Feliz… ano velho?

ter, 30/12/08
por Bruno Medina |

pop.jpgE lá estamos nós, vivendo os últimos dias do ano. Mesmo que desejasse seria difícil escrever sobre outro tema que não a iminência de 2009, preste a começar; é que o  assunto se impõem de maneira avassaladora ainda que natural, se é que isto é possível.

Reparem como a época é imperativa no que se refere ao nosso estado de espírito: até dia 25 o aconselhável é sempre ceder à onda de generosidade e de amor ao próximo que assola o ocidente. E nem adianta tentar resistir, porque nosso olhar já está condicionado ao outro e às suas necessidades, à harmonia, à caridade, e ai de você se, no caminho das compras, não ficar com os olhos marejados ao cruzar com um coral, mesmo que desafinado.

Nos 7 dias seguintes o Natal passa a ser muito piegas. Todo aquele sentimentalismo meloso começa a provocar urticárias nos menos emotivos. Papai Noel vira o mala da vez e as lojas se apressam para encher suas vitrines de branco. É chegado o momento de sentir otimismo e esperança, e ai de você se não manifestar a intenção de se acabar na noite da virada.

Desde pequeno sempre estranhei esta semana que se espreme entre as duas festas, uma espécie de limbo em que nada costuma ocorrer de fato. Pobres jornalistas, em meio ao marasmo, imbuídos da árdua missão de preencher as páginas com notícias. Parece até que o tempo anda mais devagar, e talvez por saber disso os acontecimentos prefiram evitar esta espécie de “buraco negro” que existe em dezembro.

Guardam-se para os primeiros dias do mês seguinte, onde agora se concentram todas as atenções. A exceção fica por conta deste conflito na Faixa de Gaza, que aparentemente resolveu confrontar a escrita. Preferiu a sombra do apagar das luzes de 2008 aos holofotes do ano recém-começado.

Ontem fui buscar um copo d’água na cozinha e reparei que a folhinha sobre o microondas já estava em janeiro. Como assim? E os 2 dias que ainda faltam, deixaram de existir? Se nada se espera desta semana natimorta por que não mudamos o calendário e pulamos do Natal direto para 1o de janeiro? Quem sabe assim o recesso seria mais proveitoso?

Se bem que não iria adiantar. Porque, tão logo estivermos em janeiro, o único assunto vigente será o Carnaval. Há até quem diga que só mesmo depois da folia é que o ano começa oficialmente no Brasil. Então por que não emendamos logo 25 de dezembro com 1o de março, pra acabar de vez com este lengalenga? Um ano de 10 meses, mais enxuto, mais dinâmico. Só de pensar na possibilidade dá até um desânimo em relação ao modelo convencional.

Já pararam para pensar o quanto ainda teremos pela frente?

Um carro alegórico vai pegar fogo ou quebrar na Sapucaí, atrasando o desfile das outras escolas. Um casal famoso irá se envolver num exaustivamente noticiado triângulo amoroso, uma tragédia natural devastará alguma parte do globo e algum conflito vai agravar as já delicadas relações diplomáticas entre 2 países.

A crise atingirá ainda mais as nações emergentes e um escândalo político de grandes proporções balançará o centro do poder em Brasília. Como eu sei disto tudo? Aponte um ano que não tenha sido assim. Então por que não passamos de 2008 para 2010 sem escalas? Pelo menos é ano de Copa do Mundo…

Nada disso! Apesar das previsões pessimistas para a economia, dos fatos que insistirão em se repetir, apesar de ainda ter 12 meses e não ser ano de Copa, acredito que 2009 será ótimo. Porque a surpresa sempre vem de onde menos se espera, né?

Então… Feliz Ano Novo!

Querido Papai Noel,

ter, 23/12/08
por Bruno Medina |

papai-noel.jpgnão consigo me recordar de quando foi a última vez que escrevi para o senhor, mas estou certo de que faz décadas. Os leitores deste blog dizem que ultimamente tenho andado nostálgico e, ao que parece, esta carta apenas endossa a teoria. Deve ter algo a ver com a proximidade do fim do ano. Espero que o senhor não se ressinta do meu desejo de tornar esta nossa comunicação pública, afinal tanto a minha quanto a sua profissão permitem-nos, por vezes, sermos indiscretos.

Devo confessar a impressão de que este foi o Natal menos anunciado de todos os tempos, ao menos para mim. A título de evitar as longas filas e o empurra-empurra dos shoppings, comprei meus presentes com antecedência, antes mesmo das lojas prepararem suas vitrines para a ocasião. Alheio às costumeiras providências, de carro, pela cidade, esperei que o montante de luzes e enfeites nas janelas me alertasse quanto ao preciso momento de reavivar o espírito natalino. A decoração, no entanto, deixou bastante a desejar.

Imaginei então que o tradicional engarrafamento da árvore da Lagoa seria uma aborrecida porém eficiente maneira de entrar no clima da festa; e não é que o movimento diminuiu e o trânsito fluiu? Já que o hábito de trocar cartões está há muito em desuso, tudo que me restava era aguardar pelos filmes de TV dedicados ao senhor. Não consegui assistir a nenhum.

Resultado: só hoje nos demos conta de que precisávamos ter um pinheiro aqui em casa, porque este vai ser o primeiro Natal do meu filho. Melhor do que ninguém o senhor deve saber que a data costuma perder muito do que representava depois que se atinge certa idade. A cada ano a gente se distancia um pouquinho mais, endurece, esquece do que realmente significa, até que um dia se vê como eu: chateado por descobrir que amanhã a piscina da academia não abre.

Acho que este foi um dos principais motivos que me levaram a correr atrás de uma árvore. Precisamos tirar uma foto da família reunida em torno dela, claro! Academia dia 24? E pensar que, fossem outros os tempos, desde o dia 22 eu mal conseguiria dormir, tentando adivinhar que presentes o senhor me traria…

A partir do próximo ano não tem jeito; após este longo e tenebroso hiato, sua presença voltará a estar intensamente relacionada ao meu Natal. Novas cartas escritas por mim virão, desta vez em nome de outra pessoa. E por ele terei que resgatar os áureos dias desta nossa esvaziada relação, recordar as palavras que o transformarão num herói, num dos principais símbolos de felicidade imprescindível a qualquer infância.

Tantas vezes ainda hei de quebrar seu galho, me escondendo atrás de portas, carregando sacos de cetim vermelho, gritando “ho-ho-ho” pelas escadas do prédio, apenas para tentar estender ao máximo a crença em sua improvável existência. Apenas para proporcionar ao meu filho um pouco do que o mundo, inevitavelmente, não hesitará em tirar dele.

Vivendo e não aprendendo

sex, 19/12/08
por Bruno Medina |

edward.jpgEsta semana obtive uma confirmação pela qual há muito aguardava. Uma destas certezas que se carrega em silêncio e solitariamente ao longo dos anos, na constante expectativa de, mesmo que tardiamente, encontrar coerência ou cumplicidade que justifique tantos momentos de angustia causados pela dúvida. Soubesse antes o que agora sei, talvez fossem outras as escolhas, outros os personagens, outros os desfechos.

Resta a esperança de que a luz do conhecimento lançada sobre a causa seja intensa o suficiente para guiar as futuras gerações, evitando assim que sofram do mesmo mal que acometeu a tantos de nós. Para estes, ao menos, ainda há o consolo de que não estavam loucos; a ciência enfim conseguiu comprovar o que todo mundo já sabia: filmes românticos produzidos por Hollywood atrapalham relacionamentos amorosos.

Durante minha adolescência meus pais provavelmente supunham estar cumprindo de forma exemplar a difícil tarefa de educar um filho. Afinal, se não era um aluno brilhante, também não dava trabalho com os estudos. Correspondia à imagem de menino compreensivo e comportado, gentil e atencioso, disciplinado e elogiado pelos adultos, o verdadeiro orgulho para qualquer família.

Mas o que meu pai e minha mãe sequer podiam imaginar era que, a despeito de termos conseguido estabelecer um canal franco de diálogo sobre os temas tabus (drogas, sexualidade, violência), havia uma ameaça por eles ignorada. De maneira sorrateira ela vitimava jovens como eu, que na sala de tantas casas como a nossa aprendiam sobre o amor com os filmes que assistiam na TV.

Foi assim que comecei a acreditar que era possível se apaixonar pela menina mais bonita da escola e não ser magoado, ou que era uma boa estratégia escrever cartas de amor sem assinatura, esperando que o destino se encarregasse de revelar minha identidade secreta em momento oportuno.

Foram os filmes românticos dos anos 80 que me incentivaram a contar com o fato de que os esforços feitos para impressionar minhas musas secretas seriam recompensados, e que saber tudo sobre a rotina delas valeria o tempo que a tarefa consumia. Que, recreio após recreio, os pequenos avanços conquistados em nossa relação um dia nos conduziriam até o cantinho de uma festa de playground para um merecido beijo, e não a declaração de uma amizade desinteressada.

Que durante as férias nos encontraríamos na sorveteria e ela diria que sentiu saudades, ou então que o fizesse por telefone mesmo, se é que as musas ligam para seus admiradores assumidos. Na vida real elas até ligam, mas quando o fazem é para pedir o número de um outro garoto da sala, aparentemente indiferentes ao coração que acabaram de partir ao meio. E quando mais velhos percebemos que os relacionamentos costumam ser mais complicados do que o visto nos filmes, lá estão a Winona Ryder e a Meg Ryan, dispostas a nos reconvencer de que as almas gêmeas existem sim, e de que vale à pena esperar por elas.   

Claro – dizemos aos amigos – sabemos que não se deve confundir realidade e ficção, para em seguida constatar que, por mais uma vez, estamos nos comportando como o tolo protagonista de um filme da Sessão da Tarde: longe de qualquer problema, e sempre em busca de um final feliz.

A seguir, uma breve lista contendo alguns filmes que deturparam em definitivo a minha concepção de amor. E a de muita gente também.

Namorada de Aluguel

O Feitiço de Áquila

Lucas, a Inocência do Primeiro Amor

Admiradora Secreta

A Garota de Rosa-Shockhing

Qualquer um da Meg Ryan

Lagoa Azul

Karate Kid

Antes do Amanhecer

Ghost – do Outro Lado da Vida

Mulher Nota 1000

Singles

Caindo na Real

Edward Mãos de Tesoura

Em Algum Lugar do Passado

Reencontros

ter, 16/12/08
por Bruno Medina |

90210.jpgAgora há pouco recebi um e-mail que imediatamente me proporcionou um punhado de ótimas lembranças, daquelas que a correria do dia a dia e o próprio passar do tempo se encarregam de encobrir. A mensagem – encaminhada por uma antiga colega que conseguiu me contatar por aqui – convidava para um encontro de turma da escola em que cursei o final do primário e o início do ensino médio (ou ginásio, como dizia-se na ocasião).

Amanhã é provável que reveja meus amigos de pré-adolescência, aqueles que fizeram parte desta etapa marcante em minha vida e na de qualquer pessoa, com os quais, por razões que me escapam, não tive contato algum pelos últimos dezessete anos. Nosso colégio infelizmente já não existe; o prédio que o abrigava encontra-se em péssimas condições, abandonado devido a um processo de penhor que se arrasta na justiça e causa aperto no coração de todos que, como eu, lá estudaram.

Apesar deste triste porém, soube que considerável montante do grupo conseguiu concluir o segundo grau antes do extinto Isa Prates fechar suas portas em definitivo. De qualquer maneira estou bastante curioso para ouvir as histórias e, possivelmente, até tomar conhecimento de algumas que me envolvem, das quais eu sequer me recordo.

É intrigante pensar que as impressões guardadas por aquelas pessoas sobre mim estão tão distantes de corresponder à realidade que praticamente me transformam num estranho em potencial. Afinal, após um período tão longo, poucas são as características em comum entre este que vos escreve e o menino que eles conheceram.

Por uma destas inacreditáveis coincidências só hoje, zapeando a TV, me dei conta de que o seriado “Barrados no Baile” voltou a ser exibido por um canal a cabo. Mas o que tem uma coisa a ver com a outra? Eu explico. Umas das memórias mais vívidas que possuo da época em questão é a de como adorava assistir as aventuras dos irmãos Walsh, sempre às voltas com os dilemas decorrentes da futilidade que encontraram ao se mudar para Beverly Hills.

A série se estendeu por quase dez anos e serve de referência para meus contemporâneos, algo semelhante ao que representou a “Armação Ilimitada” para a geração anterior. Enredos que exploravam o universo dos alunos riquinhos do Beverly High conquistaram um séqüito fiel de seguidores no Brasil, a ponto de influenciar hábitos e até lançar modas; o topete combinado com costeletas de Brendon e a franjinha comportada de sua irmã, Brenda, caíram no gosto do público jovem de tal forma que viraram uma espécie de “au concours” dos penteados durante praticamente toda a década de 90.  

No momento em que ouvi o inconfundível riff de guitarra da abertura, tive que largar o que estava fazendo e me dedicar integralmente a assistir o episódio. Ao final, confesso que fui tomado por um misto de nostalgia e perplexidade: mesmo havendo a nítida intenção dos roteiristas em prestar um bom exemplo para a garotada, impressionou a carga excessivamente consumista presente no cotidiano de quase todos os personagens. Arrisco-me inclusive a duvidar que uma série nestes moldes chegasse a ser produzida em tempos de patrulha do politicamente correto.

A breve jornada ao passado – que iniciei ao sentar em frente à televisão- não funcionou conforme o esperado. A saga dos irmãos Walsh não me forneceu elementos que ajudassem a explicar quem eu era nestes tempos pré-Lula, pré-onze-de-setembro, pré-Los-Hermanos, pré-faculdade, pré-internet, pré-tetracampeonato, pré-primeira-namorada. Pelo visto, o grande reencontro que se dará amanhã será comigo mesmo…

A era do tosco

sex, 12/12/08
por Bruno Medina |

be-kind-rewind-movie-10.jpgChega hoje às telonas brasileiras “Be kind rewind” (em português, “Rebobine, por favor”), o mais recente trabalho de Michel Gondry. Para quem não está ligando o nome a pessoa, o cineasta francês é o mesmo que esteve por trás das câmeras no clássico instantâneo “Brilho eterno de uma mente sem lembranças” (2004), filme que teve Kate Winslet e Jim Carrey como protagonistas.

Gondry passou a ser um dos diretores mais cultuados da novíssima geração a partir do final da década passada, quando integrou um time de profissionais (Chris Cunningham, Spike Jonze, entre outros) que em poucos anos conseguiu a façanha de conceber alguns dos melhores vídeos musicais de todos os tempos.

Björk, White Stripes, Chemical Brothers e Daft Punk (naquele das caveirinhas que dançam) são exemplos de artistas que souberam se beneficiar de seu enorme talento antes que a crise do setor reduzisse consideravelmente os orçamentos destinados para os videoclipes. Quem ficou curioso não se arrependerá de correr atrás de “The work of directors”, box de dvds que compila os melhores trabalhos dos caras, imperdível.

Mas voltemos a “Rebobine, por favor”; a ótima trama gira em torno de uma improvável e decadente locadora cujo acervo é composto apenas por filmes em VHS. Não bastasse a ameaça de interdição do prédio, Jerry (Jack Black), mecânico paranóico e amigo do proprietário (interpretado por Danny Glover), envolve-se num acidente que o torna um emissor de radioatividade. Uma das constantes visitas que faz ao estabelecimento é suficiente para apagar o conteúdo de todas as fitas, o que representaria nada menos do que a falência definitiva do negócio.

Desesperados pela desgraça anunciada, Jerry e o balconista Mike (Mos Def) resolvem munir-se de uma filmadora caseira para recriarem – em reposição aos originais- blockbusters como “Caça-Fantasmas”, “Conduzindo Miss Daisy” e “King Kong”, na esperança de ludibriarem a clientela em troca de um pouco mais de tempo. A precariedade dos registros aliada às péssimas atuações garantem o sucesso absoluto do empreendimento, propiciando à locadora um faturamento que esta nunca teve.

“Rebobine, por favor” deve agradar em cheio aos amantes dos anos 80 e a quem mais enxergar na arte de fazer cinema uma tarefa artesanal. Engana-se, porém, quem pensa que este é um filme nostálgico. Apesar de se valer de muitos elementos estéticos do passado, Gondry aborda um tema que não poderia ser mais atual: na tentativa de refilmar as grandes produções hollywoodianas sem nenhum orçamento, Mike e Jerry transformam-se em mais dois adeptos da “Era do Tosco”.

Calma, não se trata de um destes movimentos que você deveria conhecer, até porque esta é uma denominação que acabei de inventar. Por mais que não haja um termo específico para designar o fenômeno, é bem provável que você já tenha notado como a estética do amadorismo tem se tornado cada vez mais bem-vinda e perceptível por aí. Está nos filmes, nos clipes, nos sitcoms, nas propagandas da TV, nas séries transmitidas pela internet e onde mais bastar uma boa idéia e uma câmera ligada.

Não é preciso ser nenhum acadêmico para concluir que a predominância deste novo dogma está diretamente relacionada à popularização do Youtube. As transformações decorrentes da onda do “self-made” ainda são recentes, mas acredito que muito em breve conseguiremos avaliar o impacto que representa esta verdadeira mudança de paradigma.

O filme de Gondry, sem dizer explicitamente, propõem discussões sobre a democratização do conteúdo e sobre como a “Era do Tosco” pode resultar numa completa reestruturação de valores. A facilidade do acesso aos meios de divulgação aponta para o surgimento de artistas que independem de patrocinadores, padrinhos poderosos ou verbas astronômicas. Mais do que permitir um explosão cultural sem precedentes, o que esta época nos proporciona de melhor é a sensação de que o próximo talento a ser revelado para o mundo pode morar logo ao lado. Ou quem sabe estar escondido dentro de nós.

Arte ou crime?

ter, 09/12/08
por Bruno Medina |

spray1.jpgO Brasil é realmente um país de contrastes. A começar pela eficiência de nossa justiça e por sua incompreensível capacidade de se alternar entre pólos antagônicos. Costumamos classificá-la como digna de terceiro mundo quando sua vulnerabilidade – evidenciada pela permissividade de recursos em efeito cascata – garante a assassinos confessos o direito de aguardar seus eternamente protelados julgamentos em liberdade.

Outras vezes assume ares de primeiro mundo, demonstrando a rigidez e o comprometimento que se esperam dela, embora tais características, das quais deveríamos nos orgulhar, insistam em incidir apenas sobre os menos abastados. Hoje o noticiário me lembrou de algo que já havia esquecido. Um crime (?), destes que normalmente nem despertam mais comentários entre os amigos, mas cujo tempo parece estar se encarregando de tornar importante.

Já se vão 40 dias desde que Caroline Pivetta Mota, 23 anos, foi detida na Penitenciária Feminina de Sant’Ana, na capital paulista. A infração que supostamente cometera foi invadir a Bienal de Arte de São Paulo, em meio a dezenas de outros pichadores (se é que esta definição se aplica), para “intervir” no enorme espaço deixado vazio pela curadoria da exposição. Um ato impensado pelo qual Caroline está pagando, digamos, de forma “exemplar”.

A palavra me aborrece, por isso as aspas. A justiça deveria ser justa, não exemplar. Ao se meter nesta enrascada, Caroline nem poderia prever que corria o risco de ser pega como bode expiatório. Quem sabe até seus dias atrás das grades possam servir de exemplo para desencorajar seus colegas pichadores em futuros atos de depredação do patrimônio alheio.

Este caso me lembrou bastante o enredo de Edukators (2004). No filme, passado na Alemanha, a protagonista da história é uma estudante condenada a pagar quantia exorbitante relativa aos danos causados por seu carro à Mercedes de um rico empresário, num acidente automobilístico. Devido a sua precária situação financeira e considerando o valor do carro, o montante fora parcelado em prestações que se arrastariam por mais de uma década, obrigando-a a trabalhar quase que exclusivamente para sustentar sua dívida.

O episódio descrito aponta para a pergunta que também ecoa no caso de Caroline: teria havido excesso de rigor na punição? Pelo que sei, ao menos por aqui, jovens flagrados espalhando suas inscrições pelos muros da cidade não costumam ficar detidos por um período tão longo, muito menos numa penitenciária por onde já passaram criminosas da estirpe de Suzane Von Richthofen e Ana Carolina Jatobá.

O argumento da defesa se apóia na tentativa de descaracterizar o ato como invasão de propriedade, ao passo que contesta a idéia de que Caroline tenha, de fato, cometido qualquer crime. Segundo sua advogada, os próprios responsáveis pela Bienal teriam incentivado a interação do público com o vazio. Sendo assim, talvez tenha faltado estabelecer limites mais claros para tal. A questão resvala então, inevitavelmente, em outra: afinal, quais são as fronteiras que separam o grafite, tido como arte, da pichação, tida como crime?

Caroline espera em sua cela que se chegue logo a alguma conclusão.

Nada se cria…

sex, 05/12/08
por Bruno Medina |

rod1.jpg Justo quando achei que o Coldplay fosse assunto superado neste blog, eis que o nome da banda ressurge com força total, graças a uma nova polêmica. Desta vez, a questão não se relaciona à repercussão de nenhuma declaração proferida pelo falastrão Chris Martin, mas sim a uma improvável acusação de plágio, levantada por ninguém menos do que Joe Satriani.

O instrumentista americano não hesitou em recorrer ontem a um tribunal da Califórnia movido pela convicção de que a canção “Viva la vida” – gravada pelo grupo britânico em álbum homônimo – possui trechos idênticos a “If I could fly”, faixa de sua autoria, lançada em 2004.

A notícia causou surpresa, afinal não é todo dia que ídolos mundialmente conhecidos se envolvem numa desavença destas proporções. Se por um lado é até esperado que bandas capazes de gerar milhões através de suas músicas sejam alvos preferenciais de compositores supostamente lesados, por outro não é nada comum que denúncias desta gravidade partam de músicos consagrados.

Levado por irresistível curiosidade, saí em busca das duas faixas, afim de ouvi-las em seqüência e atestar o grau de parentesco existente entre elas. Posso dizer que já tenho opinião formada, mas é claro que vou deixar para revelar mais tarde, pelo prazer do suspense.

Antes do veredicto, porém, é válido recapitular ocasiões em que se levantou suspeitas quanto à originalidade de algumas músicas de sucesso. Talvez ninguém se desse conta, mas Renato Russo preferiu admitir de antemão que o verso inicial de “Será” fora integralmente chupado de “Say Hello Wave Goodbye” (Take you hands off me/ I don’t belong to you), do Soft Cell. Ponto para ele. Outra que a Legião Urbana pegou “emprestada” foi “I Don’t Care” dos Ramones, prima de primeiro grau, no mínimo, de “Que País é Esse?”

Lembro que na época em que os Tribalistas lançaram “Já Sei Namorar” chegou a ser comentado que o “tchururu” introdutório da música mais do que lembrava a melodia de um hit radiofônico da década de setenta, composto pelo Sly and Family Stone. O processo só não foi formalizado por falta de uma maneira mais eficiente de comprovar a inspiração.

Um dos casos mais gritantes de plágio da história da música foi também protagonizado por um renomado artista brasileiro. Em 1978, Rod Stewart (na foto) esteve de passagem por estas bandas e, além das lembranças de antológicas noitadas no Rio, resolveu levar para Escócia, bem acomodado em sua bagagem, um precioso souvenir: o “tê-tê-tê-tê-têreretêtê” de “Taj Mahal”, obra do genial Jorge Ben Jor. “Do You Think I’m Sexy?” alcançou o topo das paradas britânicas, mas não sem antes ceder todo o montante dos direitos autorais arrecadados em prol da Unicef. Saiu barato.

É bem provável que Ben Jor tenha preferido entrar em acordo com os gringos a se submeter ao penoso processo de comprovação de plágio. Pelo menos no Brasil a legislação determina que só há dolo quando existem sete compassos idênticos e consecutivos em duas obras. Mesmo os leigos no assunto devem estar aptos a concluir que este é um critério bastante relativo. Se o trecho copiado tiver a duração de seis compassos, por exemplo, não se configura o plágio. A rigidez da regra aplicada à matéria tão subjetiva é falha e deixa diversas lacunas.

Basta citar que a célebre melodia resultante do diálogo entre cientistas e alienígenas no filme “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” de Steven Spielberg pôde ser utilizada ao longo de anos e sem maiores preocupações nas vinhetas da extinta TV Manchete. Eram só cinco as notas…

Grande parte das menções honrosas, homenagens, citações – ou qualquer outro eufemismo que sirva para tirar o peso do termo ‘plágio’ – escapa aos rigores da lei. Minha breve experiência na música, e menor ainda na literatura, já me rendeu provas da vulnerabilidade da propriedade intelectual. O jeito é relaxar e aceitar que no dito mundo globalizado esta noção de posse caducou. Como diz o ditado, na lógica de hoje “nada se cria, tudo se copia”.

De volta à discussão inicial, o advogado que representa Joe Satriani confirma a intenção de o músico receber do Coldplay compensações por danos morais e por todo lucro obtido pela tal música, o que deve ser mais do que suficiente para qualquer um tirar o pé (ou o braço da guitarra) da lama. Não custa lembrar que “Viva la vida” foi um dos discos mais vendidos de 2008 e concorre a sete indicações para o Grammy, uma delas na categoria “canção do ano”.

Entrar com o processo foi fácil, difícil mesmo será provar que houve intenção de plágio por parte de Chris Martin e seus colegas. Acho que faltou um amigo disposto a bater no ombro do guitarrista e dizer: “sai dessa, cara”. O início do refrão das duas músicas tem, de fato, algumas notas em comum, no entanto me pareceu mais coincidência do que propriamente intenção. Trata-se de um daqueles clichês melódicos que não pertencem a ninguém, estão por aí, no ar, desde os tempos dos Beatles. Vai ver o talentoso Satriani até sabe disso, mas preferiu se fazer de bobo e aproveitar para tirar uma onda, além de valorizar o próprio passe.

Os dez mais

ter, 02/12/08
por Bruno Medina |

raul.jpgEntramos na reta final de 2008 e, conforme dita a tradição, é chegado o momento de sucumbir ao incontrolável impulso de recapitular os últimos 12 meses. Está aberta a temporada de análises, previsões, retrospectivas e listas de toda sorte; a maneira mais eficiente (e preguiçosa?!) que há para resumir e empacotar o ano que passou. Quando no futuro torna-se conveniente acessar este arquivo de alguma estante empoeirada da memória, as tais listas servem como providenciais etiquetas.

No meio musical uma das mais famosas é a elaborada pelo semanário inglês New Music Express. A respeitada publicação costuma eleger aqueles que mais se destacaram durante o ano e, consequentemente, apontar quem serão os próximos a merecer nossa preciosa atenção. Em 2007, a brasileira(?) Lovefoxx, vocalista do CSS, apareceu entre as 10 figuras mais influentes da atualidade, o que, convenhamos não é pouca coisa.

Desta vez, além da lista convencional, a revista resolveu propor aos leitores uma votação diferente, dispobilizada em seu site; uma escalação dos 20 artistas tidos como mais “cool” de todos os tempos. As prévias tiveram nas cinco primeiras colocações os nomes de John Lennon, Jimi Hendrix, David Bowie, Bob Dylan e Kurt Cobain, nesta ordem.

Ao tomar conhecimento do ranking, talvez sugerido ainda pela pressão do calendário, não pude resistir ao comichão que me incitava a pensar em como seria a versão nacional desta competição. Afinal, quem seriam os ídolos brasileiros cujo estilo e carisma contribuíram verdadeiramente para a definição dos rumos seguidos por nossa música? Quem foram os que ditaram moda, os que inauguraram épocas, os que causaram inveja, enfim, aqueles que empataram ou até superaram o próprio talento em função de suas irresistíveis personalidades?

Que pepino! Agora não tem mais volta. A seguir, minha lista dos 10 mais “cool” da música brasileira. Antes de inaugurarmos o debate, que fique bem claro: o que está em julgamento não é apenas a matéria musical.

10o lugar: Marcelo D2 – Desde os idos do Planet Hemp, D2 trilha uma caminho bastante interessante e original. Sem a banda que o lançou, soube se reinventar na incessante busca pela “batida perfeita”. Samba e hip hop fundiram-se num novo estilo que ele inventou e soube tornar popular.

9o lugar: Paulo Ricardo – Verdade seja dita, este foi o cara mais cool dos anos 80. À frente do RPM, tornou-se o principal responsável pela explosão do rock nacional, o que rendeu a “Rádio Pirata ao vivo “ a maior vendagem de discos da história do segmento. A histeria de suas fãs não respeitava qualquer critério, era loucura mesmo. Que o digam a legião de namorados ciumentos que queriam sua cabeça num prato.

8o lugar: Marisa Monte – Marisa não dá bola fora. Em 20 anos de carreira soube criar uma trajetória linear de sucessos, em todos os campos. É um dos raros exemplos de artista que concilia boas críticas e público. Sabe se preservar e possui total domínio dos aspectos profissionais que a cercam. E, como se ainda fosse preciso, canta como ninguém.

7o lugar: Seu Jorge – É o mais competente e versátil cantor da atualidade. Dono de uma musicalidade fora do comum, sua voz faz jus aos grandes representantes da categoria. Seu Jorge garantiu espaço no primeiro pelotão da MPB pelas beiradas, de fora para dentro, primeiro no exterior, depois em seu país. Sua imagem é a própria definição do jeito brasileiro de ser cool.

6o lugar: Raul Seixas – Quem o via em ação corria o risco de esquecer o grande compositor que era. Como podia um maluco daqueles fazer músicas tão boas? Raulzito seguia dizimando hipocrisias e sem se importar com as classificações. Incrível como a sociedade alternativa por ele idealizada ainda hoje desperta seguidores. Um dos ídolos mais autênticos que o país já teve.

5o lugar: Chico Science – Liderou a banda que influenciou criativamente uma geração carente de referências válidas. Suas músicas, o manguebeat em si, e Pernambuco tornaram-se um alívio em meio a tanta bobagem. Este movimento trouxe à tona uma refinada combinação entre contemporâneo e tradicional, o rock associado às genuínas raízes brasileiras de uma forma que nunca havia sido feita antes. Longe de dar conta de toda a sua multiplicidade, as imagens de Chico Science emergindo do mangue no clipe “Da lama ao caos” são de uma força estética impressionante.

4o lugar: Ney Matogrosso – Em plena ditadura, Secos e Molhados pareciam mais uma invasão extraterrestre no melhor sentido do termo. Ney rebolava, cantava e se vestia de uma maneira que simplesmente não podia ser definida pelos padrões da época. Uma figura andrógina, idolatrada por idosos e crianças; suas performances derrubaram tabus. Fora que no quesito presença de palco até hoje não encontrou concorrentes.

3o lugar: Roberto Carlos – O que dizer de Roberto Carlos? Fenômeno juvenil, galã, ídolo da terceira idade, foram tantas as facetas assumidas pelo rei nestas quatro décadas que fica difícil comparar seu legado com o de qualquer outro artista no mundo. Ocupa a 3a posição desta lista pela excelência do conjunto de sua obra, que envolve as composições, os filmes e tudo mais que você já ouviu, viu e ainda verá.

2o lugar: Rita Lee – É cool e tantas outras coisas mais que nenhum termo sozinho conseguiria qualificar. Uma artista completa e complexa. A irreverência tornou-se marca registrada, porque não há quem consiga ter mais presença de espírito do que ela frente ao microfone. Nas entrevistas também não deixa barato. Do figurino aos refrões, passando pelos cabelos, nela quase tudo pode virar uma referência instantânea. O que pode ser mais cool do que isso?

1o lugar: Tom Jobim – Sem nenhum distanciamento crítico, indiscutivelmente é dele o primeiro lugar desta lista. Aos que discordam, que tal rever algum dos diversos vídeos disponíveis na web de sua antológica apresentação ao lado de Frank Sinatra no Carnegie Hall, em meados dos anos 60? Lá estava Tom, esbelto, num terno impecável, tocando para uma platéia absolutamente extasiada por suas músicas. Mais do que o embaixador fundamental de nosso país, Tom foi a personificação da bossa nova na época em que ainda éramos considerados o país do futuro. O jeito displicente e charmoso ao piano era arrebatador. E Tom ainda deu nome a um aeroporto!

Discordou da lista? Então me diga o porquê.



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