Pratos Limpos

sex, 30/01/09
por Bruno Medina |

dishes.jpgAntes de seguir adiante permitam-me fazer algumas ressalvas sobre o post anterior. Parafraseando o rapper carioca De Leve em uma de suas músicas, neste texto fui “mais mal interpretado do que livro de Machado de Assis”. Ainda agora tenho convicção da clareza de minhas colocações, embora desconfie que o sentimento passional em relação aos nomes citados tenha prejudicado (e muito) a compreensão das palavras.

Lendo os comentários pude notar que muitos consideraram preconceituosa a distinção dos artistas internacionais classificados em time A e time B. Ratifico que em nenhum momento houve juízo de valor quanto ao trabalho de ninguém, até por se tratar de matéria absolutamente subjetiva. A divisão proposta decorre de uma impressão quanto ao papel que cada um dos mencionados desempenha no cenário musical atual. O que talvez aborreça aos fãs seja uma confusão entre valor de mercado e valor artístico.

Quando sugiro que determinado artista pertence ao time B, isto deveria significar apenas que não me parece que ele esteja vivendo o momento de maior visibilidade de sua carreira. Este é, no entanto, um ponto de vista, baseado no que tenho visto, lido e ouvido por aí, e compatível com a vocação deste espaço. Claro que se a banda não sai das paradas radiofônicas de ali ou lotou um show acolá isto não altera minha opinião. O critério adotado é considerar a observação do aspecto geral, e não os informativos detalhados de qualquer fã-clube.

Quanto ao fato de um show de Alanis em Teresina ter me causado surpresa… ora bolas, não é usual mesmo! Desde que sentei para escrever não consegui me recordar de outro artista internacional que tenha passado por 11 cidades brasileiras de uma só tacada. A periodicidade e a duração das turnês não se deve necessariamente a um menor apreço que se possa ter pelo público de nosso país, muito pelo contrário, aqui estão, possivelmente, as platéias mais receptivas do planeta.

Talvez ao fato de o Brasil estar situado na América do Sul, longe do eixo onde ocorrem a maioria dos shows. Trocar de hemisfério exige cautela; os custos são maiores, a logística mais complicada e, como consequência, os ingressos tornam-se mais caros. Por isso eu acho que só vem para cá quem tem certeza do retorno financeiro ou aceita/precisa correr o risco. É justo daí que surge uma brecha para que determinados artistas se beneficiem da grande demanda por shows internacionais que sempre existe por aqui.

Por último, confesso que fico na dúvida sobre registrar que considero o A-ha uma das melhores bandas de pop dos anos 80. Tenho os 2 primeiros discos do trio e são muitas as músicas que conheço de cor, assim como também ocorre com as de Alanis, em cuja primeira apresentação no Rio eu estive presente. A dúvida se relaciona com esta sensação onipresente no mundo de hoje, de que existem regras para determinar quem pode ou não dizer algo sobre determinado assunto.

Independente de fazer ou não parte do Los Hermanos, de gostar ou não de Alanis, Coldplay, Guns n’ Roses, Madonna, A-ha ou qualquer outro artista que possa vir a ser citado neste blog, sinto que vivemos o momento em que emitir uma opinião, ainda mais se for pela Web, significa ter de lidar com a hostilidade e o rancor despertados pela impessoalidade do meio.

Os argumentos ganham força quando a discordância se dá de uma forma coerente e respeitosa, sobretudo construtiva. E, convenhamos, um pouco de tolerância à diferença e de espírito esportivo não fazem mal, né? Posto isso espero ter desfeito possíveis mal entendidos. E vamos em frente.

Ah, os ares do sul…

ter, 27/01/09
por Bruno Medina |

a-ha-brasil.jpgDurante as duas primeiras semanas de 2009 o noticiário musical se ateve ao considerável montante de atrações internacionais a confirmarem apresentações para este ano em nosso país. A temporada teve início em grande estilo com os shows de Madonna em dezembro, passou por Elton John e se manterá com louvor, bem além do Radiohead, em março. Já dizia o ditado maldoso “alegria de pobre dura pouco”, e é bem provável que, a depender do andar da crise e da desvalorização do real perante o dólar, tenhamos pela frente uma longa e tenebrosa temporada de ausências abaixo do equador.

Não chega a ser novidade que a variação do câmbio, mesmo em outros “tempos” (leia-se crises), sempre foi determinante da medida de ambição dos produtores brasileiros. Dependentes da adesão dos colegas sulamericanos para viabilizarem financeiramente as megaturnês, foram muitas as vezes que estes profissionais –e também o público- se viram naquela situação, como dizer, de adequação de expectativas.

Porque não só de Madonnas, Radioheads e Elton Johns vive o negócio dos shows estrangeiros no Brasil. É preciso ter em mente que estes são exemplos de celebridades de primeira linha, músicos de cujas performances dependem estruturas milionárias e, que talvez por este motivo, nos honrem com suas visitas a cada década, quando muito.

É no vácuo da fama, quando as estrelas de maior brilho fenecem, que um outro time muito mais frequente entra em campo para tirar proveito de toda a receptividade e carência dos brasileiros: são as atrações internacionais do tipo B.

Ao contrário do outro time, este costuma desembarcar por aqui justo quando a coisa aperta. A música de trabalho bateu na trave? O disco não vendeu? A turnê emperrou? A carreira afundou? A solução é apontar o leme na direção dos trópicos. Parece-me que quanto aos artistas gringos, só recebemos duas categorias; os consagradíssimos ou os falidos. 

Mesmo este sendo um ano atípico, surpreende o otimismo de Alanis Morissette em seu giro por onze capitais brasileiras. Surpreenderia mesmo que se desse no auge de seu sucesso, afinal poucos foram os estrangeiros que se aventuraram a desbravar o potencial de cidades como Teresina para eventos desta natureza. É certo que Alanis há muito não desfruta dos holofotes que um dia teve direcionados para si, e o que mais explicaria tamanha generosidade com os fãs brasileiros?

Enquanto ainda estiver debruçada sobre o álbum repleto de instantâneos de nosso litoral, a canadense se despedirá abrindo passagem para uma trinca de peso: Simply Red, A-ha e Backstreet Boys, todos com apresentações marcadas para março. Diz aí se você não sonhava com estes shows? Os ares do sul e os buracos na agenda são mesmo uma combinação em tanto…

Que o digam Billy Paul, Scorpions, Laura Pausini, Men at Work, Jimmy Cliff e aquele monte de bandas de metal que poderiam reivindicar cidadania brasileira, de tanto que já tocaram por aqui. Ricky Martin e Shakira ascenderam deste grupo. Apesar de terem sido habitues de programas televisivos brasileiros nos dias de vacas magras, e de até terem aprendido a falar português, bastou-lhes a perspectiva de encontrar algum sucesso no mercado norteamericano para sumirem sem deixar pistas.

Que falta de consideração! Iron Maiden, Lenny Kravitz e Rolling Stones não pertencem ao time B, mas nem por isso deixaram de tirar uma casquinha de nossa tradicional disposição em garantir aos estrangeiros os maiores públicos de suas vidas. Talvez agora mesmo em seu chalé na gélida Noruega Morten Harket, vocalista do A-ha, esteja sonhando com a volta por cima. De preferência contemplado por uma multidão nas areias de Copacabana. 

2 + 2 = 4

sex, 23/01/09
por Bruno Medina |

vencedor.jpgApesar de pouco me dedicar ao cinema neste espaço, subitamente senti vontade de palpitar sobre os indicados para as principais categorias do Oscar 2009. Longe de ser um especialista no assunto e desprovido de qualquer preparo além da intuição, me aproprio do senso comum na tentativa de indicar (sem hesitar) os vencedores deste ano.

Mesmo não tendo assistido a nenhum dos filmes em questão –a exceção de “A Troca”- , e ainda sim mais por força das circunstâncias do que propriamente por interesse genuíno, de cara antecipo aos curiosos que Angelina Jolie não será agraciada com a estatueta de melhor atriz por este papel. Nada contra a moça, mas convenhamos que aqueles lábios demasiadamente carnudos por vezes chegam a comprometer a credibilidade em seu talento.

Além disso me parece cristalino, assim como também deve parecer à maioria dos cinéfilos, que sair vitorioso de uma cerimônia da tradicional premiação tem menos a ver com atuações e mais com o cruzamento de critérios tais como hierarquia e política. Os resultados dificilmente contrariam esta lógica cartesiana, e quando se dá algo próximo de uma surpresa, por assim dizer uma “zebra”, era uma com a qual todos já contavam.

A verdade é que no Oscar nunca houve espaço para o imponderável, e isto eu afirmo com igual certeza de que no dia 22 de fevereiro Jack Nicholson estará sentado na primeira fila do Teatro Kodak, aparentando ter tomado “umas a mais”. Na mesma noite testemunharemos o ataque histérico do vencedor emotivo, as piadas meio sem graça do apresentador da cerimônia, o discurso longo do cara pouco importante, os números musicais cafonas/apoteóticos e a fina ironia dos que sabem não ter nenhuma chance de ganhar.

Nada do que foi citado, no entanto, é capaz de ofuscar o brilho da festa. Afinal que graça teria o Oscar caso fosse um prêmio constantemente concedido aos azarões? O sucesso de público que justifica uma audiência de bilhões de telespectadores no alto de sua 81a edição não seria possível sem um perfeito consentimento de todas as partes envolvidas quanto às regras do jogo. O Oscar é o lastro da indústria cinematográfica, o glamour que enche os olhos, a vitrine para quem vive de Hollywood, a matemática que nunca falha. E você ainda espera que esta seja uma premiação acima de qualquer suspeita?

Minhas apostas:

Melhor atriz coadjuvante: Marisa Tomei – “The wrestler”
Melhor ator coadjuvante: Heath Ledger – “Batman – o cavaleiro das trevas”
Melhor diretor: David Fincher – “O curioso caso de Benjamin Button”
Melhor atriz: Meryl Streep – “Doubt”
Melhor ator: Sean Penn – “Milk – a voz da liberdade
Melhor filme: “O curioso caso de Benjamin Button”

Foto-montagem: desequilibrados.hpg.com.br

Antes tarde do que nunca

seg, 19/01/09
por Bruno Medina |

vinil.jpgNão tomem por saudosismo barato ou nostalgia, mas desde que os LPs de vinil sucumbiram aos disquinhos digitais, e estes aos MP3, a experiência de consumir música sofreu um considerável esvaziamento. Falo por mim, e por todos que como eu gostavam de ter em mãos ou na estante do quarto o objeto que desempenhava a importante função de complementar e enriquecer a experiência de ouvir nossos ídolos.

As grandes capas quadradas e os encartes duplos que embrulhavam as bolachas na prática eram pensados como extensão da proposta artística contida nos álbuns. Nem mesmo os mais otimistas se atreveriam a negar que a influência deste material impresso na audição das faixas deixou de existir a partir da era destas acanhadas e minúsculas caixinhas de CD.

Lembro-me de como era sagrado debruçar sobre o painel composto pelas enormes ilustrações abertas, ou mesmo deixar o rosto do ídolo, retratado em proporções reais, exposto em casa, como um anfitrião que nos acompanhava nas primeiras incursões por seu universo. Mesmo não sendo possível fechar os olhos para o advento tecnológico e a consequente democratização do acesso à produção musical ocorrida nas duas década anteriores, só quem conviveu com os Long Plays sabe a falta que fazem neste mundo de hoje.

Apesar de terem caído em desuso e quase se extinguirem por completo, os vinis ainda sobrevivem através de seus poucos admiradores e dos DJs, que, diga-se, nunca os abandonaram. O fechamento de quase todas as unidades designadas à fabricação dos LPs ao redor do globo inviabilizou o lançamento de novos títulos, praticamente relegando-os ao passado. Alguns artistas brasileiros, dentre os quais orgulhosamente inclui-se o Los Hermanos, souberam se aproveitar do privilégio de ter um disco lançado neste formato em pleno século XXI, antes que, em outubro último, a única remanescente nacional desta indústria, a Poly Som, fechasse suas portas.

Entretanto, por razões as quais me proponho investigar, a triste história sofreu um inesperado revés; impulsionado pelo espantoso aumento de 89% em vendas ocorrido em 2008 nos Estados Unidos, os discos de vinil ensaiam uma volta por cima. Por aqui a boa nova fica por conta da reativação da Poly Som, e do lançamento, até o fim deste mês, dos cinco primeiros volumes da série “Meu primeiro disco”, organizada pela SonyBMG. A gravadora pretende relançar em Long Play os álbum de estréia de trinta artistas, dentre os quais Chico Science e Nação Zumbi e Engenheiros do Hawaii.

A excelente iniciativa já pode ser considerada como um teste da receptividade que espera os discões no combalido mercado fonográfico. Desconfio que a aposta da vez se concentre no filão dos colecionadores de clássicos, já que o consumidor convencional, por motivos ideológicos os financeiros, não têm hesitado em se render aos downloads ilegais, que atualmente correspondem a 95% do total.

Minha teoria é que o revival dos vinis coincide com esta onda vintage que atualmente assola a humanidade (lembram da modinha de Sleeveface?). Tem a ver, também, com a esperança que os executivos do ramo nutrem de descobrir uma fonte para novos proventos, uma que sempre esteve bem debaixo de seus narizes empinados.

Dois posts atrás citei a falta de habilidade dos caciques da indústria musical como provável explicação para o declínio de seu negócio. Uma das falhas capitais pela qual podem se culpar diz respeito a não terem conseguido ou atentado para a necessidade de se transformar os CDs em objetos de desejo, assim como antes foram os vinis. Numa época em que o costume dos mais novos, de baixarem canções aleatórias de um mesmo artista, sobrepõem o conceito de álbum, a ressurreição dos LPs pode significar ao menos a reconquista da coerência pretendida em determinados conjuntos de músicas.

O engraçado é pensar que em 1948, quando surgiram, os Long Plays solucionaram uma limitação tecnológica; até então os discos em goma-laca, de 78 rotações, restringiam-se a uma música por lado. A expressão álbum provém da encadernação de vários compactos, comprados um a um, contendo duas músicas cada. Somados, correspondiam a totalidade de um determinado disco. Trocando em miúdos, os LPs instituíram em definitivo o conceito de álbum como o conhecemos. Será que o destino se encarregará de, sessenta anos depois, incumbi-los desta mesma função?

É verdade

qua, 14/01/09
por Bruno Medina |

palco.jpgImagino que ao longo dos últimos dias muitos de vocês devem ter tomado conhecimento de boatos a respeito de um possível retorno do Los Hermanos aos palcos no mês de março. Durante este período estive apenas aguardando, com certa ansiedade, admito, o momento adequado para vir a público confirmar a informação: Los Hermanos, Radiohead, Kraftwerk e Vanguart estarão juntos no palco do festival Just a Fest, nos dias 20 (Praça da Apoteose-Rio de Janeiro) e 22 de março (Chácara do Jockey-São Paulo).

Quero registrar que estou imensamente satisfeito em dar esta notícia, em especial por ter sentido, neste tempo, como nossos fãs esperaram por esta confirmação. Agora também eu estarei na contagem regressiva pelo reencontro dos amigos – incluindo os que integram nossa equipe técnica –, com os quais tive menos contato do que gostaria nestes 18 meses que transcorreram desde o anúncio do recesso.

Ao contrário do que podem pensar os que têm uma queda por teorias e planejamentos secretos, estas duas apresentações não estavam previstas; a ideia partiu dos organizadores do festival que, mesmo considerando pequenas as chances de contar com nossa participação no evento, resolveram fazer o convite. E deu certo.

Apesar dos compromissos com os quais cada um de nós está envolvido atualmente, a oportunidade de tocar nossas músicas nesta ocasião valeu o empenho em conciliar as agendas. Eu mesmo não poderia estar mais feliz em celebrar esta volta aos grandes festivais acompanhado por duas das minhas bandas preferidas. Ambas as noites, sem sombra de dúvida, passarão a fazer parte da história da minha vida.

Cabe, no entanto, esclarecer que estes shows não significam um retorno do Los Hermanos à sua regressa rotina; não se deixem iludir por especulações quanto a uma nova turnê ou a pré-produção de um quinto disco. O que há, por enquanto, são apenas estas apresentações e nada além. Proponho então que façamos uma tentativa: ater-nos a viver o presente ao invés de nos ocuparmos da ingrata tarefa de prever o futuro. E que venham os shows!

foto: Caroline Bittencourt 

 

Game Over

ter, 13/01/09
por Bruno Medina |

gitar.jpgNão seria exagero dizer que, durante os últimos anos, a rotina daqueles que trabalham na indústria fonográfica poderia se resumir a anunciar consecutivas quedas nos lucros e reclamar do espaço perdido para a pirataria. A proclamada crise financeira chegou bem antes aos conglomerados do ramo do entretenimento, que de forma geral parecem agonizar pela ausência de novos modelos de negócio que os tornem competitivos nos tempos atuais.

A exceção fica por conta dos fabricantes de videogames, um segmento que constantemente bate seus próprios recordes de produção e registra ganhos exorbitantes, contrariando todas as regras do mercado. Tomemos como exemplo ilustrativo o jogo Guitar Hero III (aquele das guitarrinhas), que acaba de atingir a marca de 1 bilhão de dólares em vendas só na América do Norte. Enquanto você tenta se lembrar de algum disco que tenha arrecadado esta soma, cabe registrar que o filme mais rentável da história do cinema, Titanic, faturou menos do que o dobro disto somadas todas as bilheterias no mundo!

Mas o que estaria impulsionando este improvável fenômeno? Segundo executivos que atuam na área, o crescimento do volume de negócios representado pelos videogames se relaciona ao incremento tecnológico e ao aumento da demanda por interatividade, isto sem mencionar o já superado conceito que restringia os joysticks ao universo infanto-juvenil. Eu mesmo, feliz proprietário de um PSP, posso testemunhar que até os burros velhos têm sucumbido aos encantos dos joguinhos.

Ainda sobre o Guitar Hero, Mike Griffith, CEO da Activision, profetiza que a chave para a compreensão de tamanha popularidade se respalda numa única certeza: “os jogos de videogame estão destinados a eclipsar todas as outras formas de entretenimento na próxima década”. A teoria até faz sentido se levarmos em consideração que recentemente tanto as músicas quanto os recursos da linguagem cinematográfica passaram a figurar entre os elementos fundamentais de qualquer bom game.

Afinal, ninguém deve discordar que significativa parcela do sucesso alcançado pela série Guitar Hero pode ser atribuído a qualidade da trilha sonora que serve como desafio para os aprendizes de virtuose. Na mão inversa, durante a primeira semana de comercialização do jogo, as bandas escaladas para cada edição costumam registrar um aumento de 15% em média nos downloads oficiais de suas faixas. O disco mais recente do Aerosmith chegou a triplicar suas vendas por conta disto.

Sinal dos tempos. Não deixa de ser irônico concluir que um jogo de videogame seja capaz de alavancar carreiras musicais estagnadas. A cada dia só aumenta a minha impressão do diminuto valor que tem a música no mundo de hoje. Parece que ela por si só, dissociada de outras mídias, está fadada a desaparecer. Quando o próprio formato de álbum já remete ao século passado, difícil é acreditar que seja possível reverter este jogo. Tendo em vista a habilidade dos que fazem videogames em comparação com os que vivem de vender música, o termo mais apropriado talvez seja massacre.

Greetings from Brazil

sex, 09/01/09
por Bruno Medina |

areia.jpgEste post talvez seja continuação do anterior. Digo talvez porque, tendo ainda toda a página em branco pela frente, nada posso além de supor que, ao desenvolver os próximos parágrafos, encontrarei entre o assunto que abordarei hoje e o da terça passada um ponto de conversão. Vamos em busca dele. 

Deve fazer um mês ou pouco mais que li, numa destas revistas femininas folheadas nas salas de espera, uma preocupante reportagem sobre o estereótipo que persegue a mulher brasileira no exterior. O assunto está longe de ser novidade, reconheço, mas o fato é que a matéria me fisgou desde a primeira linha, provavelmente porque pouco antes eu mesmo havia experimentado a desagradável sensação de ser alvo de preconceito.

Em novembro, quando desembarcava em Barcelona, vindo de Madri, tomei uma daquelas já clássicas duras que atormentam jovens compatriotas em suas incursões pelo “mundo desenvolvido”. Na verdade tive sorte de contar com a benevolência do policial, porque, dada altura, ele quase conseguia me convencer de minha suspeita condição ao entrar em seu país.

O que salvou o dia foi um cronograma de turnê com alguns endereços, que absolutamente não seria suficiente como comprovação oficial de minhas intenções na Espanha, mas, por hora, serviu. Senti medo de ser preso e deportado, apenas por ser brasileiro. A indignação atravessou o final da viagem e me acompanhou até o Brasil, mais precisamente até o momento em que peguei naquela revista. Foi então que me dei conta do quão complexa é a questão.

A referida matéria discorria sobre o estigma da sexualidade aflorada que, de modo geral, é atribuído às brasileiras. Uma delas, respeitável e discreta advogada atuante em Portugal, lamentava o excesso de liberdade que alguns colegas insistiam em ter com ela, apesar da pouca abertura que lhes dava. Outra narrava a dificuldade em conseguir alugar um imóvel para morar a partir do momento em que percebiam sua nacionalidade.

Episódios como estes são corriqueiros e geram constrangimento diários, resultando da soma de incontáveis fatores. Um deles teve sua origem relacionada à exibição da novela “Gabriela”, baseada na obra de Jorge Amado. Segundo especialistas, a atração teria sido um dos grandes responsáveis pela disseminação da má fama de nossas mulheres em território português. A sedutora e impetuosa personagem interpretada por Sônia Braga supostamente instituiu a idea de que todas as brasileiras seriam como ela.

Havia também o pitoresco relato (este sim bem mais comprometedor) de uma cidade portuguesa em que um grupo de esposas traídas se uniu para pedir ao prefeito que expulsasse as prostitutas brasileiras, as quais atribuiu-se o fim de alguns casamentos. Além desta sabida e indesejável reputação, relativa ao enorme contingente de profissionais do sexo “made in Brazil” espalhadas ao redor do globo, ao que pude perceber, faz tempo que somos também considerados internacionalmente como um dos principais exportadores de imigrantes ilegais.

Fazer o quê? Se os franceses são fedidos, os italianos estúpidos e os americanos ignorantes, nós temos as mulheres mais fogosas do planeta! A visão pouco esclarecida de quem está de fora justifica boa parte das distorções identificáveis nas identidades culturais de cada povo. A outra parte, muito mais dolorosa e nociva, pode ser decorrente de um fenômeno pouco perceptível, o que poderia ser definido como preconceito contra si próprio.

O que mais explicaria a motivação do autor de “Rio for Parties”, um espécie de guia de como se dar bem na cidade maravilhosa? O material “didático” voltado para estrangeiros divide as cariocas em quatro categorias, uma delas a das popozudas, descritas como máquinas do sexo.

Daí eu me pergunto o que deveria pensar um gringo que se depara com um troço destes, ainda mais escrito por um brasileiro?! De nada adianta esperar que a reparação de nossa honra caia dos céus; será preciso muito trabalho para que um dia sejamos reconhecidos como um país que se leva a sério. O problema reside em cada um pensar que a responsabilidade é do outro. Respeito não se impõe, conquista-se. 

Dança da Lei

ter, 06/01/09
por Bruno Medina |

som.jpgConfirmando previsões anteriores, bastaram apenas alguns dias em 2009 para que o noticiário voltasse a ser tomado por acontecimentos capazes de espantar o marasmo comum ao em torno da virada. O ano se inicia trazendo à tona uma antiga discussão que promete ainda fazer muito barulho.

A título de persistir com o enfadonho trocadilho, posso dizer que as primeiras notas desta controversa melodia se propagaram no outro lado do Atlântico, e agora reverberam mais altas do que nunca no lado de cá, onde muita gente não gostou do que ouviu; na última sexta o jornal britânico “The Guardian” dedicou suas páginas ao polêmico projeto que pretende promover o funk a movimento cultural no Rio.

Cabe registrar que desta vez não se deve considerar a proposta como uma daquelas que se sobrepõem a outras muito mais relevantes, e que apenas atravancam a pauta das assembleias legislativas Brasil afora. Apesar do que possa parecer, não se trata de reivindicar homenagem ou parcela da receita provinda do turismo, mas sim de legitimar uma manifestação cultural que, a despeito de alguns narizes torcidos, dá provas de já estar incorporada à cidade.

Caso aprovada, a principal conquista assegurada pela medida será de cunho político. A intenção dos idealizadores é destituir a Secretaria de Segurança Pública da responsabilidade de aferir acerca do funk. A motivação provém da necessidade de se obter um “nada opor” do batalhão policial da região antes que se obtenha permissão para realizar qualquer baile.

Segundo DJ Malboro, uma das indiscutíveis autoridades no assunto, a lei sancionada em maio do ano passado ratifica a existência de discriminação ao gênero musical. Exigências quanto a segurança, volume do som e horário de encerramento das festas são consideradas excessivas e estariam dificultando a bem-sucedida incursão dos bailes nas áreas nobres da zona sul, relegando-os à periferia.

Os que se opõem à supremacia do funk enxergam nas festas dedicadas ao “batidão” um pretexto para que sejam cometidas graves infrações. Valem-se de um conceito que povoa o inconsciente de parte da população, o de que os bailes estariam sempre associados à imagem de homens fortemente armados, consumo de drogas, exploração sexual de menores e apologia ao crime.

O funk, e mais especificamente os bailes, são de fato alvo de preconceito, não só no Rio como em todo o país. Assim como o samba ou o rock o foram em outros tempos, qualquer manifestação ou movimento cultural popular precisa antes vencer a desconfiança para depois se estabelecer. 

Isto não deve ser confundido com juízo de valor que se possa ter em relação à qualidade das músicas ou dos artistas que as representam. Afinal, mesmo que hoje o funk não se fizesse presente no palco de atrações televisivas, no dial das rádios FM e nas celebrações de formaturas e casamentos dos mais abastados, mereceria ser respeitado como forma de expressão que de fato é.

Quanto ao citado projeto, o que visa proteger o movimento como espécie de patrimônio carioca, não sei se concordo. O lugar do gênero dentro do contexto cultural brasileiro deve se determinar por sua própria conta, como aliás costuma acontecer aos movimentos verdadeiramente significativos.

É equívocado acreditar que uma lei municipal garanta a ascensão do funk, mais ainda se, ao defender esta lei, alguns secretamente nutram a esperança de que ela represente uma carta branca para a realização dos bailes. Sejam expoentes máximos de uma divertida e legítima manifestação cultural, sejam a festa pagã temida por seus detratores, os bailes funk devem estar submetidos às regras da sociedade, as mesmas que regem os atos de cada um de nós.

Parece-me que a questão mais interessante em relação ao debate se traduz em uma pergunta: conseguiria o funk sobreviver na mídia dissociado da ideia de subversão e marginalidade que o consagrou?

O começo

sex, 02/01/09
por Bruno Medina |

pomba1.jpgSegundo dia do novo ano. Olhando para trás, tenho a impressão de que ontem passou há muito mais tempo do que deveria. Desta vez não posso atribuir a intrigante sensação as razões citadas no post anterior  -os tais acontecimentos que insistem em se repetir- mas sim a percepção de que talvez entre os dias 31 de dezembro e 1o de janeiro ocorra mais do que apenas um giro completo do globo.

Pergunto-me o que além das convenções associáveis ao réveillon lhe garante esta singular capacidade de distinção, de sempre torná-lo uma data passível de transpor a barreira do esquecimento? Afinal, por se dar em conjunturas bastante semelhantes (mesmos personagens, mesmo enredo), a noite da virada deveria seguir a tendência natural de se embaralhar com tantas outras já vividas. No entanto, a exceção dos muito bêbados, é comum nos lembrarmos com clareza de cada uma delas, ou pelo menos da maioria.

Procurar justificativas astrológicas, quiçá culturais, não teria força suficiente para sustentar qualquer teoria sobre o porquê dos 2 últimos dias parecerem ter ficado tão para trás. Desconfio que o sentimento de superação tenha algo a ver com o cruzar de uma fronteira, uma travessia que, preparados ou não, volta e meia precisamos fazer.

Neste caso, a principal distinção entre passado próximo e presente se relaciona com o abismo que há entre expectativa e realidade. Se para todos a última quarta-feira 2009 era um devaneio, uma idealização, a partir de ontem passou a ser real. As resoluções, os projetos, os planos saem de confortáveis especulações para abrigarem-se num imprevisível rol de possibilidades.

A impressão que tenho é resultante de um mecanismo que criamos para evitar frustrações, este mesmo que se encarrega de afastar os desejos para longe. Provém de nossa dificuldade em lidar com o que é concreto quando os sonhos ainda se encontram perto o suficiente para que as conquistas pareçam menores. Rituais como a passagem do ano são imprescindíveis porque nos ajudam a marcar a evolução do tempo, mas também podem adquirir o indesejável efeito de nos fazer acreditar que sonhos foram feitos para serem sonhados, e não vividos. 

Neste exato momento, ao redor do mundo, é provável que milhões de pessoas estejam se imbuindo do que seja necessário para alcançarem seus projetos. Lamentavelmente este empenho costuma se esvair ao avançar do calendário. Espero que neste ano seja diferente. Porque, como diria Elis Regina naquela antiga canção do Belchior, “viver é melhor que sonhar”. Então, que em 2009, ao invés de sonhar, vivamos.



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