Livin’ la vida eleitoral?
Primeiro veio o nascimento do Vicente, trazendo consigo a abrupta necessidade de se adequar a um novo estilo de vida que incluí outros horários, visitas assíduas e telefonemas freqüentes. Depois, ainda no olho deste furacão, em pleno período probatório, a exaustiva viagem bate e volta para a Argentina, a estréia em bimotores e agora isso… olha, às vezes tenho quase certeza de que certas coisas só acontecem em minha vida para que eu posso vir aqui descrevê-las.
Parece que o destino, caprichosamente, se encarrega sempre de me pautar, talvez para se certificar de que eu nunca seja acometido pela temida falta de inspiração. Seja por essa razão, por sorte, por azar ou por coincidência, ontem recebi uma carta do Tribunal Regional Eleitoral que me convocava para desempenhar a função de supervisor de local de votação nas próximas eleições.
Meu primeiro impulso foi picar a carta em pedaços bem pequenos e engoli-la, ali mesmo, na caixa de correio, evitando assim que houvesse qualquer evidência, qualquer prova física da intimação (pausa de contenção). Prometi a mim mesmo que tentaria chegar ao final deste texto sem escrever nada que me comprometesse ou se configurasse como crime eleitoral, espero que consiga.
(continuando) Foi, no entanto, inevitável lamentar a equivocada decisão de transferir o título de eleitor para uma seção mais próxima da minha atual residência; é sabido que operações desse tipo catapultam o indivíduo do anonimato assegurado pela homogênea base de milhares de eleitores direto para a tela do terminal de algum funcionário do TRE. O seu nome ali, piscando no monitor, afinal pra que se dar ao trabalho de escolher outro?
Fico aqui tentando imaginar quais seriam as obrigações de um supervisor de local de votação. Será que a função implica checar constantemente a temperatura da sala, verificar se há papel higiênico nos banheiros, trocar a garrafa térmica do café e organizar a fila de eleitores? Ou será que vou ser um daqueles caras que digitam os números de inscrição de todos os votantes, auxiliam os idosos a se entenderem com as urnas eletrônicas e, ao final, ainda ficam responsáveis por totalizar os votos da seção, sob risco de serem processados caso cometam algum erro?
Nada disso. Pela sugestão implícita na denominação do cargo, os supervisores de local de votação devem ser incumbidos da delicada tarefa de conter os ânimos entre os fiscais dos partidos, bem como denunciar à policia algum militante flagrado fazendo boca de urna. Deve ser minha função, também, pedir para aqueles engraçadinhos tirarem a camisa com o emblema do partido ao adentrarem o local de votação. Quantas dúvidas! O pior é que o portal do TRE não faz nenhuma menção específica ao meu cargo, deve ser o aspone do
aspone dentro da hierarquia eleitoral. Ah, se ao menos eu fosse presidente de mesa…
O devaneio cívico descrito teve curta duração, mais ou menos o tempo de sentar em frente ao computador e conferir minha atribulada agenda, para, em seguida, constatar que tenho compromissos profissionais conflitantes com o período solicitado pela pátria, um deles, inclusive, no exterior. Este fato me reserva o direito de requisitar a dispensa das obrigações eleitorais, em carta já endereçada ao Excelentíssimo Juiz. Caberá a ele decidir o desfecho dessa história. Não se dêem ao trabalho de me avisar, tenho plena consciência de que estas convocações costumam ser reincidentes, pelo menos até eles perceberem que escolheram um cara que só trabalha nos finais de semana.