Até que a lista os separe
Os últimos cem anos dificilmente deixarão de ser lembrados pelas futuras gerações como o período no qual ocorreram os mais significativos avanços tecnológicos da história da humanidade; os adventos da aviação, das linhas de montagem, das viagens espaciais, da penicilina, da televisão, da computação e, posteriormente, da internet -apenas para citar alguns exemplos- atestam a relevância de nossa época no que se refere ao surgimento de conceitos que ditarão os rumos a serem seguidos nos próximos séculos.
Cabe, no entanto, ressaltar que quase toda conquista traz consigo a reflexão quanto às transformações conseqüentes de sua aplicação na prática, bem como a dimensão de seu impacto nas relações pessoais. Estas sim representam a verdadeira prova dos nove para qualquer invento, um efeito considerado praticamente imprevisível por seus criadores. Inseridas numa esfera muito distante da revolução propiciada por aviões e computadores, mas nem por isso menos populares, encontram-se outras tantas pequenas invenções destinadas a conceder maior praticidade às tarefas do cotidiano.
Uma delas, sem dúvida, é a lista virtual de casamento. Imagino que vocês já estejam familiarizados com o conceito: às vésperas do grande dia os noivos entram no site de uma loja de departamentos com o objetivo de escolher itens para compor seu novo lar. A lista normalmente é bastante numerosa e variada, pois uma de suas principais funções é atender a qualquer tipo de orçamento. O convite recebido por amigos e parentes possui a indicação da loja em que será possível comprar os objetos cobiçados pelos pombinhos -e até mesmo enviar um cartão personalizado- sem sequer sair de casa, contando assim com a providencial comodidade de evitar shoppings lotados, filas e vendedores pouco atenciosos.
Uma maravilha do mundo moderno, era o que pensava antes de acessar o site da tal loja, à procura de um presente que atenuasse minha ausência num casório a ser realizado no final desta semana. Devido a alguma razão desconhecida o convite só chegou em minhas mãos há poucos dias, o que, obviamente, me deixou em enorme desvantagem em relação aos demais convidados. Para mim sobraram apenas os presentes que os outros não quiseram dar, ou porque julgaram serem supérfluos, ou porque eram caros demais.
Frente as condições pra lá de adversas solicitei que os itens fossem dispostos por ordem de preço, a começar pelo primeiro, um recarregador de pilhas. Sou só eu ou esta não seria exatamente a maneira mais adequada de felicitar um casal prestes a ingressar nesta bela etapa de suas vidas? Segue a lista: tocador de mp3 portátil, telefone celular, barbeador elétrico, será que estou mesmo no endereço certo? Cadê os pratos, as baixelas e a petisqueira?
Não muito atrás, na era pré-internet, acredito que as opções faziam mais sentido. Sinal dos tempos. As listas de casamento via web viraram febre e propuseram outras regras para o jogo; os noivos, munidos de todas as opções oferecidas pelas lojas virtuais, capricham na criatividade, em muitos casos deixando de lado o questionamento quanto a real utilidade do presente. Os convidados, por sua vez, navegam entre produtos esdrúxulos em busca de algo que caiba em seus bolsos.
Os noivos sabem que a lista representa a melhor chance de obterem itens que nunca teriam coragem de comprar com o próprio dinheiro, aqueles sentenciados a quase nunca saírem do armário da cozinha, tais como máquinas de waffle e conjuntos com 12 taças de champanhe. Não é preciso ser criterioso no momento de elaborar os pedidos, afinal ainda lhes resta a alternativa de trocar vários objetos de menor valor pelos que ninguém arrematou. Por conta disso não raro as benditas listas passam a ser mais importantes do que a própria oficialização do compromisso, ou você nunca ouviu falar no “casei só por causa dos presentes”?
Quanto a mim, melhor tomar fôlego e mergulhar de cabeça no que ainda pode ser comprado. Nestes casos sempre vale ser generoso um pouco além da conta do que ficar com aquela sensação de que o presente escolhido vai deixar de ser uma boa idéia antes mesmo do casal voltar da lua-de-mel. Não sei se serve de consolo, mas poderia ser pior. Imagine se eu tivesse sido convidado pro casamento da Sandy?