O dia do quase nunca

sex, 29/02/08
por Bruno Medina |

brunomedina29022008.jpgDeitado em meu sofá da inspiração – como já se tornou costume antes de escrever os posts – pensava sobre que tema desenvolver nessa bela sexta-feira que se insinua. Recapitulando os acontecimentos da semana (não, eu não tenho um caderno de anotações), quase me escapou que hoje é 29 de fevereiro, o dia que só acontece a cada 4 anos.

A percepção previsivelmente aguçou meu senso de oportunidade, afinal, não haveria outra chance de abordar o assunto antes de 2012. E, por via das dúvidas, melhor garantir. Pois bem. Antes de mais nada cabe esclarecer a razão pela qual, às vezes, os anos precisam ter 366 dias: a medida visa corrigir uma discrepância entre nosso calendário e o tempo de translação da Terra em volta do Sol.

Como descrito no esquema acima, um ciclo completo em torno do astro rei é feito em exatos 365 dias e 6 horas, ou seja, a cada 4 anos, 24 horas. O que pouca gente sabe é que a regra possui exceções; o ano é bissexto apenas se o número for divisível por 4, a não ser que termine com dois zeros, ou então se, no dia 31 de dezembro do ano anterior, cair menos do que 32 milímetros de chuva sobre o topo do Monte Sinai. Tá bom, essa última eu inventei.

O chato é que quem nasce justo nesse dia – e não tem nada a ver com os movimentos do universo – acaba quase sempre privado de comemorar o aniversário como deveria. Talvez não menos chato do que isso seja passar a vida agüentando piadinhas sobre não envelhecer. Indo mais adiante, acredito que a maioria deva estabelecer uma data extra-oficial para festejar o dia do nascimento.

28 de fevereiro ou 1º de março? Quando devem ser dados os parabéns? Ou será que a praxe é mesmo esperar pela data certa? Agora imagine que gafe, por falta de hábito, acabar esquecendo de parabenizar um ente querido que aniversaria no bendito dia. O jeito é esperar quatro anos para se redimir.

Fora tudo isso, como ficam as questões legais? Porque, teoricamente, carteira de motorista só a partir dos 72 anos. Gratuidade nos ônibus, apenas para os que provarem ter 240 anos ou mais! Pelo menos uma vantagem é não ter que receber todo ano cartinhas do dentista e do gerente do banco, ou aqueles telefonemas amando de pessoas que você mal conhece proferindo mensagens de aniversário padronizadas. Mas será que também nesse caso não ocorre uma “adequação”?

Bom, se algum de vocês conhecer ou encontrar hoje por aí alguém comemorando aniversário, por favor, não perca a rara oportunidade de esclarecer essas dúvidas. Aproveite também para abrilhantar com sua visita a página dedicada à data na Wikipédia.

Não espere, no entanto, encontrar fatos históricos marcantes ou dados muito atualizados. Por motivos óbvios, tudo se mantém exatamente do mesmo jeito desde 2004. Ninguém sabe dizer qual é o dia de São Nunca, mas garanto que 29 de fevereiro é próximo.

Água de beber

ter, 26/02/08
por Bruno Medina |

brunomedina26022008.jpgPor vezes sou levado a crer que possuo um especial e inútil talento para observar coisas que quase ninguém nota ou se interessa, e o pior é que gosto disso. Sobre a CPI dos cartões coorporativos, a rodada de jogos do final de semana e o Oscar já tem um bando de gente escrevendo, até muito melhor do que eu faria, então por que não dar espaço a essa infinidade de temas inéditos e potencialmente relevantes que costumam ser desprezados por grande parte de nossos principais cronistas?

Deixemos de lado por um instante a definição descritiva desse blog, pois realmente admito que não há nada de extraordinário na cena que sintetiza esse texto: domingo nublado, meio-dia, eu e minha mulher, em uma loja de departamentos lotada, decidindo qual dentre sete tipos de filtros escolher.

Fomos apenas mais duas das vítimas de um fenômeno do qual só há pouco me dei conta; uma nova e discreta onda paranóica assola a população, possivelmente impulsionada por alguma dessas matérias alarmista que, de tempos em tempos, reescrevem os dez mandamentos necessários para se obter a tão sonhada longevidade. Esqueçam os exercícios físicos, os malefícios do álcool e do tabaco, a alimentação saudável, a minha e a sua qualidade de vida agora dependem da pureza da água que bebemos.

Podem reparar nos encartes dos jornais, nos anúncios de revista, recapitulem as conversas e percebam se ao menos um de seus parentes ou amigos não manifestou preocupação ou desejo de comprar um desses filtros ultramodernos? A obsessão quanto a excelência da água consumida não chega a ser inédita, basta lembrar da coqueluche que foram aqueles filtros de ozônio durante a década de 90.

Também quem não se renderia aos benefícios (quaisquer que fossem eles) obtidos a partir do acionamento de um interruptor que disparava aquele raiozinho roxo enquanto a água saía? Se o ozônio da camada que envolve o planeta está se extinguindo, pelo menos no copinho d’água estava garantido, né não? Logo depois vieram aqueles garrafões transparentes, muito difundidos até hoje. O problema é que eles são pesados, precisam ser solicitados com antecedência e sempre acabam num momento impróprio.

Pronto, terreno livre para o surgimento da quarta geração de filtros, representada por esses trambolhos caríssimos que possuem até sistema de refrigeração para a água já sair gelada. Eles são ótimos, mas ocupam bastante espaço e custam quase tanto quanto uma geladeira. Na loja a vendedora tentava me convencer a levar um desses, alegando que eram os únicos com o sistema de filtragem em 3 câmaras individuais. Eu só conseguia pensar na época em que os únicos filtros disponíveis no mercado eram aqueles de cerâmica, que deixavam gostinho de barro na água e deviam ser a alegria das bactérias.

Essa mística da água pura deixou de fazer sentido pra mim a partir de quando testemunhei um dos pedreiros que trabalharam numa obra aqui em casa enchendo garrafas na pia e colocando-as na geladeira. Durante 6 meses a água que bebi sequer foi filtrada, e aqui estou para contá-los essa história. Por conta disso acabei optando por um filtro com retro-lavagem, que não é o último grito em termos de moda mas, ainda sim, funciona muito bem.

Aposto que daqui a dois anos, ou antes disso, o filtro que comprei será considerado uma peça de museu. A quinta geração já se anuncia: assim como a demanda dos consumidores fez surgir a TV fechada, o futuro da água consumida em casa aponta para os filtros de assinatura mensal.

Em meio aos dogmas sugeridos pela perseguição de uma qualidade de vida cada vez mais inalcançável, fica a imagem do garotão aí de cima, saindo da pelada com os amigos e saciando a sede na primeira bica que viu pela frente, num tempo em que saudável mesmo era jogar bola.

Mensagem na garrafa

sex, 22/02/08
por Bruno Medina |

messagemedina22022008.jpgEsse negócio de escrever na internet é mesmo engraçado. Quando criei o Instante Anterior, há seis anos, enviei um e-mail para apenas 33 amigos disponibilizando o link e pedindo visitas. Na época os blogs não eram tão populares quanto hoje e sua função principal ainda em muito se restringia a servir como diário. Imbuído da pessoalidade sugerida pelo formato, publicava posts pensando conhecer completamente minha parca audiência, como se fosse possível ter controle sobre o conteúdo que produzia e jogava na rede. Ledo engano.

Três meses depois, qual não foi minha surpresa ao constatar que a página contabilizava mais de 1.000 acessos diários? A transformação numérica ocorrida entre os leitores foi muito mais ágil do que minha capacidade de assimilar as adaptações que a nova realidade passou a exigir.

Lembro-me exatamente do momento em que percebi a necessidade de tomar cuidado com as palavras: certa vez comentei o fato de que meu desodorante preferido havia sido descontinuado pelo fabricante. Uma leitora solidária ao meu drama resolveu escrever para a empresa solicitando que o produto voltasse imediatamente às lojas. O motivo alegado para tal era que uma pessoa muito querida, que possuía muitos fãs, estava frustrada, e isso era imperdoável!

Agradecido e desconcertado pela pitoresca ajuda, adotei outro marca de desodorante e segui adiante. Algum tempo depois um outro caso me deixoumais preocupado; uma pessoa descobriu meu endereço e passou a mandar cartas e fazer ligações para a minha casa. A sensação ao ter a privacidade invadida foi assustadora. Logo depois do incidente perdi totalmente o estímulo e fiquei sem escrever por mais de um ano.

Foi preciso encontrar uma nova maneira de lidar com o fato de que os textos disponibilizados na rede são como mensagens engarrafadas e jogadas ao mar.

Aprendi que não se pode esperar algo deles, ou mesmo tentar prever o percurso que farão entre as teclas do meu computador e os olhos de vocês, e o que virá depois. Mesmo sabendo disso, fico muito satisfeito quando percebo que alguns temas incitam discussões acaloradas como a que está acontecendo no post aí de cima, sobre o Fidel.

Vez ou outra os assuntos são levados para outros blogs, repercutindo em novas abordagens, outras discussões e por aí vai. Gosto de rastrear esse caminho. Em uma de minhas recentes pesquisas me deparei com um intrigante link que oferecia “Bruno Medina em 12 parcelas sem juros” (?!) e, logo depois, com um texto meu, publicado na íntegra, no site de uma rádio. Apesar de estar devidamente citado, foi estranho ver minhas palavras fora de seu habitat natural. Não mais estranho, no entanto, do que me ver à venda, ainda mais sem juros! Esta aí uma prova incontestável da teoria das garrafas
jogadas ao mar.

O raciocínio se aplica tanto ao meu blog quanto a qualquer outro, afinal ninguém está a salvo das garras desses loucos mecanismos de busca capazes de trazer à tona, praticamente em igualdade de condições, toda e qualquer menção ao tema pesquisado, tenha sido ele redigido por um especialista ou uma criança cursando o primário. E assim a relevância torna-se extremamente relativa.

Esse é o grande desafio. Quais dos milhões de garrafas num oceano de informação serão içadas? Nessa insólita busca pesquei a mensagem da Nina, e o relato de um breve encontro que tivemos em uma loja. Nas palavras dela:

“Essa coisa de blog também é muito engraçada. As pessoas passam a fazer parte da vida da gente de tal maneira que passam a ser velhos conhecidos. No entanto não são… E as vezes é complicado lidar com isso.”

Não sei se ela está falando dela ou de mim. Agora nossas garrafas se trocaram…

Ato final

ter, 19/02/08
por Bruno Medina |

medinafidel1.JPGNo princípio da noite de ontem um histórico acontecimento livrou uma segunda-feira como tantas outras do inevitável esquecimento. Em Cuba, Fidel Castro renunciava a 49 anos consecutivos de poder, bem como sua candidatura a mais uma re-eleição como presidente da ilha.

Nos livros das futuras gerações é possível que haja discordância em relação a qual data exatamente representou o declínio do império socialista idealizado por Fidel. A certeza é a de que 18 de fevereiro de 2008 será lembrado como o ato final que marca a despedida de um dos personagens mais emblemáticos no cenário político do século XX.

Mas, diferente do que possa aparentar, este não é um texto político. Acredito, inclusive, que os especialistas no tema devem concordar que há muito Fidel deixou de dar as cartas no jogo de interesses que decide os rumos do continente. O fim da União Soviética culminou tanto no enfraquecimento de sua influência diplomática como na asfixia econômica do regime cubano, mas não sem antes transferir para local seguro -a salvo dos
tropeços de seu próprio idealizador- o legado de idéias que polarizou o mundo durante a década de 60.

Dono de incontestável carisma e de uma perspicácia invejável, Fidel conseguiu realizar a proeza de sobrepor sua personalidade ao cargo que exercia. O pulso firme e a adoção de medidas extremas que lhe atribuíram a fama de ditador não impediram que se tornasse um ídolo, um mito que perdura os anos, um fenômeno capaz de intrigar os melhores marqueteiros.

Materializado nas camisas que estampam o rosto de seu fiel escudeiro, Che Guevara, e no discurso de jovens de qualquer nacionalidade que se inflam de orgulho ao citar a combalida Revolução Cubana, Fidel vive e sobrevive até à acusação de que ele próprio teria sido indiretamente responsável pela morte do ilustre companheiro.

medinafidel2.JPGRetratado como vilão ou herói, o general rebelde que, a frente de seu pequeno exército, ousou apontar mísseis para o poderoso vizinho, traduziu-se no imaginário coletivo numa associação que remete à história de Davi e Golias. As mirabolantes tentativas da CIA em assassiná-lo através de charutos explosivos, amantes-espiãs e drinques envenenados, inspiraram Hollywood em incontáveis roteiros-clichês de paraísos tropicais comandados
por sedutores comunistas.

Agora me vem a mente a cena de um documentário que assisti sobre a Guerra Fria: Fidel traga seu charuto com a costumeira altivez, dentro do avião que o levaria para discursar na sede da ONU, em Nova York. Um dos jornalistas que acompanhava a comitiva cubana pergunta se ele usaria um colete à prova de balas enquanto estivesse em território americano. Fidel desabotoa a blusa, mostra o peito nu, ri e responde: “não preciso de proteção nenhuma, meu colete é moral”.

Aos 81 anos e bastante fragilizado por seu estado de saúde, Fidel mal esboça as características que o tornaram célebre. Nos últimos anos eram mais merecedores de destaque na imprensa internacional os intermináveis discursos que se estendiam por horas do que as idéias neles contidas. A resistência de sua ilha à pressão capitalista se deve, em muito, aos dólares trazidos pelos turistas.

Fidel assiste ao fim de sua era num espetáculo em que lhe cabe apenas o papel de coadjuvante. O enredo e os atores são muito diferentes dos que se acostumou. O comandante sai definitivamente de cena, deixando igual proporção de admiradores e detratores. Era de se esperar que um personagem de sua complexidade não fosse mesmo unânime.

Distinção X Reprodução

sex, 15/02/08
por Bruno Medina |

mari.jpgNo ano de 2003 uma estudante de moda chamada Mariana de Souza Alves Lima criou um fotolog. Assim como tantos outros internautas, empenhou-se em preencher as lacunas da página com passagens de sua vida e auto-retratos.

Na velocidade de um click no mouse o endereço se espalhou pela rede e muitos passaram a acompanhar as produções de Mariana, que aproveitava a visibilidade recém conquistada para exibir em seus “looks”, as peças de vestuário que criava.

Alguns anos após ter tingido as madeixas com quase todas as cores do arco-íris e de ter se tornado proprietária de uma loja virtual de roupas, a estilista estreou, no final do mês passado, seu primeiro programa televisivo, intitulado “Scrap MTV”, e sagrou-se definitivamente como “musa da internet”.

Mariana ou, se preferir, Marimoon -codinome pelo qual tornou-se conhecida- entrou em minha vida apenas quando começaram a pipocar notícias sobre seu programa. Talvez você, assim como eu, tenha, inexplicavelmente, estado alheio ao fenômeno que ela representa.

A história me despertou especial curiosidade porque sua trajetória atesta uma inversão no curso habitual; a popularidade conquistada através de seus blogs na internet resultou num programa de TV, e não o contrário.

Marimoon é uma da precursoras de um movimento que vem se tornando tendência, assim como sua ascensão comprova o declínio da hegemonia através da qual, por mais de 40 anos, a televisão desempenhou o papel de apresentar “o novo”, principalmente no que se refere ao comportamento jovem.

A influência que a estilista exercia sobre seu público, mesmo antes de tornar-se um ícone televisivo, se materializou na reprodução indiscriminada da imagem de pré-adolescentes, ávidas por se diferenciarem das demais, com seus cabelos cor-de-rosa, exibindo, no topo da cabeças, tiaras de “princesinhas pós-punk” à la Courtney Love.

Como numa tela de Andy Warhol, Marimoon reproduz as antecessoras, ao passo que serve de modelo para suas seguidoras, representando legitimamente a massificação estética e a primazia da imagem em relação ao discurso, tão características do nosso tempo.

A musa parece ter bastante consciência do que a fez se tornar uma celebridade, tanto que a tinta usada em seus cabelos está a venda na própria loja. Distinção é reprodução. Agora percebo que esse post complementa o anterior: procurava a musa do verão nas areias da praia, encontrei-a na tela de LCD.

Quem vai salvar o verão?

ter, 12/02/08
por Bruno Medina |

verao-portugues.jpgA cada dia que passa aumenta minha impressão de que esse verão está sendo realmente atípico. Pelo menos aqui no Rio ele corre sério risco de ser lembrado como a ovelha negra da década, caracterizado pelo indesejado carnaval precoce e uma temporada entremeada por longos períodos de chuva e poucos dias de praia.

Já que ontem começaram as aulas em todo o país – e essa data tradicionalmente funciona como marco zero do calendário produtivo brasileiro – é tempo de dar adeus às férias e iniciar a contagem regressiva para o fim da época mais divertida do ano.

É possível que muitos estudantes nessa segunda-feira tenham ocupado as salas de aula com uma estranha sensação de vazio. Oficialmente ainda restam pouco mais de trinta dias para o término do verão, mas será que ainda há tempo para salvá-lo?

Ok, você está aí em frente ao monitor pensando “esse Bruno inventa cada coisa… imagine, salvar o verão…” , mas eu reitero a necessidade de que algo seja feito urgentemente para que os meses mais quentes de 2008 não passem em brancas nuvens. Duvida? Então me diga quem é a musa desse verão. E qual foi a moda que surgiu nessa estação? Cite pelo menos o hit que está grudado na rádio-cabeça de todo mundo.

Para mim esse verão sofre de uma grave crise de identidade. E se esses meses forem um prenúncio do que está por vir, que ano insosso será! Não sei se acontece apenas comigo, mas os verões tem a capacidade de se tornarem uma espécie de índice dos anos passados, especialmente dos quais tenho poucas lembranças.

Agora mesmo me ocorreram dezenas de memórias sugeridas apenas pela quadrangulação “Meia-Noite e Meia” de Marina Lima, biquíni fio-dental, “Almanaque de férias da Turma da Mônica” e Luciana Vendramini. Bons tempos.

Vai ver que os verões, assim como os concursos de miss, caíram em desuso e perderam a enorme relevância de outrora. Vai ver que os fenômenos derivados do aquecimento global se revelarão um fator preponderante também nas mudanças sociais, e, conseqüentemente, na classificação das minhas memórias. Seja qual for a razão desse hiato, acho que só um milagre é capaz de salvar o verão 2008.

Quem sabe as próximas horas não representem uma chance de fazer esse jogo virar? Parece-me que esse ano futuramente será lembrado mesmo pela sensacional raquete-mata-inseto, febre nas banquinhas de 10 entre 10 camelôs. É certo que não tem potencial para virar uma grande moda, mas, até o presente momento, tem sido a musa de um verão livre das picadas de mosquito.

De volta para o futuro

sex, 08/02/08
por Bruno Medina |

medina080202.jpgSinto-me como quem emerge à superfície depois de um mergulho profundo. Durante os dias de carnaval resolvi experimentar o contrário, o outro lado, me refugiando tão bem da folia que nem o pessoal do G1 conseguiu me encontrar para que fosse publicado o post da última terça-feira.

Dediquei-me a uma espécie de retiro, alheio às mínguas notícias dos jornais e da frivolidade vinda da Sapucaí. Na cidade em que estava carros alegóricos possuem a altura de uma vassoura em pé e, no lugar de modelos e alpinistas sociais seminuas, os destaques do desfile principal são palhaços em surradas fantasias.

Esses mesmos palhaços cruzaram a avenida em seu instante de glória para, no momento seguinte, dedicarem-se a nada glamurosa tarefa de entreter crianças endiabradas ao som de antigos sucessos da Xuxa. Tudo isso debaixo de muita chuva.

A descrição dessa cena dantesca pode sugerir que meu carnaval foi, no mínimo, melancólico. Engano. De certa forma, para quem se queixava de não encontrar um bloco para si, foi reconfortante relembrar as origens da festa, antes que seu sentido fosse parcialmente pervertido pela aglomeração comum às grandes cidades.

Meu senso crítico alerta para o fato de que não há nada mais impróprio do que falar de Carnaval após a Quarta-Feira de Cinzas; é como se houvesse uma ressaca coletiva, causada pela inebriante intensidade do período.

A maioria dos mortais prefere se limitar a comentários superficiais sobre suas aventuras momescas, até porque as histórias (reais ou inventadas) costumam ser bastante parecidas e muito mais interessantes ao olhos de quem as viveu do que aos ouvidos alheios.

É impressão minha ou são também muito parecidos os principais acontecimentos desse e de outros tantos carnavais? Escola de Samba injustiçada pelos jurados, carro-alegórico polêmico proibido de desfilar, rainha de bateria chorando pitangas por ter sido trocada em cima da hora, barraco no camarote da cervejaria. Soou familiar?

Todo carnaval tenho essa mesma sensação de estar aprisionado no tempo, numa história fadada a se repetir indefinidamente. É como se todo ano eu fizesse uma jornada até esse lugar onde é sempre carnaval e tudo acontece da mesma maneira. As lembranças se confundem, 2003, 1997, 1985, 2014, qual a diferença?

No mais, ano que vem, tudo de novo. Melhor então mudar logo de assunto. Removida a redoma de vidro que por uma semana expele qualquer tema não relacionado ao carnaval, a máquina do tempo pode realizar, em segurança, sua viagem de volta para o futuro.

Ah, o alívio dos novos ares… que venham o futebol, a religião e a política! Afinal Romário volta a dar indícios de que pretende se aposentar, a igreja católica se manifestou contrariamente a outra campanha de prevenção à Aids e a farra dos cartões de crédito coorporativos parecem ser o novo escândalo do governo. Em que ano mesmo nós estamos? De repente bateu uma saudade do carnaval.

Elo perdido

sex, 01/02/08
por Bruno Medina |

medina_elo11.JPGA capa do jornal de hoje traz uma manchete que eu, sinceramente, achei que não viveria para ver: “Ciência obtém espermatozóide de mulher”. Posso até reconhecer que temas relacionados à reprodução humana têm me despertado especial interesse, mas, convenhamos que essa não é uma notícia que se lê todos os dias.

Antes mesmo de me inteirar sobre os fatos científicos por trás dessa magnífica descoberta, minha primeira reação foi refletir sobre o futuro da espécie frente a uma mudança tão abrupta nas regras do jogo.

Ao longo das últimas décadas, homens e mulheres têm tornado cada vez mais tênue a linha que divide os papéis desempenhados por cada um em nossa sociedade. Atualmente não é de causar tanto estranhamento, por exemplo, um casal em que o marido cuida da casa e dos filhos enquanto a mulher trabalha.

No mercado profissional, aliás, a equiparação de salários entre os sexos já é uma realidade, sendo que cada vez se torna mais comum encontrar mulheres em cargos de chefia; reforçam a teoria as recentes eleições de Cristina Kirchner e Michelle Bachelet para presidir seus países, bem como o favoritismo de Hillary Clinton para ocupar o salão oval da Casa Branca.

Embora essas conquistas possam ser atribuídas em grande parte à retomada do feminismo nos anos 60, creio que nem as mais engajadas ativistas do movimento, ao queimarem publicamente seus sutiãs, poderiam sonhar em reivindicar que um dia a ciência proporcionasse às mulheres a independência reprodutiva. Caso isso realmente se confirme, o que será dos homens?

Há muito o gênero se encontra ameaçado pela constatação de que nossas maiores funções são mesmo trocar pneus e fazer filhos. Com o advento dos macacos-hidráulicos portáteis e sem exclusividade na segunda, creio que a extinção é apenas questão de tempo. E como seriam, nos próximos anos, as aulas de biologia nas escolas? Professores ensinariam a seus alunos ser a presença do homem na cadeia evolutiva meramente uma possibilidade, e não uma necessidade.

Em uma reação instintiva, a espécie tentaria perpetuar sua utilidade através de uma impensável inversão de comportamentos, quando caberia as mulheres a preocupação de não tomar o famoso “golpe da barriga”. Os homens que tivessem a sorte de se casar não hesitariam em deixar de assistir futebol na TV aos domingos ou em não encharcar o banheiro após o banho, sob o risco de, ao desagradar suas esposas, serem dispensados.

Felizmente a obtenção do cromossomo Y a partir de células tronco da medula óssea feminina ainda depende de complexas técnicas de manipulação genética. Isso nos assegura algum tempo de tranqüilidade, portanto, pelo menos por enquanto, podem continuar saindo para beber com os amigos, deixando o tênis na sala, a cueca suja pendurada na maçaneta da porta do quarto e nem se preocupem em levantar a tábua da privada ao fazer xixi; elas ainda precisam de nós.

Logo abaixo da bombástica notícia que inspirou esse post estava uma outra relativa à descoberta, no interior paulista, da ossada de um animal que ajuda a elucidar a evolução que houve entre dinossauros e crocodilos. Não pude deixar de pensar que daqui a 80 milhões de anos pode ser um fóssil masculino o elo perdido da espécie humana.



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