erro, mas essa ideia de o valor ser determinado pelo consumidor é um plano idiota, não pode dar certo!”. Foi assim, curto e grosso, que Robert Smith, vocalista do The Cure, resumiu durante recente entrevista sua opinião quanto a surpreendente estratégia comercial adotada pelos colegas do Radiohead para o lançamento de “In Rainbows”, em outubro de 2007.
Recapitulando: Thom Yorke e cia. resolveram sacudir os alicerces da indústria fonográfica disponibilizando as músicas de seu último disco para download através do site da banda, pelo preço que conviesse ao freguês. Ou seja, os fãs teriam a oportunidade de adquirir todas as faixas pagando por elas o que considerassem justo, mesmo que o “conceito de justiça” resultasse em não pagar nada.
É claro que a polêmica proposta causou furor entre músicos, executivos, comerciantes e internautas, além de por si só representar o marco fundamental de uma nova era. Afinal, apesar dos downloads piratas e portanto gratuitos consistirem numa prática bastante difundida, a banda inglesa foi pioneira ao admitir oficialmente a possibilidade de não receber um tostão sequer pela música que produzia.
Passado pouco mais de um ano do experimento, estatísticas apontam que “In Rainbows” foi adquirido por 4 libras (14 reais) em média, sendo que uma em cada três pessoas teria optado por baixá-lo de graça. Isto, no entanto, não impediu que durante o período o quinteto vendesse mais de três milhões de cópias entre downloads, CDs convencionais e uma edição de luxo.
Em versão física o disco atingiu o primeiro lugar na lista dos mais vendidos nos Estados Unidos e na Inglaterra. Desempenho bem mais acanhado obteve “4:13 dream”, do The Cure; comercializado de maneira tradicional, o álbum não passou dos 16o e 33o lugares, respectivamente, nestes mesmos países.
Posto isto já há, claro, quem diga que as coléricas declarações de Robert Smith não passam de dor de cotovelo. E ele completa: “você não pode dar às pessoas o direito de decidir quanto vale o que você faz. A não ser que você pense que seu trabalho não valha nada, mas isto não teria sentido”.
Aí sou eu quem discorda. O que não me parece ter muito sentido é este ilusório e arrogante pensamento de que o artista detém a capacidade de estabelecer quanto o público pagará por sua produção. Em que arte funciona assim cara-pálida (neste caso sem nenhum sentido figurado)? Desde quando artistas plásticos, músicos ou atores, mesmo os renomados, dispõem de poder suficiente para determinarem o quanto devem ganhar por seus trabalhos?
Até quem não é do ramo pode supor que o valor monetário atribuído a qualquer manifestação artística segue um padrão comparativo, definido por diversos fatores alheios à vontade dos autores. Em se tratando de alguém experimentado como o vocalista do The Cure a frase chega a soar inocente, porque nunca coube aos integrantes de qualquer banda, mas sim aos executivos das gravadoras, estipular quando deveriam custar os discos.
A iniciativa do Radiohead propiciou uma valiosa e indispensável reflexão sobre os novos rumos a serem assumidos pelo negócio musical a partir deste início de século XXI, e já repercute (vide o projeto Álbum Virtual desenvolvido pela Trama aqui no Brasil). O fato de um número cada vez maior de pessoas optarem por não pagar pela música que consomem não deve ser tomado por demérito à classe artística, mas sim como reflexo de uma inevitável tendência a qual todos, queiram ou não, terão que se adaptar. A solução encontrada pela Trama, por exemplo, foi passar a conta dos downloads para o patrocinador, outras, em tempo, surgirão.
Seja fruto de um minucioso planejamento de marketing ou quem sabe devido à generosidade passível das bandas multimilionárias, a verdade é que a ideia do Radiohead não pode ser considerada idiota sob nenhum aspecto. Já as afirmações de Robert Smith…