Mais um?

sex, 28/12/07
por Bruno Medina |

firework.jpgEntra ano, sai ano, é sempre igual: as caixas de presentes ainda estão
amontoadas num canto da sala e é hora da avalanche das retrospectivas, por
todos os lados, para todos os gostos (ainda que, de fato, poucos aturem este
tipo de coisa). As listas de “melhores disso” e “piores daquilo” acabam
desempenhando a relevante função de repassar os acontecimentos ditos mais
relevantes dos últimos doze meses e, inevitavelmente, ajudarão a
confeccionar a etiqueta que colaremos sobre 2007 para lembrá-lo no futuro.

Se eu tivesse que definir esse ano em apenas uma palavra, escolheria
“surpreendente”. Afinal, o recesso da banda interrompeu uma rotina
profissional de 10 anos dentro da música e me colocou em contato com uma
forma de expressão que há muito eu vinha negligenciando. Ter a “palavra”
como matéria-prima é um desafio, especialmente no formato de um blog, o que
exige bastante disciplina e versatilidade, isso para dizer pouco.

Quando em 2002 idealizei o “Instante Anterior” o objetivo era justamente o
de criar um fluxo de escrita, reservar em minha atribulada rotina de
aeroportos, hotéis, palcos, um tempo exclusivo para parar, pensar e
escrever. Alguns anos se passaram e cá estou, numa segunda etapa deste
processo que, gosto de acreditar, me acompanhará daqui por diante, sem prazo
para terminar.

Ter a música em segundo plano, pelo menos durante este período e numa visão
temporal, foi essencial para que minha relação com ela se transformasse. Se
não faço mais shows todo final de semana, posso ter os teclados em casa,
aqui do lado, ligados ao computador, preparados para registrar idéias, para
estudar, e, principalmente, vivenciar e experimentar música sem um propósito
definido. A mudança de perspectiva com certeza desencadeou novos ares, a
começar por este blog.

Nos últimos oito meses foram 71 posts sobre temas diversos. Alguns mais
inspirados (parafraseando leitores e segundo minha própria auto-crítica),
outros nem tanto (idem!), mas, sobretudo, durante todo esse tempo, me
orgulho de lembrar que não houve uma terça ou sexta-feira sequer em que algo
não tenha sido publicado aqui. O mais interessante é perceber que tipo de
reação cada texto desperta, e como é quase impossível prever a reação de
vocês, leitores. E como isso é rico e, sim, muito inspirador ­ por mais que
pareça clichê!

Quando, por exemplo, escrevi sobre a repercussão do filme “Tropa de Elite”
(07/09) e sobre a queda do avião da TAM (20/07), imaginei que minha
indignação arrebataria dezenas de comentários inflamados, não foi bem assim.
Quem explica? E qual não foi minha surpresa com o sucesso do post “Rádio
Cabeça” (29/05), a curiosidade gerada pela história da camareira (14/09) e o
superpolêmico texto das 25 perguntas (13/11)?

Considero ainda que merecem menção o texto que narra meu encontro com a
cobra (04/09) e o “Caça-palavras” (05/10), aquele feito à base de frases
retiradas dos comentários. Juro que não acrescentei nem uma vírgula.

Seria difícil apontar um favorito, no entanto posso afirmar que o mais
divertido de escrever foi “Uma vencedora” (30/10). A astúcia e a falta
absoluta de inibição de Tamara Azevedo conquistaram muita gente. Caso
realmente existisse, não tenho dúvida de que seria forte candidata a faturar
o BBB8.

O meu desejo é que em 2008 a música e a escrita estejam ainda mais
presentes, se bem que, com toda sinceridade, o que mais quero é que cheguem
logo as transformações que o ano promete. No meu caso, especificamente, a
maior delas, maior até do que todas as que já experimentei, ainda não tem
nome certo, nem conseguimos saber o sexo a tempo de comemorá-lo com a
chegada do ano. É que 2008 já é inesquecível pois é quando nasce meu
primeiro filho.

Em uma noite como a de hoje

seg, 24/12/07
por Bruno Medina |

medina20071224.JPG
Todo Natal era a mesma coisa: por mais que Gabriel se esforçasse, nunca havia conseguido presenciar uma visita sequer do Papai Noel à sua casa. Os presentes eram entregues conforme o encomendado pela cartinhas enviadas, mas, conhecer o bom velinho pessoalmente, sempre acabava ficando para o ano seguinte.

Cansado de ver sósias tirando fotos com crianças nos shoppings ­- aliás, alertá-lo sobre o número excessivo de pessoas que se faziam passar por ele era um dos temas principais da conversa pretendida -  Gabriel precisava urgentemente elucidar algumas de suas dúvidas. A curiosidade que o perseguia desde os 4 anos atingiu níveis insuportáveis dois Natais depois, tanto que seus pais estranharam ser o item número um da carta, o pedido mais
importante de todos, justamente conhecer o Papai Noel.

Gabriel sabia que não disporia de mais do que alguns poucos minutos com o velho Noel na noite mais atarefada de seu calendário, portanto era imprescindível ter todas as perguntas na ponta da língua. A primeira delas seria quantos anos exatamente ele tinha, pois o menino havia ouvido sua avó dizer que também esperava pelo Papai Noel quando criança, e, pelas suas contas, isso tinha sido há muito, muito tempo.

Um colega da escola havia lhe pedido que perguntasse se a longa barba branca era de verdade, mas essa Gabriel resolveu deixar por último, afinal existiam questões mais relevantes tais como se ele realmente morava no Pólo Norte, se seus ajudantes eram duendes de verdade e como as renas faziam para voar.
Com a proximidade do encontro a ansiedade crescia tanto que, uma semana antes, avisou a mãe de sua disposição em passar a noite de Natal em claro. O momento aguardado finalmente chegou. Os adultos ceavam na sala enquanto Gabriel observava, de pijamas (imposição do pai), as outras crianças da casa dormirem à espera de, a qualquer momento, serem despertadas pela chegada de eus presentes. O combinado é que ele ficaria de olhos bem abertos para contar aos primos o que havia visto.

As horas se arrastavam, os olhos pesavam e nada. Gabriel torcia para seu bairro ser agraciado com uma visita antes da meia-noite, horário que, assim como Papai Noel, ele só conhecia de ouvir falar. O sono o impedia sequer de pensar e o ruído das conversas vindas da mesa o faziam pular no sofá com o coração disparado, num estado de alerta que denunciava o cochilo. Prestes a entregar os pontos, aceitaria sem ressalvas caso os pais o mandassem para a cama, era o fim.

Caminhando para o quarto, meio dormindo, meio acordado não saberia dizer se o tilintar da campainha que ouvira era sonho ou realidade. Na sala os adultos alvoroçados o chamavam para abrir a porta. Gabriel correu o tanto que pode, mas se atrapalhou com as chaves e, quando finalmente chegou ao hall de entrada, tudo que conseguiu ver foi o saco vermelho de presentes e uma luva branca acenando através da janela da porta do elevador. Foi por pouco.

Apesar do encontro não ter sido exatamente como imaginava, o mais importante agora era abrir a montanha de presentes. Os primos acordaram e o ajudaram a arrastar o pesado saco até o centro da sala. Dois dias depois Gabriel achou as luvas brancas dentro de um armário da cozinha, preferiu não comentar sua descoberta com ninguém. No Natal seguinte os primos menores o perguntaram se naquela noite ele havia visto o Papai Noel entrar no elevador. Gabriel hesitou para, em seguida, responder que sim.

Boas compras e boa sorte!

sex, 21/12/07
por Bruno Medina |

medina_20071221.JPG

Sobrevivi. Essas linhas são a prova cabal de minha plena recuperação em relação à virose que me acometeu no início da semana. Como não existe nenhum tratamento específico para esse tipo de enfermidade além de repouso, ajudou ­- e muito – ter a consciência da proximidade do Natal. Engana-se, no entanto, quem pensa que a razão para minha súbita melhora tenha algo a ver com o tal “espírito natalino”: o que me tirou da cama rapidinho foram as pendências na lista de presentes e o pânico de enfrentar lojas lotadas.

Na última quarta-feira, reuni as forças e os reais que me sobravam e, precisamente às 10h18, adentrei um grande shopping da zona sul carioca. A intenção era seguir um plano pré-determinado, capaz de me levar direto às lojas onde fosse mais provável encontrar os itens que faltavam e sair de lá o mais rápido possível. Normalmente me dedico a essa tarefa no início de dezembro, mas, como todos sabem, é impossível comprar tudo de uma vez só, portanto essa foi a minha terceira investida.

A primeira foi a liquidação de um renomado estilista, promessa, no mínimo, de presentes originais. Chegando ao local tive a sensação de estar num daqueles mercados populares do sudeste asiático; mulheres discutiam enquanto disputavam à unha as últimas peças expostas. O desespero de constatar as araras cada vez mais vazias levava algumas a preferirem tentar a sorte mergulhando dentro das pilhas de itens rejeitados que se acumulavam pelo chão.

Outras deixavam os pudores pendurados no cabide e pareciam não se importar em serem vistas de calcinha e sutiã perambulando pelos corredores. Vinte minutos de gritaria, calor e empurra-empurra foram suficientes para me convencer de que os shoppings, apesar de tudo, ainda são a melhor opção.

Escolher presentes para pessoas queridas pode até ser uma aprazível atividade, não no Natal. Além dos gastos estratosféricos num curto prazo, a idéia de que todas as pessoas buscam a mesma coisa, ao mesmo tempo, não é nada reconfortante. Cada um dos consumidores é um inimigo em potencial, aquele que pode tirar de nós a compra perfeita.

As horas passavam e a minha lista não fechava. As escadas rolantes pareciam entradas de formigueiros, apinhadas de gente carregada de sacolas. Deu inveja. Dentro das lojas, aqueles vendedores insuportáveis que seguem os clientes perguntando “qual é o estilo da pessoa?” e tentando empurrar os itens mais caros. Quando você os ignora eles se afastam, mas não sem antes tentarem fazer com que você se lembre do nome deles, e assim garantirem a comissão. O pior é quando, ao final da compra, eles ainda têm a pachorra de
perguntar: “não quer ver nada pra você?”

Num dado momento estava apenas na dependência de um único presente e disposto a abrir mão de qualquer convicção para encontrá-lo, afim de evitar um outro dia reservado às compras. Fica fácil identificar quem está na mesma situação. São aquelas pessoas caminhando lentamente, esgotadas, com olhar perdido, procurando não mais nas vitrines – e sim dentro de si- um sentido para essa verdadeira maratona. Não sei se sou eu ou o hábito de se dar presentes no Natal – aquele iniciado pelos Tês Reis Magos – se transformou em algo muito distante do imaginado.

De cama

ter, 18/12/07
por Bruno Medina |

medina18_12.jpgDo alto de meu leito olho para o teto e penso se existe alguma coincidência entre ter dedicado o post anterior aos médicos e, dias depois, precisar dos serviços deles. Desde ontem à tarde não consigo levantar da cama para nada além de ir ao banheiro; fui vítima de uma daquelas terríveis viroses, tão comuns no verão. Pensando bem, vai ver minha debilidade possa ser atribuída a uma possível vingança da estação pelo texto que a difamava na semana passada.

As viroses pertencem a uma subcategoria dentre as doenças. Por essa razão – e pelo fato de estarem sempre em mutação – costumam gozar de muito pouca credibilidade. Contribuí para a má fama serem elas a principal desculpa para se faltar ao trabalho e o diagnóstico preferido entre os doutores quando, ao final da consulta, eles não sabem o que dizer aos seus pacientes. De dor de barriga a galo na testa, quase tudo pode ser um sintoma.

Sou levado a crer que as viroses evoluíram bastante desde minha infância. Naquela época a maioria delas só causava febre, falta de apetite e dores no corpo. Acreditem, o que sinto agora é bem pior do que isso. Eu ainda devia ser criança quando estive tão mal assim pela última vez.

Na infância ficar de cama é sempre um misto de sensações conflitantes: se por um lado tem-se o mal estar físico, por outro existe o dia em casa, brincando, ao invés de estudar. Se há a visita ao médico, há também a possibilidade de se comer o que tiver vontade sem a mãe reclamar.

Eu me lembro dos pensamentos delirantes, daquele estado de consciência alterado pela febre associada a pouca alimentação, dos sonhos de se dormir de tarde e do orgulho sentido ao explicar para os coleguinhas o motivo das faltas na escola. Infelizmente me lembro também, sem nenhuma saudade, da tortura que eram os banhos frios de madrugada para baixar a febre.

Estar doente adulto não tem metade da graça. Sinto-me como aqueles pombos com o peito estufado e os olhos fechados, no canto da praça, sendo evitado pelos demais para não disseminar a doença. Felizmente hoje existe o laptop (fundamental para tornar esse texto possível) e a internet para evitar a monotonia dos programas televisivos exibidos de manhã. Em quase todos os canais estão ensinando receitas natalinas.

Prometi a mim mesmo reagir apenas depois do almoço, por enquanto dormir mais um pouco ainda é o melhor remédio. Já estou sabendo de uns três ou quatro casos de gente que está com sintomas muito parecidos. Pela tradição logo surgirá um nome para batizar essa virose, CPMF talvez? Só espero que, diferentemente do imposto, ela seja realmente provisória.

Profissão-Perigo

sex, 14/12/07
por Bruno Medina |

House_MedinaEsta semana, atordoado em meio às compras de Natal, reencontrei uma amiga de longa data que não via há tempos. Naquele clássico momento “o que você anda fazendo?”, fui surpreendido pela informação de que, quase uma década depois da nossa formatura em Comunicação, ela pretende largar tudo e encarar o vestibular para medicina em 2008. Posso estar enganado, mas algo me diz que essa reviravolta tem algo a ver com Dr. House.

Bom, se você não sabe de quem estou falando, trata-se de um personagem singular: um médico manco, de humor cáustico, especialista em diagnósticos improváveis e protagonista da série americana “House”, que ultimamente tem arrebatado prêmios e uma imensa audiência, inclusive no Brasil, onde o programa é exibido em um canal a cabo.

O esquema segue o filão desvendado por “E.R.” – aqui chamado “Plantão Médico” – a
partir de sua estréia em meados dos anos 90; ter os corredores de um grande
hospital como cenário para dramas humanos de toda espécie. Pensando bem a
idéia é uma jogada de mestre, tanto que outras muitas séries se seguiram,
apesar do evidente desgaste do formato. Para os roteiristas, sempre um prato
cheio, pois conjuga um ambiente capaz de conjugar qualquer tipo de história
ao natural interesse humano pelo drama.

Os médicos são retratados como heróis do dia-a-dia, seres atormentados pela
necessidade de “operar” milagres como quem frita ovos para o café da manhã
e, ao final do turno, ainda lhes resta lidar com os próprios dilemas. Dr.
House é um personagem primoroso, o resumo de tudo que está à sua volta, a
síntese perfeita de um homem repugnante e um médico brilhante.

Sua eficiência contrasta com a aspereza e sinceridade indevida e até lhe
renderam um tiro bem dado pelo marido de uma paciente, confirmando que o
gênero pode e deve se apropriar de elementos típicos dos enredos policiais
folhetinescos. Saem de cena becos imundos, bares de reputação duvidosa,
sobretudos escuros e disfarces mirabolantes. Entram em cena centros
cirúrgicos assépticos, salas de emergência, jalecos brancos e estetoscópios:
os médicos de hoje são os detetives de outrora.

Os bandidos são vírus oportunistas e doenças escabrosas, normalmente sem
registro anterior na literatura médica. O ápice de muitos episódios se dá
quando os doutores ignoram as normas da ética e se aventuram para além de
seus hospitais, ou seja, quando descem do púlpito de semideuses e
ultrapassam a fronteira do dever profissional, demonstrando que, por trás da
tarimba de cientistas renomados, são gente de carne e osso. E é aí que
reside a chave do sucesso.

Mas o que minha amiga tem a ver com isso tudo? Bom, seria leviano afirmar
que uma atração televisiva tenha qualquer relação com o despertar tardio de
uma vocação, no entanto lembro que, durante a conversa, as séries
hospitalares foram mencionadas.

O fascínio não é recente. Em 1998, Patrícia Pillar e Eva Wilma estiveram
presentes em “Mulher”, uma boa primeira tentativa nacional de acompanhar o
fenômeno, mas parou por aí. Algumas novelas até chegaram a insinuar
aproximação com o tema, no entanto sempre de uma forma discreta. É certo que
não tardará para o cinismo de Dr. House estar superado, e os estúdios
buscarão alternativas para manter o plantão em funcionamento.

Tenho um palpite de que o norte aponta para uma realidade que conhecemos
muito bem: a medicina no terceiro mundo. Claro! Imaginem as possibilidades
dramáticas de um hospital caótico, sem recursos, onde neurocirurgiões
perfuram crânios com furadeiras elétricas e utilizam luvas cortadas como
sondas? Onde ataduras de papelão imobilizam pacientes com fraturas múltiplas
e cadáveres são desalojados de suas macas para ceder lugar a pacientes
vivos?

Já tenho até uma sugestão de título: “3rd World Emergency”. Gostaria muito
de ver como o Dr. House e sua equipe se sairiam por aqui. Sem querer
desmerecer nenhum talento, ser médico no Brasil é profissão-perigo.

Por que eu odeio o verão

ter, 11/12/07
por Bruno Medina |

medina_verao20071211.JPG

Desculpem-me se o título acima parece um pouco radical, ­ alguns podem até julgá-lo provocativo – mas compreendam que escrevo estas linhas sob efeito do calor senegalês que tem assolado o Rio nesses últimos dias. “Odeio” talvez seja uma palavra forte demais. Eu mesmo já dissertei anteriormente neste blog sobre o tênue limiar que separa ódio e amor, mas é assim mesmo, ambíguo e contraditório, que me sinto em relação à temporada que se inicia. No mais, a palavra “incômodo” não seria um substituto a altura de “ódio”.

Depois de muito me incomodar nos últimos anos, cheguei à conclusão de que o melhor seria pular da primavera direto para o outono. Francamente, o Brasil não precisa de verão! Aqui nos trópicos a estação das flores já é suficientemente generosa no que se refere ao clima, sendo o verão apenas a exacerbação desmedida das temperaturas. Hoje, por exemplo, ainda nem estamos oficialmente na época mais quente do ano e, antes das nove horas da manhã, os termômetros assinalam 27 graus!

A verdade é que eu realmente não gosto de calor. A crendice popular atribui meu desconforto ao excesso de pêlos, já eu desconfio que a questão se deve a alguma regulagem interna. Assim como ocorre com os aparelhos de ar-condicionado, cada pessoa tem um termostato, e o meu veio regulado para a Sibéria.

Faz uns dois anos estive em Nova York nos primeiros dias de janeiro – justo o período mais rigoroso do inverno no hemisfério norte – e as temperaturas oscilavam sempre abaixo de zero grau. Vocês acreditam que eu dormia coberto, mas sem camisa e com a janela parcialmente aberta? Até eu me surpreendo! Imaginem então como deverei me sentir nos próximos três meses…

Durante o verão, no Rio de Janeiro, funciona assim: saiu na rua, tomou banho. São duas ou três trocas de roupa por dia. Pela manhã, quando acordo e abro a janela do quarto refrigerado, vem aquele bafo quente, causando sensação semelhante a de quando estamos vigiando o pão de queijo assar dentro do forno. Sair de calça, nessa época, é como estar todo envolto em saco plástico. Sapato fechado, só quando obrigatório. Chega a causar arrepios me imaginar na situação daqueles que precisam trabalhar de terno e gravata embaixo de sol a pino. Por conta disso mesmo é socialmente aceitável estar suado, grudando e com desodorante vencido.

Sinceramente não sei como nossos antepassados sobreviveram aos tempos em que vestidos fechados iam até os pés e que anáguas, chapéus, cartolas e paletós de lã ou veludo eram as roupas da moda. Mesmo considerando as atenuantes do calor num país das dimensões do nosso, creio não restarem dúvidas que esses trajes eram incompatíveis, do Oiapoque ao Chuí. No século passado ocorreu, admito, uma adequação maior a nossa realidade climática, mas ainda há muito que melhorar. Já que não é possível pular o verão, poderiam ser adotadas algumas normas com o intuito de minimizar o desconforto causado pelo calor excessivo. Abaixo, algumas sugestões:

a) Caso a temperatura exceda os 35 graus, é decretado estado de calamidade pública e o horário de trabalho passa a vigorar como ponto facultativo.

b) Fica proibida, sob risco de pena prevista em lei, a obrigatoriedade do uso de terno nos meses de verão. O traje social, para homens, passa a ser bermuda de tecido e blusa de botão e mangas curtas.

c) Fica proibido qualquer tipo de atividade pública em ambiente interno não refrigerado em dias de temperatura acima dos 30 graus.

d) Entre os meses de dezembro e março, a conta de luz em todo território nacional passa a ter um desconto compulsório de 40% e linhas de créditos devem ser abertas para a aquisição de aparelhos de ar-condicionado em até 60 meses.

Diz aí, alguma dessas leis parece absurda? Absurdo é o calor que anda fazendo, e olha que ainda faltam dez dias para o verão. E depois mais uns três meses… Esse texto termina aqui, a temperatura aumentou mais dois graus e eu já estou precisando tomar meu primeiro banho do dia.

A festa da empresa

sex, 07/12/07
por Bruno Medina |

peladoes.JPG

O mês de dezembro segue, assim como a agenda de eventos associados ao final do ano. Creio que já tenha sido possível perceber o meu fascínio em relação aos hábitos sazonais comuns a essa temporada tão peculiar, especialmente no que se refere às circunstâncias de sugestão coletiva, bem como suaconseqüente capacidade de transformar as pessoas. Em outras palavras, não consigo resistir a observar como os últimos dias do calendário afetam julgamentos e atitudes.

É como se esse período estabelecesse uma permissiva cumplicidade, ao melhor estilo “se todo mundo faz, eu posso fazer também”, e o acontecimento capaz de comprovar minha tese se chama festa de encerramento da empresa. Pense bem. Existe alguma outra ocasião em que seja permitido beber até cair, dançar de forma patética, ser inconveniente, passar cantada no (a) colega e estar certo de que isso não afetará sua vida profissional?

Nas próximas duas semanas, não só no Brasil como ao redor do mundo, as aguardadas festas de encerramento estarão ocorrendo e, como de costume, servindo de picadeiro para situações de inimaginável constrangimento. O início segue a praxe: coquetéis metidos a granfino, música comportada, bufê farto e sorteio de brinde meia-boca, tudo idealizado nos mínimos detalhes para que os funcionários se sintam valorizados.

É uma boa estratégia se aproveitar da presença maciça da chefia para tratar de assuntos delicados. A química derivada da mistura entre álcool e negócios às vezes rende bons resultados, ainda mais numa festa em que os poderosos precisam aparentar simpatia e generosidade. Findado o jantar, as risadas começam a se destacar das conversas em volume cada vez mais alto nas mesas. Um pequeno grupo inaugura a pista de dança e o DJ contratado sente que é hora de fazer a festa decolar.

As luzes se apagam e passa a primeira secretária com o sapato de salto-alto na mão. Os casados olham no relógio pois sabem que esse é o sinal de partida para quem não quer se meter em confusão. A pista ferve, as bandejas de proseco circulam vazias e o clima começa verdadeiramente a esquentar. Quase ninguém ainda veste paletó; os mais animados, inclusive, já estão com as gravatas amarradas na cabeça. Daí em diante é só baixaria. Os chefes se retiram em conjunto para evitar algum escândalo, e os ratos sobem à mesa.

A foto que ilustra o post é um tanto otimista, eu sei. Mesmo a maioria das festas de empresa não terminando com todo mundo pelado ­presumo- o fato é que, a partir desse momento, ninguém é de ninguém. Quem ficou automaticamente se inclui no pacto de silêncio dos dias seguintes, a não ser, claro, que a fofoca seja muito boa.

O DJ solta o pancadão e na pista vale tudo: mão na bunda, patolada, trenzinho, trio Los Angeles. Os garçons se escondem e uma turma faz coro na porta da cozinha exigindo mais uísque. Começam a ocorrer as primeiras baixas, e os mais fracos para bebida dormem nas mesas com as caras enfiadas nos pratos.

A pista sucumbe ao inevitável declínio, e quem conseguiu se arrumar já está longe do salão. Restam as feias, dançando sozinhas, descalças e de olhos fechados, enquanto carecas e gordinhos estudam o bote. O pessoal da limpeza vira as cadeiras e varre o chão do lugar ao som daquela música do Gonzaguinha (“Viver, e não ter a vergonha de ser feliz….”), a festa está oficialmente encerrada. Os garçons acordam os que caíram no sono, afinal
ainda há muito trabalho pela frente, e, no dia seguinte, é preciso deixar tudo pronto para a festa da outra empresa.

Diário do caos

ter, 04/12/07
por Bruno Medina |

pedreiro20071204.JPG

A minha casa está em obras. Essa frase por si só já é capaz de causar arrepios em quem esteve nessa situação, principalmente porque, muito pior do que o incômodo sugerido, em se tratando de casas propriamente ditas, existe a certeza de que sempre haverá uma próxima vez. As reformas domiciliares são uma espécie de estado de sítio particular, uma revolução que institui um governo provisório capaz de esvaziar a autoridade soberana da casa como um saco de cimento e transferir todo o poder para quem parece falar uma outra língua, ou você consegue entender o que dizem os pedreiros?

As obras não são apenas um acontecimento indesejável, mas, sim, uma fase de duração indeterminada capaz de tirar qualquer um do sério. Enquanto escrevo este texto, antes mesmo de tomar café da manhã, ouço dois tipos diferentes de marretada: uma é aguda e tem intervalos curtos, a outra é espaçada, grave e faz as paredes tremerem. Além dessa agradável sinfonia – fora a conversa alta e o radinho de pilha – a todo momento vem alguém aqui me interromper.

Já fui informado de que será preciso comprar material adicional, é o famoso “fator de imprevisibilidade” que existe em toda obra. Semana passada esse fator foi responsável pelo rompimento da tubulação de gás da casa, o que culminou na destruição quase que total do piso da área de serviço. Aprendi que os tubos de gás são de cobre, absurdamente caros e não podem ser remendados, portanto é preciso substituir a peça inteira, até a junta. O problema é encontrar a junta.

Sempre que vou até a loja de construção comprar material para a obra me sinto como uma criança. Na maioria das vezes não faço a menor idéia do que preciso levar e tudo o que tenho é um papel com nomes de produtos escritos errado e instruções incompletas. A meta é repetir, que nem um papagaio, no balcão da loja o que ouvi em casa, e torcer para que o vendedor não faça nenhuma pergunta. É claro que isso sempre acontece. Constrangido por ser um completo ignorante no assunto que todos a minha volta parecem dominar, muitas vezes finjo entender de construção, reproduzindo uma ou outra expressão roubada das conversas alheias.

Essa tática, no entanto, não me livra da humilhação de ter que trocar o que foi comprado errado. O item mais problemático até agora foi a calha do telhado; os tubos, conexões e braçadeiras já me fizeram visitar três lojas distintas, isso porque as peças são vendidas separadamente e sempre há o risco de incompatibilidade. O alívio de finalmente ter uma calha completa durou muito pouco, mais precisamente até o pedreiro dizer “essa aqui até que é boazinha. Vamos colocar no lugar pra ver se funciona”. Pra ver se funciona? Como assim? Por que não me disse antes que tipo eu deveria comprar?

Acho que os pedreiros possuem um sádico prazer em nos confundir e nos apavorar. Eles gostam de dizer frases do tipo “vamos ter que quebrar tudo de novo”, “depois que a gente fizer o serviço não tem mais como mexer” ou “eu se fosse você aproveitaria logo para trocar tudo”, deixando pairar sobre meus ombros o peso de uma dúvida que não tenho nenhuma condição de resolver sozinho. Nesse momento bate uma paranóia de que estou sendo enganado por todos os envolvidos. Aliás, não é paranóia, tenho certeza que isso de fato acontece.

Acabei de ser comunicado que o cachorro passou por uma porta que costuma ficar fechada e, possivelmente atordoado com o movimento, resolveu aproveitar o descuido para protestar, fazendo xixi no som da sala. Não foi em volta do som, foi nos botões, na estante e em parte do tapete. O dia mal começou e o que vejo não é nada animador: a casa está repleta de poeira, o barulho é atordoante, o cachorro está sujo e escondendo utensílios dos
pedreiros debaixo do sofá, a previsão é de muitos gastos adicionais e agora mesmo preciso ir até a loja de construção, novamente, para trocar a calha que comprei errado!



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