Entre o excesso e a ausência

sáb, 27/10/07
por Bruno Medina |

Apesar dos pesares, que não foram poucos – chuva, queda de barreiras e trânsito apocalíptico – a estréia da edição carioca do Tim Festival foi histórica. Num efeito contrário, o caos instaurado na cidade acabou por contribuir para aumentar a euforia de todos os que estavam ali para ver – ou criar novos – ídolos, mas, que sobretudo, poderiam se considerar vitoriosos apenas pelo fato de terem conseguido chegar na Marina da Glória a tempo.

Precavido, saí de casa com bastante antecedência e, por conta de aguçado senso de localização, cruzei bairros numa rota improvável, chegando aos portões do festival quarenta minutos antes mesmo da abertura ao público. E não estava só. Fãs ávidos pela festa que antecede a festa já esboçavam o que seria uma crescente animação misturada à pluralidade e democracia de gostos. Enquanto minha credencial de livre acesso para todos os palcos permanecia engarrafada em algum ponto da cidade, sentei-me na calçada e passei a admirar os visuais, digamos, caprichados da turma do gargarejo.

Na maioria dos casos as roupas criavam uma indissociável relação com os artistas, tornando muito fácil determinar que show levou cada um para o lugar. A exceção ficou por conta de um rapaz trajando capa de veludo preto, cartola vermelha, pantufas felpudas de pata de dinossauro e nariz de palhaço; fiquei sem entender se aquilo era um protesto ou apenas uma forma pouco gloriosa de se expressar. Outra coisa que me chamou a atenção foi uma turma que apareceu com uma bandeira da Islândia para homenagear Björk. Em que lugar no Rio de Janeiro é possível comprar uma coisa dessas?

Falando nela, pelo que pude constatar nas outras tendas, conduziu com maestria o show que seguramente era o mais aguardado nesta primeira noite, inclusive por mim. Confesso que nunca fui grande fã da cantora, mas imaginei que sua apresentação traria algo de inusitado, e creio que pensamento semelhante tenha ocorrido aos meus amigos Marcelo e Barba, de quem nunca ouvi uma menção sequer à moça, mas que assistiram o show ao meu lado. Em meio a muitos rostos conhecidos na platéia, chamou a atenção o de Milton Nascimento, de quem Björk é fã assumida. Nas palavras de uma amiga, ouvir músicas dele no rádio é sinal de boa sorte, então imagina quando ele passa a um metro de você.

O calor era insuportável por evidente falha no sistema de ar condicionado, o que foi uma decepção em relação às edições anteriores e um enorme desrespeito com quem pagou 90 ou 180 reais para estar ali. O suor escorria pela testa e grudava a roupa no corpo quando uma espécie de fanfarra afro-romana composta exclusivamente por mulheres adentrou o palco. Do alto escorreram bandeiras estampando animais silvestres e Björk surgiu com glamour, envolta num rebuscado vestido dourado, como se fosse um embrulho de presente ou um bom-bom Ferrero Rocher.

O que se viu dali em diante é difícil de explicar. É como se uma daquelas bandas que toca no coreto da praça tentasse fazer música tendo como base os ruídos do funcionamento de uma fábrica. Björk arregimenta essa estranha formação com sua voz de cristal, pitadas de música clássica e uma justificada – e esteticamente fascinante – parafernália eletrônica. O resultado é hipnótico. Na primeira música todos estavam em transe assistindo a uma artista muito à vontade no palco carioca, com o calor – do público e da tenda – e ainda disposta a dançar e saltar de um lado a outro de modo tropical. Mas há também uma ausência angustiante, uma suspensão que permeia todo o show e poucas vezes se resolve. E de repente tudo termina, no auge, numa nuvem de raio laser verde com chuva de confetes prateados. Um bis no melhor estilo música-bagunça-catarse e as luzes se acendem. Refestelado, o público caminha para a saída, molhado de suor e prata, e com a certeza de que presenciaram o melhor show do festival.

Do lado de fora a chuva real, pôs a prova a determinação de um público bastante jovem que permanecia numa gigantesca fila, dividindo o “village” em duas partes. Aproveitei para conferir o lamurio harmonioso de Antony and the Johnsons e o rock eletrônico do Hot Chip, agradáveis surpresas no caminho até Arctic Monkeys. Já nos primeiros acordes a distorção engoliu o espaço e comprovou o que ninguém duvidava: esta é uma das maiores, se não a maior promessa do rock na atualidade.

Se Björk tem por mérito a ausência, o Arctic Monkeys aposta justo no contrário, uma massa sonora irresistivelmente dançante e executada com enorme competência. Lá pelas tantas a urgência e intensidade onipresentes nas músicas me fez acostumar, e isso prejudicou meu envolvimento com o show. Compreensível para uma banda nova, nada que os desvie da bela trajetória que têm pela frente.

Na saída distribuíam capas de chuva, o que foi fundamental para prolongar minha permanência na Marina da Glória. Um pouco mais de música. Alta madrugada, pés e ouvidos cansados, era linda a Baía de Guanabara chuvosa por detrás dos neons do vilarejo elétrico criado para o festival. A memória do show da Björk eram a melhor companhia para fazer o balanço da noite: entre o excesso e a ausência, a segunda.

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39 comentários sobre “Entre o excesso e a ausência”

  1. André Cezar disse:

    Eu sabia que esse blog era sobre música…
    huhuahuhu

    Arctic Monkeys é muito bom, mas eu queria mesmo era ver o Killers ao vivo!!!

    ps1: Vc assistiu ao mtv + los hermanos (citaram o blog)bateu uma melancolia no final.
    ps2: Vcs jogam truco na quinta é?
    ps3: Vc não responde perguntas feitas no comentário né?
    (mas lê, eu acho)
    o/”o

  2. Maria de Fátima disse:

    as luzes se “ascenderam”?

  3. Bina disse:

    O show foi perfeito!

  4. Marden disse:

    E minha carteira está ficando bem magrinha por conta desses momentos… E ainda estamos no fim de outubro… muitos shows chegando por aí… Ah, como foi ver uma chuva de confetes prateados de um ângulo diferente: o de platéia???

  5. Rafael disse:

    Haha tomara que eu consiga ir no de sampa amanhã…

    bela “crítica” ao Arctic Monkeys, concordo com você Bruno!

  6. Anônimo disse:

    Adorei o texto !!

  7. Romulo Banja disse:

    E EU PERDI !!! =’/

  8. Boy disse:

    É e aqui em MG nem terá,acho que eles desviam a rota dos shows legais de minas,mas não entendo um porquê!
    Você além de pagar meia em curtas,tem direito a ir em shows bons de graça?! ahaha..
    E lá no lugar onde foi o show,em questão de acústico e sonorização estava bom??
    Falow Bizonho…
    Bom futuro..

  9. Juliana Pedreira disse:

    Putz, dava tudo pra ver o show do Arctic Monkeys. Só por essas eu não gosto de morar em uma cidade como Salvador…

    PS.: O MTV + foi bem bacana

  10. Manu disse:

    Senhor,
    Indicai-me o que devo fazer no dia de hoje.
    Revelai-me à vossa vontade…

  11. felipe disse:

    bruno,que felicidade ler sobre vc, marcelo e o barba num show juntos de novo..soh faltou o ruivo e colocar vcs 4 no palco!!aguardo ansiosamente por isso!!

  12. Anônimo disse:

    É sem dúvida uma questão de gosto…
    Entre o tal excesso e a ausência, eu sem dúvida escolho a primeira.

  13. Anônimo disse:

    Artic Monkeys, yes, Artic Monkeys!!!

  14. Lora Nascente disse:

    Eu estava em duvida, iria ao Tim Festival aki em Vitória ou iria pra Fortaleza no “Tributo ao Los Hermanos” q vai rolar em homenagem ao primeiro ano do fã clube La Hermandad.
    Fiquei com a segunda opção.
    Conhecer o Ceará e ouvir um tributo a segunda banda q mais gosto [grande Raul Seixas vem em primeiro, é claro!] foi uma escolha até facil de se fazer!

    é Bruno, o “ultimo show” de vocês, juntou os fãs do Brasil inteiro e acabou rendendo grandes amizades.

    parabéns.

    até um proximo post!

  15. Lucas disse:

    Vi, no MTV+, o seu blog. Maneiríssimo!
    Perdi o soar de Fluorescent Adolescent

  16. Richard Ruszynski disse:

    Bruno, já é um hábito acessar a internet e vir até aqui ler um texto seu, fico ansioso para ler o próximo já.
    Dentro desse período em que leio seu blogo pude perceber que, assim como eu, você mantém o uso do trema, que já há algum tempo caiu em desuso pelas pessoas. E agora com o advento da tal “reforma” na nossa língua ele será oficialmente excluído. Acho que seria interessante obter uma opinião sua a respeito disso, ainda porque você faz parte de uma banda que preza por belas construções de letras, usando a nossa língua da melhor forma… em música.
    Deixo aqui a sugestão, me sentindo um pouco intrometido ou mesmo um invasor, porém um tanto amigo também por acompanhar e conhecer mais sobre o seu universo.
    Grande Abraço.

  17. Carlos Ramon disse:

    e imaginar q os Hermanos já estiveram lá…

    a Bjork é sensacional msm!

    ahh Adorei o MTV + !
    A saudade dos shows de vcs é grande!

  18. Paulo Alencar disse:

    Brunão, acho que tá mais do que na hora de vc compartilhar estes brilhantes textos com mais pessoas.

    Eu quero um livro de crônicas suas.

    Existe até uma campanha:
    Eu quero um livro do Medina!!!

    https://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=40983997
    Vamos lá Bruno!!! Manda ver!!!

  19. Filipe disse:

    Rapaz! Esse show da Bjork foi a melhor noite desse ano que me aconteceu. Estava ali na grade e também vislumbrei esse povo com a bandeira da Islândia e o rapaz vestido de palhaço. Não te vi, mas todo mundo reparou os “vips” que ficaram circulando na frente dos eufóricos e apertados fãs na grade. Bom, não sei, pra mim a maioria foi lá mais pra ver a esquisitice dela do que pelo som. Pra um bom fã como eu, ficam as fotos e a lembrança de ver a mais linda noite desse ano.

  20. Anônimo disse:

    Você é um chato! Mais adoro ler os seus posts… E acima de tudo amo Los Hermanos, juntos ou separados!

  21. felipe pacheco disse:

    O show foi sensacional, ela criou uma espécie de rave vanguardista lá no final…=)

    Vi o lenine, depois o barba, depois o camelo, e enfim vc, na fila pra comprar cachorro quente! Eu teria tirado foto com vc, mas como sei que isso deve incomodar… não me atrevi! E me arrependi! ;)

    Abraços

  22. Higgo Braga disse:

    Muita inveja de você.

    Só isso que eu tenho pra comentar.

  23. Carla disse:

    Prefiro Los Hermanos do que Björk e Arctic Monkeys…

  24. Laila disse:

    São 8 da manhã e estou morrendo de sono pois fui no TIM Festival aqui de São Paulo ontem. O show da Bjork foi lindo, exatamente como vc descreveu… Mas o atraso foi tão grande entre um show e outro que tive que ir embora no meio do show do Arctic Monkeys e perder The Killers pq eram 3 horas da manhã!! E na segunda-feira as pessoas trabalham. Mesmo assim, valeu a pena, fica na memória…

    Seu texto é muito bom, vc eh muito engraçado!

  25. Natalia disse:

    Como tantos, ja tornei hábito vim aqui e ler seus posts!!! Fim de semana admito que não o faço… mais a partir da segunda, tudo volta ao normal! Chego no estagio, ligo o computador… entro na internet, e logo venho aqui… ler e imaginar tudo que vc escreve!! Eh o q eu faço! :) Acho que começei mesmo a visitar seu blog, por ser um dos integrantes dos Los Hermanos… pq eu simplesmente AMO a banda! E qd voce citou que vc, Marcelo e o Barba estavam juntos… minha imaginação foi longeeeee! Lembrei do ultimo show de voces aqui em Maceió… como eu pulei, gritei, cantei… as melhores musicas que já ouvi! Acho q me emocionei tanto quanto voce no Tim Festival.. Voces não tem noção a falta que faz Los Hermanos juntos!
    Beeijos.

  26. Sari disse:

    Ótimo o texto, como sempre!! E ainda melhor quando o assunto é música!!!
    Como sugestão, você poderia escrever sua opinião a respeito das “novas” cantoras brasileiras (essa geração Roberta Sá, Bruna Caram, Mariana Aydar, Anna Luiza…)

  27. Danuza disse:

    concordo com Paulo Alencar, pô Bruno estamos ansiosos por um livro seu.

  28. Caique disse:

    Quando li “sentei-me na calçada e passei a admirar os visuais” comecei a rir aqui.

    Foi na saída Tim Festival de 2005, após dar algumas risadas e fazer fotos com o Alex, Amarante e o Camelo, encontramos o Medina sentado na sarjeta esperando pelos amigos que estava la dentro ainda. Um amigo meu se sentou ao seu lado, pediu pela foto que foi gentilmente aceita. Depois de shows como Arcade Fire, Kings of Leon e The Strokes, fazer uma foto sentado na sarjeta ao lado do Medina, foi para fechar com chave de ouro! hehe

  29. Fredy disse:

    Quem dera eu tivesse credenciais de livre acesso…rs Vip é f…da…rs

  30. Anônimo disse:

    Aí q desespero…só verei o show na quarta aqui em Curitiba….chegue logo dia 31 por favor….qro mto ver tdos os shows!!!!
    Só espero q não role as 3 horas de atraso do The Killers q rolou em sampa.

  31. Anônimo disse:

    Puuuuuuuuuxa.
    Também queria ter visto :~

    Camilla Elizabeth,
    fotolog.com/ca_hermana

  32. Em SP também foi show de bola. Tirando que atrasou umas 2 horas e tudo acabou 5:30 da madrugada de um domingo para uma segunda feira, como se só tivesse vagabundo lá, foi maravilhoso.
    O show da Björk foi espetacular para nunca mais esquecer, o do Killers também, mas já não sentia meu corpo.
    Belo Tim Festival e sem chuva e vento frio!!!

  33. Joana Poltronieri disse:

    Eu fui ao Tim Fesival aqui na minha cidade!
    Mas nem se compara a grandiosidade dos eventos do Rio e São paulo.
    Aqui os shows são dentro de um teatro e nós assistimos sentados.
    O Teatro deve comportar no máximo 500 pessoas.
    é caro que isso deixa o ambiente bem intimista e nós pudemos observar nossos ídolos bem de pertinho. Como se fosse um show particular. Assisti ao Paulo Moura, um ótimo clarinetista, o samba de latada, um som regional do nordeste espetacular, joe louvano, cat power, nanny cherry e banda Cirkus.
    Nunca tinha ido ao Tim, e ele me deixou ótimas referências musicais e um desejo de voltar no ano que vem!!!

    um grande abraço Medina!!!!!
    ;)

  34. Bruna disse:

    Só sensações boas nesse texto. Aumentou a vontade de estar lá.

  35. Julia Pedreira disse:

    Björk coisa nehuma. Eu queria ver ARCTIC MONKEYS!!! ahh, o show deve ter sido/deve ser INCRÍVEL!!!

  36. Lid disse:

    Björk em SP tb foi maravilhoso! Inesquecível meeesmo.
    Agora… Arctic Monkeys… cansei a partir da quarta música de tão parecidas q elas eram… muito repetitivo…

  37. Augusta disse:

    Bruno, Artic Monkeys realmente é uma grande banda, tenho um fã inveterado dos rapazes em casa,meu irmão gemeo!E como eu queria q em Goiás tivesse esses eventos…
    Beijo,é sempre bom passar por aqui!

  38. Priscila Pritty disse:

    Melhor ainda é “ler-te” falando de música. Você fez Björk parecer muito mais presente do que realmente é, e o excesso de Arctic Monkeys… parece bom!!!!! Corriqueiro e bom!
    Ou pelo menos me fez parecer assim…
    Ah, és o Medina e não se discute!

    ;)

  39. Raphael Diniz disse:

    Pois é Sr. Bruno.
    Te vi lá na praça do tim festival mesmo, sentadinho, tomando uma. rsrsr
    pensei em não incomadar.
    ressalvas ao seu texto, as pessoas que estavam com a bandeira, um dos mentores da mesma era eu messssssssmimo. rsrsr viajei quase 1000km para ver björk de frente. éeee
    foi um tributo a vida. tantas pessoas famosas se misturando a desconhecidos e não estrelas, para assistir e parar para ouvir Björk.

    a propósito, voce mencionou onde no rio de janeiro se compra uma bandeira daquela, te respondo: Não se compra, se fabrica e esta saiu de Uberaba MG. hehehehehe

    abraçossss camarada!



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