O Fusca verde

sex, 19/10/07
por Bruno Medina |

(esta história é inspirada em fatos reais)

Da janela do segundo andar, Umberto analisava clinicamente o Fusca verde. O carrinho encontrava-se parado à porta de sua casa fazia quase um mês, fato que o irritava profundamente. A vaga que ocupava era justo a sua preferida, na qual sempre estacionava o próprio carro. Por conta da permanência prolongada do Fusca, teve de se conformar com a vaga em frente, bem debaixo de uma frondosa jabuticabeira, que, nesta época do ano, pintava o carro todo de roxo.

A cada vez que precisava remover frutinhas estouradas e incrustadas no pára-brisa de seu carro, Umberto lamentava o descuido que permitiu ao condutor do maldito fusquinha ocupar o espaço que sempre fora seu. Era uma quinta-feira qualquer quando decidiu ir ao cinema; assistiu a um filme ruim, do qual nem lembrava o nome e, na volta, um Fusca havia entrado em sua vida. Foi simplesmente assim que aconteceu.

Por muitas vezes foi correndo à janela, pensando ser do Fusca o motor de arranque em seu indefectível revolver, anunciando – quisera ele para sempre – a própria partida. Mas não, eram outros os carros, o Fusca permanecia inerte como busto desconhecido em praça do interior, um monumento a sua completa impotência diante da situação. Abdicou da costumeira postura reservada para se pôr a perguntar pela rua, aos vizinhos, a qualquer um que nunca teve dele mais do que um bom dia sussurrado a boca pequena, a quem pertencia aquele carro. Em vão, ninguém tinha a resposta.

Numa tarde de domingo, se deu conta de que nunca havia olhado o velho Fusca de perto. Como? Ali estava seu algoz, e ele apenas o conhecia de longe e do alto? Era preciso igualar-se a ele, encará-lo de frente, tocá-lo, sentir seu cheiro, conhecer suas formas, para que este nunca pudesse surpreendê-lo. Não queria, no entanto, fazer aquilo com testemunhas; algum vizinho poderia suspeitar de sua frustração ou pior, perceber que ele elegera como arquiinimigo um inofensivo fusquinha. O jeito era esperar a madrugada para estudá-lo sem nenhuma preocupação.

Colocou o despertador para as três horas da madrugada e, de pijamas, munido de uma lanterna, partiu para a investigação. Olhou por baixo, por trás e lá dentro, posado sobre o banco do carona, avistou um papel, uma pista. Regulou o foco da lanterna para o alvo e, com muita dificuldade, conseguiu ler alguma coisa. Era um recibo de lavanderia. Duas calças, um paletó e uma colcha de casal, em nome de Ligia, provavelmente a dona do carro.

Anotou o número do pedido, do telefone da loja e mal conseguiu se segurar até a manhã seguinte para fazer a aguardada ligação. A estratégia foi dizer que havia encontrado uma carteira na rua de uma tal Ligia, e que dentro havia um recibo da lavanderia. Pediu para que lhe passassem o telefone da cliente. O funcionário ficou um pouco desconfiado mas acabou cedendo; a partir dos dados fornecidos, Umberto conseguiu o telefone da “dona do Fusca” e deu seqüência ao plano de remoção do veículo ligando para ela:

– Alô, bom dia

– Bom dia.

– Dona Ligia, aqui fala Umberto, proprietário da casa em frente onde está estacionado seu carro.

– Aconteceu alguma coisa com meu carro? – perguntou em tom de apreensão.

– Não, está tudo bem, não se preocupe. Acontece que fiquei preocupado pois seu carro está estacionado na mesma vaga faz muito tempo e….

– Como foi que o senhor conseguiu meu telefone?

– … eu cheguei até seu número porque achei que algo havia acontecido…

– Não, meu senhor, nada aconteceu. O carro está estacionado aí porque eu moro próximo a sua rua, mas infelizmente aqui não é muito fácil encontrar boas vagas.

– Desculpe a intromissão, mas a senhora não usa mais o carro?

– A verdade é que eu mesma raramente o uso, quem usava mesmo era meu filho, que agora está fazendo um intercâmbio no exterior e só deve voltar daqui a seis meses.

– Seis meses?! O carro vai ficar estacionado na porta da minha casa mais seis meses?

– Sim. Por quê? O senhor tem alguma objeção?

– Não, mas a senhora poderia parar o carro em outro lugar. Que tal?

– Por quê?

– Porque a senhora nem aqui mora e está tirando minha vaga preferida! Sabia que meu carro está debaixo de uma jabuticabeira que pinta ele todo de roxo? A senhora sabe o que é ter de lavar um carro dia sim outro também?

– Olha só, meu senhor, não sei como conseguiu meu telefone, mas acredito que o senhor não anda muito bem do juízo. O carro vai ficar aí onde está até eu ou o meu filho resolvermos tirá-lo, e se o senhor fizer alguma coisa ao carro, ou mesmo voltar a me ligar, vou chamar a polícia. Passar bem.

Bateu o telefone e assim terminou a conversa entre os dois, nada resolvido. Umberto andava em círculos pela casa praguejando e tentando ter idéias, porque, se antes remover o Fusca era uma questão de conveniência, agora era questão de honra. – Que mulher egoísta e estúpida! Que petulante! Um favor que não lhe custaria nada – dizia Umberto inconformado com o resultado da empreitada. A única solução seria encontrar um meio de fazer a proprietária querer sair com o carro. E foi então que teve uma brilhante idéia…

(continua no próximo post)

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83 comentários sobre “O Fusca verde”

  1. Anônimo disse:

    Nossa!!! Uma amiga já havia comentado sobre o seu blog e ela não foi nem um pouco exagerada ao dixer que é muito interessante a sua maneira de escrever e prender a atenção do leitor! Anteriormente havia lido o “caso” da camareira e do hóspede e fiquei empolgadíssima com o final do texto. Hoje não foi diferente! Estou aqui tentando ler os pensamentos do Umberto e decifrar a sua saída!!! É isso, parabéns por seu dom!!! Já que ESCREVER BEM para mim é uma dadiva!!!

  2. Pedro Henrique disse:

    Uma espécie de folhetim?

  3. Léo disse:

    Aiii

    Por que sempre que você escreve uma boa história, deixa o final pra depois? É ansiedade demais esperar pelo próximo post…

    Mesmo assim, parabéns !

  4. Junin disse:

    rsrsrsrs

    Nossa! [curioso]

  5. felipe disse:

    quanto suspense!!!!!!

  6. Carmen disse:

    E????????????
    A mulher deve ser a dona do prédio né? pra ter falado com ele dakele jeito….
    qdo é a próxima postagem hein? (curiosa)

  7. disse:

    Tcham – Tcham – Tcham – Tcham !

    To be continued…

  8. Débora disse:

    Qual foi a idéia brilhante?

  9. rus disse:

    - ansiosa ao proxima

  10. André Cezar disse:

    suspense outra vez…

    Seria Umberto o hóspede que a camareira não conheceu??
    huhuhuhhh

  11. Anônimo disse:

    Aposto que no final eles namoram ou se casam.

  12. Carla disse:

    kkkkkk muito bom!!! Se é realmente inspirada em fatos reais, estou cada vez mais convencida que tem louco pra tudo… mas estou muito curiosa pra saber o desfecho da história rs
    Impressionante como vc escreve bem e deixa a narrativa super interessante. Muito legal!!!

  13. hernani disse:

    oh meu santo…no aguardo

  14. Jonh disse:

    Po Bruno…tu pegou goste de fazermos esperar…Mais a historia ta boa…Vc é o Umberto??Um abraço!

  15. Thiago Lima disse:

    Estou ancioso para conhecer o fim da história!
    um abraço a todos!
    heheheheh!
    ;-)

  16. isabela disse:

    adoro qdo seus posts continuam no proximo. Vou morrer de curiosidade.

  17. JANAINA disse:

    Poxa Bruno…eu na maior ansiedade pra saber o destino do fusca verde e…..continua no próximo post ?? Buáááá…rsrs..Parabéns, excelente texto !!!

  18. Pedro Augusto disse:

    Muito curioso com a continuação da história…deu um gostinho de quero mais lê-la.
    Bruno, sempre escrevendo bem…
    Poxa…que saudade dos hermanos.
    O post termina como um “conto”.
    Mais espero anciosamente o desfecho da história.
    Abraços.

  19. André Medeiros disse:

    O Fusca da foto é realmente uma relíquia…
    Quem é o dono?

  20. Julia Pedreira disse:

    Aff.. que mulher idiota!!! Que raiva, viu? Vou ficar esperando a continuação da história e espero que ela se dê muito mal.. hahaha

  21. mariana lopes disse:

    ahhh, vai nos deixar de novo com gostinho de quero mais!!!!!!!
    quero saber a idéia brilhante logo, conta, conta, vai!
    parabens, amo o que vc escreve!

  22. Denys Gabriel disse:

    Rapaz,tu ta ficando profissional em manter-nos pregados ao teu blog.
    Imaginei,no mínimo,umas três continuações.
    Espero que eu não acerto uma…

  23. Ana Paula Assis Oliveira disse:

    Ai…. posta logo a continuação!!! A curiosidade vai me matar!!! RS…
    bjs

  24. Anônimo disse:

    confesso que fiquei curioso!

  25. Alessandra disse:

    Pê, Medina! Mas vc tá demais, hein?
    Tá inspirado em história de folhetim mesmo?

  26. Anônimo disse:

    Ola Bruno .. sempre acompanho sue blog e logo hoje nessa historia super interessante do fuscquinha verde, vc vem com essa historia de ” continua no proximo post”, ainda mas sendo ela inspirada em fatos reais, por que sabe se lá de que é capaz a mente humana ..rs. Grande abraço amigo, estamos no aguarde do final da história ..

  27. Higgo disse:

    NO aguardo…

  28. Claudia disse:

    Mas de novo essa brincadeira boba???
    Olha, eu não sei o que o Umberto vai fazer, mas ele poderia ter ligado pra defesa civil alegar que o carro estava abandonado há um mês ali e pronto, eles retirariam. O problema depois seria da antipática Lígia de descobrir o que poderia ter acontecido com o carro. Digo isso porque já fizemos isso uma vez com um carro que estava abandonado e incomodando e ele foi retirado no dia seguinte.
    Mas certamente essa solução prática e burocrática perde toda a graça e lirismo do conto.
    Então esperarei ansiosamente a forma mais interessante que o Umberto solucionou o caso.

  29. Lora Nascente disse:

    ai ai ai…

    será q o freio de mão não estava desengatado?
    era só empurra-lo pra debaixo da Jabuticabeira! oras…

    ou chamar o guincho!

    ansiosa pelo fim da historia!

  30. Lilian Palhares disse:

    Ah não!
    Muito curiosa pra saber o término da história.

  31. Aderson Santos da Silva disse:

    Muito bom esse texto envolvente e legal. Mas é sacanagem esperar o próximo post para continuar a ler rsrsrs

  32. Daniela disse:

    Há tempos uma história não prendia assim minha atenção… Estou curiosíssima pra saber como Umberto vai conseguir remover o fusquinha da vaga!

  33. Paulo Alencar disse:

    Poxa…
    Medina, que tal escrever tudo num post só e poupar meu médico de me receitar um remédio contra ansiedade?

  34. Mayra disse:

    curiosa!

  35. Marcos disse:

    hahaha,estou ansioso pelo próximo post!!!!!
    caramba, conseguiu prender e atiçar minha curiosidade!
    muito bom!

  36. edney disse:

    eu quero mais
    o que sera que o intrepido Umberto ira fazer????

  37. Anônimo disse:

    estou a espera do proximo.
    eu gostava muito da historia: aumenta um.

  38. Antônio disse:

    Me disseram uma vez que o Amarante tem/tinha um fusca… hahahahaha

  39. Maria disse:

    Aaaaaaaa….maravilha!
    Ansiosa para o prósimo capítulo…
    Obs:A relíquia daqui de casa é o fusca verde do meu pai…até tem apelido…rs…é Azeitona!

  40. Laila disse:

    aiaiai!! Fiquei curiosa!!

  41. Manuela disse:

    A parte que mais chama atenção é a do “espírito investigativo”.
    Que façanha!
    Estou ansiosa para ver os próximos capítulos… de um fusca rejeitado, o incomodado, e a folgada, rss

  42. Kauera disse:

    Fiquei tão empolgada com o post que o fato de continur depois me frustou…mesmo assim, vou aguardar o próximo…

  43. Anônimo disse:

    Quero saber o final dessa história logoooo! hahaha, me imaginei no lugar do Umberto. Eu ficaria maluca e sonharia com uma façanha para resolver o problema! hahaha

  44. Anônimo disse:

    sensacional, mas pq dividir em dois posts?

  45. Thassiana disse:

    Não vejo a hora de ler a continuação!!!!

  46. Dependendo da maneira que ele encontrar pra conseguir a vaga de volta isso pode gerar uma disputa (visto que ela estará desocupada todos os dias antes dele chegar). Como a dona Lígia parece ser bem chata é capaz dela voltar a colocar o carro no mesmo lugar (agora de propósito) e com o propósito de “sacanear” o Humberto. Isso causaria um final apenas parcial para a estória.
    Abraços

  47. Lincoln dos Prazeres disse:

    Tah novelero esse cara… continuo no próximo.

  48. Raissa disse:

    Leio sempre seu blog! Acho legal a maneira como escreve. Não parece leitura, é como se vc a gente estivesse conversando.. Me sinto a vontade de te convidar para visitar o meu blog..
    Sim ! é de banda!! mas sem pretençoes … Espero que goste!

  49. Anônimo disse:

    Q fusca verde lindo!

  50. YURI MALCHER disse:

    Too curiosooooo puxaaa

  51. Bárbara disse:

    Qual será a idéia brilhante?

  52. Anônimo disse:

    Ai Bruninho querido! Até que eu gosto disso sabia? Atiça a curiosidade que pouco existe em mim :D

    Um abração!
    Camilla Elizabeth,
    Joinville/SC
    [email protected]

  53. Fredy disse:

    Pelo jeito que a mulher é folgada ela deve ser argentina. Como o fusca é antigo, provavelmente faz parte da família e foi tirado zero. Se foi tirado zero e ela é a única dona, ela deve ser bem idosa. Se é idosa e argentina, chego à conclusão que este cara conversou pelo telefone com a dona Adelfa. A argentina que faleceu esta semana. A coitada senhora de 82 anos não chegou a completar um mês de casada com o maluquinho de 24 anos. Resumindo: Enquanto não sair o inventário, o fusquinha não sairá da vaga…
    Viajei…

  54. leo araujo disse:

    Acho melhor ele desistir da vaga e continuar tirando jabuticabas do carro dele! rsrs

  55. Anônimo disse:

    Esto no aguarde !!
    Puts 1° vez q leio seu texto, sempre entro no site da globo e nunca leio esses post, mas hoje
    me surpreende !!
    Adorei, a idéia de ter + posts é legal
    assim todo mundo fica na curiosidade !!
    kkkkkk

    abraço !!

  56. Cris disse:

    gosto muito de ler, mas tem q ser leituras interessantes assim como as suas!!!!!! Parabéns, muito bom!!!!!!!!

  57. Jieli disse:

    Bahhhhh,
    escreves muito bem!
    O texto passa rápidissimo!
    Estou curiosa!
    Vou ler o proxximo post!

    Beijão!

  58. krysna disse:

    AAAAAAaaaaaaaaaaaaaaaahhhhhhhh como assim no próximo pooost????!!!!
    Voltarei em breve para ler sua brilhante idéia!
    hahahaha…
    Beijos, de uma fãn inconformada dos Los Hermanos!

  59. Silvio disse:

    Era só ligar para a CET alegando que tinha um carro abandonado…..

  60. mariane disse:

    oiii gostaria muito de saber o fim da historia do fuqueta !!
    mande o fim da historia pra mim pelo E-mail !!
    bjus !!!!…

  61. Sérgio Américo disse:

    Acho que o jeito foi comprar o fisca da tal senhora e readquirir a vaga, história boa aguardo.

  62. Bruno disse:

    caraca show e esse fusca !!
    meu pai esta fazendo um fusca tuning pra min ficar zoando pelo Rio de Janeiro eu so tenho 12 anos !!
    e ele ja botou pra reforma !!

  63. Tiago Magalhães disse:

    Estamos em 15 de outubro e a continuação da história nada? hehehe
    Estou muito curioso para saber o fim dessa história!!!

    Abraços

  64. muniz disse:

    Prezado companheiro, de muitos anos. Tenho a solução para o seu caso, faça uma boa oferta por intermédio de um amigo e compre o carro. Desta maneira ainda poderá fazer parte nz reunião de carros antigos



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